No segundo turno, houve pelo menos 20 casos de violência política|Arte: Ana Clara Moscatelli/Agência Pública

Eleições municipais registraram cinco casos de violência política por dia em novembro

Foram contabilizados 150 episódios de agressão relacionados à eleição em novembro; candidatos foram alvo em 55% dos casos

Por Agência Pública, Amazônia Real, Gênero e Número, Marco Zero Conteúdo, Ponte Jornalismo, Portal Catarinas, Projeto #Colabora, Agência Saiba Mais, Plural*

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Em Uberlândia (MG), a mineira Gilvan Masferrer, de 30 anos, foi a única candidata a vereadora eleita no país pelo partido Democracia Cristã (DC). Sete anos depois de ser apedrejada na periferia da cidade por se assumir uma mulher transexual — a agressão deixou a manicure entre a vida e a morte — Gilvan afirma que voltou a ser xingada, hostilizada e agredida verbalmente no mesmo bairro, o Morumbi, durante a campanha eleitoral. Seus supostos agressores eram, segundo ela, de diferentes idades, mas preferencialmente homens. 

Ela entregava santinhos da sua campanha no sinal da avenida Jerônimo José Alves quando um motorista não identificado, ao abrir a janela do carro, teria jogado uma garrafa de água na candidata. Outros eleitores pegaram o material de campanha e jogaram no bueiro da rua, na frente da candidata. Gilvan foi eleita sem receber nenhum apoio financeiro do partido. A candidata não fez boletim de ocorrência e nem gravou as cenas de violência da qual foi vítima. 

A violência política contra candidatos e eleitores esteve presente nas eleições de 2020. Em todo o mês de novembro, foram contabilizaram 150 casos de violência relacionados à eleição, incluindo 34 ameaças, 71 agressões, 44 atentados ou tentativas de homicídio e cinco assassinatos, segundo levantamento realizado por uma coalizão de nove veículos jornalísticos independentes, da qual a Gênero e Número faz parte. A maior parte dos casos, em um total de 130, ocorreu no primeiro turno. Já na segunda etapa da eleição, realizada em apenas 57 municípios, houve 20 ocorrências. 

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Os números do primeiro turno foram atualizados com novos casos que chegaram após o fechamento da primeira reportagem sobre violência nas eleições municipais — que já havia registrado um caso de violência a cada três horas na primeira quinzena de novembro. Somente casos de “violência presencial” foram considerados no levantamento, que não incluiu ataques online ou por telefone.Em 2018, levantamento feito pela Agência Pública registrou 135 casos de violência política durante as eleições. 

A coordenadora da Justiça Global, Sandra Carvalho, pontua que a violência política não acontece apenas em época eleitoral, mas aumenta bastante nesse período. “Temos uma sistemática de violência política, envolvendo desde pessoas que estão em cargos eletivos até aquelas que estão cumprindo alguma função em governos ou em legislativos. Mas é certo que no período eleitoral há um incremento dessa violência, principalmente quando as eleições são municipais”, finaliza. 

Com metodologia diferente, o próprio TSE divulgou dados sobre a violência política nas eleições que comprovam a tendência de aumento da violência por motivação política. Foram registrados 264 crimes de violência contra candidatos ou pré-candidatos. No pleito de 2018, esse número foi de 46. 

Compra de votos

Neste ano, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) computou 63 processos por “captação ilícita de sufrágio”, termo técnico para a compra de votos. O número representa um aumento de 425% em comparação às últimas eleições, em 2018, quando apenas 12 processos foram abertos na Justiça Eleitoral pelo mesmo motivo. 

O aumento do registro de casos também levou a ataques, desentendimentos e episódios de violência. Pelo menos quatro casos de violência política relacionados à compra de votos ocorreram no pleito eleitoral deste ano, de acordo com levantamento realizado pela coalizão de veículos jornalísticos independentes. 

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Em Guarulhos, município da região metropolitana de São Paulo, fiscais eleitorais indicados pelo Partido dos Trabalhadores foram vítimas de atos de violência no domingo de eleições,  onde o 2º turno para a prefeitura estava sendo disputado entre o atual prefeito Guti (PSD) — que foi reeleito —  e Elói Pietá (PT).  A confusão começou quando fiscais petistas identificaram a ocorrência de campanha eleitoral irregular dentro de um colégio eleitoral. Miriam Minzé Correia e Jeivison José da Silva Santos foram xingados e agredidos pelo também fiscal Roni Silva, associado ao prefeito Guti.

A cena foi gravada e publicada nas redes sociais da vereadora paulistana Juliana Cardoso (PT) e do coletivo Jornalistas Livres. No vídeo, o agressor empurra o rosto de Jeivison contra uma grade e pega seu celular. Testemunhas apartaram a briga e recuperaram o celular da vítima. Segundo Jeivison, estava acontecendo boca de urna na frente do local e os fiscais ligados ao prefeito estavam passando com material de campanha dentro das salas. Ao tentar denunciar, a fiscal Miriam foi xingada e começou a ser encurralada por Roni na grade da escola. Jeivison, então, teria tentado defendê-la e registrar o ocorrido com seu celular, o que levou à agressão que deixou ferimentos leves no seu pescoço.

Violência contra jornalistas

Repórteres também foram alvos de ataques no exercício da profissão, desta vez na cobertura das eleições. Em todo o mês de novembro, foram registrados 11 casos de violência contra os profissionais de imprensa.

“Se soubesse que seria entrevistado por um cara que vota em Emanuel, eu não estaria nessa entrevista”, diz irritado o candidato à prefeitura de Cuiabá pelo Podemos, Abílio Júnior, ao jornalista Khayo Ribeiro, durante uma live no dia 23 de novembro. O candidato foi protagonista de nada menos que três episódios de agressão verbal nas eleições, dois deles envolvendo jornalistas, e o outro, uma troca de ofensas com seu adversário no pleito, Emanuel Pinheiro (MDB).

Na live transmitida no Facebook da Gazeta Digital, Abílio ofende o jornalista ao ser questionado sobre seus novos aliados. Quase ao final do debate, o repórter rebateu o discurso anti-corrupção de Abílio e questionou o apoio recebido durante o segundo turno por parte de políticos investigados e condenados. 

O candidato respondeu que Khayo “fez uma pergunta muito infeliz”. “O que eu percebo aqui é uma distorção da verdade”, continuou. Abílio afirmou ainda que o jornalista está tentando sujar a sua imagem para deixar a imagem do candidato adversário, Emanuel Pinheiro (MDB) “mais bonitinha”.

Quatro dias depois, no dia 27 de novembro, durante o debate entre os candidatos promovido pela TV Vila Real (Record), Abílio voltou a questionar jornalistas. O candidato acusou o apresentador Pablo Rodrigues de fazer “fake news”, ao responder uma pergunta sobre a fiscalização dos recursos públicos durante a pandemia. Após ser novamente contestado, Abílio afirmou que o jornalista estava fazendo um “joguinho” e insinuou que os veículos teriam ligações com o atual prefeito.

Expediente

O projeto Violência nas Eleições é realizado por uma equipe de jornalistas de nove veículos.

Reportagem: Alice Maciel, Anna Beatriz Anjos, Caroline Farah, Ciro Barros, Ethel Rudnitzki, José Cícero da Silva, Julia Dolce, Laura Scofield, Mariama Correia, Rafael Oliveira, Raphaela Ribeiro e Rute Pina (Agência Pública), Gabriella Soares e Rogerio Galindo (Plural), Inara Fonseca e Paula Guimarães (Portal Catarinas), Vitória Régia da Silva (Gênero e Número), Débora Britto (Marco Zero Conteúdo), Paulo Eduardo Dias (Ponte Jornalismo), Liana Melo (Projeto #Colabora) e Mirella Lopes e Rafael Duarte (Agência Saiba Mais).

Edição: Andrea DiP, Giulia Afiune, Marina Dias, Natalia Viana e Thiago Domenici (Agência Pública), Rogerio Galindo (Plural), Oscar Valporto (Projeto #Colabora), Rafael Duarte (Agência Saiba Mais), Amauri Gonzo (Ponte Jornalismo), Giulliana Bianconi (Gênero e Número), Paula Guimarães (Portal Catarinas).

Coordenação: Anna Beatriz Anjos e Giulia Afiune (Agência Pública)

Dados e infográficos: Bianca Muniz, Larissa Fernandes e Bruno Fonseca (Agência Pública)

Artes: Débora Britto (Marco Zero Conteúdo) e Ana Clara Moscatelli (Agência Pública)

Vitória Régia da Silva

É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.

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