Pandemia dificultou a candidatura de mulheres, segundo partidos políticos |Foto: Divulgação Marília Campos

Trinta partidos não atingiram a cota de candidatas em todos os municípios onde disputam as eleições

Pelo menos quatro partidos deixaram de apresentar 30% de candidaturas femininas em 100 ou mais municípios; PT não tem nenhuma mulher candidata em 48 cidades, o PSOL, em 30

Por Flávia Bozza Martins, Marilia Ferrari e Vitória Régia da Silva*

Os partidos até cumpriram a cota de 30% para candidaturas femininas no total (prefeituras + câmaras municipais), mas, como diz o ditado, o diabo mora nos detalhes. Neste caso, nos números. Apenas três (UP, PSC e NOVO) entre os 33 partidos do Brasil, apresentaram pelo menos 30% de mulheres candidatas à Câmara dos Vereadores em todos os municípios em que lançaram candidaturas, como determina a lei. E quatro partidos deixaram de cumprir esta cota em 100 ou mais municípios: PP (144), MDB (143),  PSD (138) e PT (137). Juntos, os quatro recebem mais de meio bilhão de reais do Fundo Eleitoral. Os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) foram analisados pela Gênero e Número.

A  legislação eleitoral (art. 10, § 3º, da Lei das Eleições) determina que, pelo menos, 30% das candidaturas efetivamente lançadas por um partido político sejam destinadas ao gênero oposto ao da maioria, o que historicamente seriam cotas para mulheres. Só que, em alguns municípios, os partidos apresentaram apenas uma candidatura, sempre masculina, para vereador. Neste caso, não tratamos de descumprimento da lei de cotas de gênero, já que a cota começa a contar a partir de dois candidatos. 

“A dificuldade de fiscalização e do controle do TSE é em todos os níveis, mas nos municípios temos muito mais. Tem que haver um acompanhamento durante todo o processo eleitoral para termos controle desses 30%, porque durante o processo candidaturas podem ser impugnadas. Não existe pessoal para fiscalizar isso. Essa fiscalização, assim como a do financiamento, é retroativa ou para casos de denúncias específicas”, destaca Hannah Maruci,  doutoranda em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora de gênero e eleições.

Segundo Kátia Lôbo, presidente do MDB Mulher no Rio de Janeiro e vice-presidente do MDB Mulher nacional, o partido tem investido na candidatura de mais mulheres, e destaca o projeto  ‘Mais mulheres eleitas’, que incentiva a candidatura feminina: “Tem lugares que não têm internet, a gente está vivendo uma pandemia, então, se conseguimos aumentar no número geral, é um avanço. É injusto dizer o que não conseguimos alcançar. Tem lugares que a gente realmente não alcançou (a cota de 30%), mas o nosso crescimento está aí”. Os dados do TSE mostram que o partido lançou 14.648 candidaturas femininas este ano, contra 14.275 na última eleição, um aumento de apenas 4%.

Somente 3 partidos cumpriram cota de gênero em todos

os municípios onde lançaram candidaturas

PP, MDB, PSD e PT não cumpriram a cota de 30% de mulheres candidatas em mais de 130 municípios

número de municípios em que cada partido

lançou candidatos, mas não atingiu 30%

de candidaturas femininas

O PP não atingiu

30% de candidatas

mulheres em

144 municípios

150

municípios

PP

MDB

140

PSD

PT

130

DEM

PSDB

120

REPUBLICANOS

110

PL

Os cinco partidos que

mais recebem recursos

do Fundo Eleitoral em 2020

PSB

PSL

PDT

100

201 milhões

PT

PTB

199

PSL

148

MDB

PATRIOTA

90

140

PP

PODE

139

PSD

80

CIDADANIA

70

PC DO B

SOLIDARIEDADE

AVANTE

60

50

PSOL

PRTB

40

DC

PV

PMN

30

PTC

REDE

PMB

20

PCO

PCB

PSTU

Partidos que têm ao menos 30% de representatividade feminina em todos

os municípios onde

lançaram candidadaturas

10

municípios

10

0

UP / PSC / NOVO

fonte tse

Somente 3 partidos cumpriram cota de gênero em todos

os municípios onde lançaram

candidaturas

PP, MDB, PSD e PT não cumpriram a cota de 30% de mulheres candidatas em mais de 130 municípios

quantidade de municípios em que cada partido lançou candidatos, mas não atingiu 30% de candidaturas femininas

O PP não atingiu

30% de candidatas

mulheres em

144 municípios

150

PP

MDB

140

PSD

PT

130

DEM

PSDB

120

REPUBLICANOS

Os cinco partidos que mais recebem recursos do Fundo Eleitoral em 2020

110

PL

PSB

PSL

PDT

[em R$ milhões]

100

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201

PT

199

PSL

PATRIOTA

90

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MDB

PODE

140

PP

139

PSD

80

CIDADANIA

70

PC DO B

SOLIDARIEDADE

AVANTE

60

50

PSOL

PRTB

40

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PV

PMN

30

PTC

REDE

PMB

20

PCO

Partidos que têm ao menos 30% de representatividade feminina em todos

os municípios onde lançaram

candidadaturas

PCB

PSTU

10

0

UP / PSC / NOVO

10

fonte tse

Somente 3 partidos cumpriram cota

de gênero em todos

os municípios onde

lançaram candidaturas

PP, MDB, PSD e PT não

cumpriram a cota de 30%

de mulheres candidatas

em mais de 130 municípios

quantidade de municípios em que cada partido lançou candidatos, mas não atingiu 30% de candidaturas femininas

O PP não

atingiu

30% de

candidatas

mulheres em

144 municípios

150

PP

MDB

140

PSD

PT

Os cinco partidos

que mais recebem recursos do Fundo Eleitoral em 2020

130

DEM

[em R$ milhões]

201

PT

PSDB

120

199

PSL

148

MDB

REPUBLI-

CANOS

140

PP

139

PSD

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PSB

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PDT

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PATRIOTA

90

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CIDADANIA

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PC DO B

SOLIDARIEDADE

AVANTE

60

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PMB

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PCO

PCB

PSTU

10

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UP / PSC / NOVO

Partidos que têm ao menos 30% de representatividade feminina em todos

os municípios onde lançaram

candidadaturas

fonte tse

ler Leia também: Eleições 2020: número de candidatas tem aumento tímido, mas candidaturas negras são maioria

A análise dos dados mostra ainda que atingir a cota em todos os municípios é uma dificuldade da maior parte dos partidos, mesmo dos que recebem mais recursos do Fundo Eleitoral. Os cinco partidos que encabeçam esta lista (PT, PSL, MDB, PP e PSD, respectivamente) estão entre os que não conseguiram atingir a cota de 30% em mais municípios. O  Partido dos Trabalhadores, por exemplo, que recebe o maior montante nestas eleições (R$ 201.297.516,62), não alcançou a cota de 30% em 137 municípios e foi o partido que não apresentou nenhuma candidatura feminina em mais cidades (48), seguido do PSOL (30).

“O que acontece a nível municipal é que nas capitais dos estados é mais fácil cumprir a cota de mulheres, mas quando analisamos o interior ou outros municípios, são muito arraigadas essa ideia e reprodução de uma política feita pelas mesmas pessoas há muito tempo, por isso, a entrada de mulheres é uma novidade para esses partidos. Há uma desigualdade muito grande entre os centros e os municípios pequenos em relação a machismo, racismo e reprodução de desigualdade. Agora os partidos têm que se adaptar e correr atrás, porque também tem a questão do dinheiro público envolvido”, diz Maruci.

Efeito pandemia

Em 2020, quase 180 mil mulheres são candidatas, mas elas representam apenas 34% do total, com um crescimento tímido de 0,1% para prefeitas e 1,3% para as vereadoras em relação a 2016. Quando analisamos os partidos, esse crescimento no número de candidaturas femininas continua baixo. O partido que apresentou maior variação, de 10%, foi o PSOL, enquanto o PCO e PMB apresentaram uma queda 27% e 18%, respectivamente, em relação a 2016. Na imensa maioria dos partidos, a representação feminina ainda está longe da paridade, mesmo com a lei de cotas e financiamento direcionado para candidaturas femininas.

Variação de candidatas por partido em relação a 2016

Partido da Mulher Brasileira apresentou menos 18% de candidatas este ano;

lista é encabeçada pelo PSOL, com apenas 10% a mais de candidatas

ESCALA

diminuiu

aumentou

!

-30% – +30%

0

-30%

+30%

PSOL

10%

CIDADANIA (PPS)

8%

PSB

REDE

PDT

7%

PSD

6

NOVO

PL (PR)

6%

PROS

PP

PSC

PSDB

PTB

PV

MDB (PMDB)

SOLIDARIEDADE

DEM

PC DO B

64% dos partidos

tiveram aumento

de no máximo 5%

na representação

feminina

PTC

REPUBLICANOS (PR)

AVANTE (PT do B)

PMN

PODE (PTN)

PRTB

DC (PSDC)

PSL

PSTU

PCB

PATRI (PEN)

PT

PCO

Reconhecido pelo TSE em 2019

0

UP

-18%

-27%

PMB

PCO

fonte tse

Variação na % de candidatas

por partido em relacão a 2016

Partido da Mulher Brasileira apresentou menos 18% de candidatas este ano;

lista é encabeçada pelo PSOL, com

apenas 10% a mais de candidatas

ESCALA

!

-30% – +30%

diminuiu

aumentou

0

+30%

-30%

PSOL

10%

CIDADANIA (PPS)

PSB

8%

REDE

PDT

7%

PSD

NOVO

PL (PR)

6%

PROS

PP

PSC

PSDB

PTB

PV

MDB (PMDB)

SOLIDARIEDADE

DEM

64% dos partidos

tiveram aumento

de no máximo 5% na representação

feminina

PC DO B

PTC

REPUBLICANOS (PR)

AVANTE (PT do B)

PMN

PODE (PTN)

PRTB

DC (PSDC)

PSL

PSTU

PCB

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PT

Reconhecido pelo TSE em 2019

UP

0

-18%

PMB

-27%

PCO

fonte tse

Variação na %

de candidatas por partido em relacão

a 2016

Partido da Mulher Brasileira apresentou menos 18%

de candidatas este ano;

lista é encabeçada pelo PSOL, com apenas 10%

a mais de candidatas

ESCALA

!

-30% – +30%

diminuiu

aumentou

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+30%

-30%

PSOL

CIDADANIA (PPS)

PSB

REDE

PDT

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SOLIDARIEDADE

DEM

64% dos partidos

tiveram aumento

de no máximo 5% na representação

feminina

PC DO B

PTC

REPUBLICANOS (PR)

AVANTE (PT do B)

PMN

PODE (PTN)

PRTB

DC (PSDC)

PSL

PSTU

PCB

PATRI (PEN)

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Reconhecido pelo TSE

em 2019

UP

-18%

PMB

-27%

PCO

fonte tse

Em nota, o Partido da Mulher Brasileira (PMB) apenas afirmou que “cumpriu o Demonstrativo de Regularidade de Atividades Partidárias (DRAP) exigido pelo TSE ocupando 30% das vagas destinadas para mulheres em cima do número total de candidatos lançados em cada município”, mesmo com os dados analisados pela Gênero e Número mostrando que, em 17 cidades, o partido está abaixo da cota, e em duas cidades não apresentou nenhuma candidatura feminina.

O Partido dos Trabalhadores apresentou uma variação pequena, de 1% em relação à última eleição municipal. Segundo Anne Karolyne, secretária Nacional de Mulheres do PT, a expectativa era de um aumento maior, mas a pandemia frustrou o crescimento esperado.  

“A pandemia agrava a desigualdade, e conseguirmos cumprir os 30% e conseguir assegurar a candidatura de mulheres nesse contexto é uma vitória. Mulheres que eram candidatas e estavam com suas campanhas encaminhadas tiveram que desistir por conta desse contexto. A pandemia é devastadora para as mulheres, que ficam sobrecarregadas com o trabalho doméstico, com o cuidado, e  foram atingidas pelo desemprego. Para as mulheres, historicamente sempre foi difícil fazer política; com a dinâmica de ter que ficar à frente do cuidado, você dificulta ainda mais essa presença”, destaca a secretária de mulheres do PT.

Segundo estudo realizado pelo Movimento Mulheres Negras Decidem em parceria com o Instituto Marielle Franco, se antes da pandemia 29% das ativistas negras entrevistadas consideravam se candidatar, esse número caiu para 25% depois que foi decretado o isolamento social.

ler Leia também: Candidatas com ensino superior aumentaram em 157% entre 2000 e 2016, mas não foram eleitas nem para 10% das prefeituras

Karolyne também aponta a falta de acesso à internet como uma barreira. “Esse é um agravante que retira as mulheres do processo eleitoral e um reflexo da desigualdade no país. Temos um projeto no PT chamado ‘Elas por Elas’, em que iria ter uma caravana em cada estado de maneira presencial. Por conta da pandemia, tivemos que fazer de forma online, mas isso diminuiu a adesão porque muitas não têm esse acesso. O acesso à internet ainda não é uma realidade no país”, afirma. 

A pesquisadora concorda que a pandemia ampliou as desigualdades já existentes, mas responsabiliza os partidos. “Tínhamos uma expectativa de um grande aumento, mas a estrutura política partidária não promove a candidatura das mulheres, pelo contrário: não oferece auxílio ou financiamento. Na hora de registrar a candidatura, o partido chama as mulheres e promete uma série de coisas, porque eles precisam delas, mas depois elas ficam à deriva”.

Co-idealizadora da A Tenda, projeto de atendimento voluntário para candidaturas e formação política, Maruci conta que segundo um formulário que foi respondido por 300 candidatas, mais de 50% revelaram que tinham ficado responsáveis pelo cuidado de alguém na pandemia. Esses dados já haviam sido evidenciados na pesquisa da Gênero e Número com a SOF-Sempreviva Organização Feminista “Sem Parar: o trabalho  e vida trabalho das mulheres na pandemia”

“O que acontece na prática é que o mínimo vira o teto quando tratamos de raça e gênero na política. Queremos 50% de candidatura de mulheres, mas o que a lei está pedindo é 30%, e os partidos resistem muito a cumprir isso. É todo um funcionamento que não produz candidaturas femininas viáveis, então, para os partidos é um esforço, eles têm que correr atrás para cumprir os 30%, por isso, não houve um grande crescimento”, conta. 

A pesquisadora ainda destaca como as organizações e a sociedade civil estão ocupando as lacunas deixadas pelos partidos políticos, como A Tenda, que entram no lugar onde os partidos estão faltando. “Os partidos têm essa responsabilidade e recebem dinheiro para fazer isso. É uma escolha eles não fazerem nada”, finaliza.

ler Leia também: Especial 8M: Com 10 prefeitas pretas, Brasil tem desafio racial para eleições de 2020

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*Flávia Bozza Martins é analista de dados, Marilia Ferrari é diretora de arte e Vitória Régia da Silva é repórter da Gênero e Número

Vitória Régia da Silva

É jornalista, escritora e cineasta. Graduada em Comunicação Social com habilitação em jornalismo pela UFRJ, mora há oito anos no Rio de Janeiro. Faz parte da diretoria executiva e é editora-assistante multiplataforma da Gênero e Número, além de editora-chefe da Revista Capitolina. Integra a Gênero e Número desde 2017, e sua busca pela construção de uma comunicação que tenha como base as diversidades de gênero, raça e sexualidade é transversal a todas as atividades que desenvolve em rede e profissionalmente

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