Quantidade de pessoas trans eleitas em 2020 é quatro vezes maior que em 2016
Segundo mapeamento da Associação Nacional de Transexuais e Travestis, são 30 as candidaturas trans eleitas em 2020, sendo que sete foram as mais votadas em suas cidades; há quatro anos, apenas oito chegaram às câmaras municipais
Mestra em educação pela Universidade Federal de Sergipe (UFS) e ativista dos direitos humanos, Linda Brasil (PSOL/SE) foi eleita a primeira mulher trans à vereança de Aracaju e a mais votada entre todos os candidatos à Câmara Municipal da cidade, com 5.773 votos. Ela está entre as 30 pessoas trans eleitas nesse pleito, segundo mapeamento da Associação Nacional de Transexuais e Travestis (Antra) e entre as sete mulheres mais votadas nas capitais brasileiras. Sua vitória nas urnas era bastante esperada, já que havia sido candidata a vereadora em 2016 e a deputada estadual em 2018 pelo PSOL, mas apesar de ter recebido uma votação expressiva, não foi eleita.
“Somos a primeira, mas não seremos as únicas e últimas. Espero que esse resultado estimule que muitas outras pessoas trans possam construir e ocupar esse espaço e provoque transformações reais na sociedade”, disse Brasil, parafraseando a frase dita pela vice-presidente eleita nos Estados Unidos, Kamala Harris.
As eleições municipais de 2020 tiveram um recorde de candidaturas trans e de pessoas trans eleitas. Foram 294 candidaturas pelo Brasil, sendo 30 candidaturas coletivas e apenas 2 para prefeitura e 1 para vice-prefeitura. Isso representa um aumento de 226% em relação a 2016, quando foram 89 candidaturas. Em 2020, o número de pessoas trans eleitas quase quadruplicou, são pelo menos 30, contra as 8 eleitas em 2016. Esse número pode aumentar, já que a Antra continua fazendo o mapeamento das eleitas.
“Esse resultado veio dizer que é possível essa construção. Chegou no momento certo, estou me sentindo mais preparada e mais consciente do meu lugar nesse espaço para trazer mais transformações. Até hoje a ficha não caiu de que fui a mais votada, mas estou aproveitando essa visibilidade e os espaços que estou tendo na mídia para levar informação e conhecimento às pessoas sobre a importância do empoderamento e da gente ocupar esses espaços da sociedade. E não ocupar simplesmente por ocupar, mas para pautar transformações, porque esses espaços sempre foram construídos em uma lógica patriarcal, misógina e LGBTfóbica”, afirma Brasil.
Para Bruna Benevides, secretária de articulação política da Antra, o resultado desta eleição e o crescimento de pessoas trans eleitas são duas das principais respostas que a população trans tem dado frente ao avanço do conservadorismo e das agendas anti-trans. “É muito importante essa forma como as pessoas trans estão se organizando, fruto de uma luta coletiva no Brasil há quase 30 anos, e nada mais justo vermos o aumento na quantidade de pessoas trans que se elegeram para reescrever a história das pessoas trans no Brasil. Uma história manchada por sangue, violência e violações, mas que agora reacende o desejo e a intenção de nos vermos enquanto pessoas políticas, resgatando a participação de pessoas trans no jogo político.”
Número de pessoas trans eleitas para as Câmaras Municipais quase quadruplicou este ano
Pelo menos 7 mulheres trans e travestis foram as mais votadas em suas cidades
30 trans eleitas
7 mais votadas
nas suas cidades, sendo 2 em capitais
17
brancas
13
negras
Por estado
SP16
MG4
RS3
RJ2
ES1
PA1
PR1
RN1
SE1
As mais votadas
Linda
Brasil
branca
Tieta
Melo
branca
PSOL
São Joaquim da Barra SP
PSOL
Aracaju SE
Lorim
da Valéria
branca
Titia
Chiba
negra
PDT
Pontal SP
PSB
Pompeu MG
Duda
Salabert
branca
PDT
Belo
Horizonte MG
MDB
Patrocínio Paulista SP
Dandara
negra
Paulette
Blue
branca
PSDB
Bom
Repouso MG
Partidos com candidatas eleitas
1
PT 4
MDB 4
PL
DEM
PTB
PSB
AVANTE
PSOL 6
PDT 4
REP
PV
PSDB
PROS
DC
PODE 2
fonte antra
Número de pessoas trans eleitas para as Câmaras Municipais quase quadruplicou este ano
Pelo menos 7 mulheres trans e travestis foram as mais votadas em suas cidades
30 trans eleitas
13
negras
17
brancas
7 mais votadas
nas suas cidades, sendo
2 em capitais
As mais votadas
Linda
Brasil
branca
Duda
Salabert
branca
PDT
Belo
Horizonte MG
PSOL
Aracaju SE
Paulette
Blue
branca
PSDB
Bom
Repouso MG
Titia
Chiba
negra
PSB
Pompeu
MG
Lorim
da Valéria
branca
MDB
Patrocínio
Paulista SP
PDT
Pontal
SP
Dandara
negra
Tieta
Melo
branca
PSOL
São Joaquim
da Barra SP
fonte antra
Quem são as pessoas trans eleitas?
A identidade de gênero dos eleitos, assim como das candidaturas, foram em sua maioria femininas. Foram eleitos, pelo menos, 28 travestis e mulheres trans e 2 homens trans. O único homem trans eleito em uma capital brasileira foi Thammy Miranda (PL/SP), ator e filho da cantora Gretchen, que recebeu mais de 43.321 votos e ficou conhecido nacionalmente após estrelar uma campanha do Dia dos Pais da marca Natura. A capital paulistana foi a única que elegeu duas pessoas trans: além de Thammy, Erika Hilton (PSOL/SP) foi a mulher mais votada na cidade.
Das 30 pessoas trans eleitas para a vereança, 57% são pessoas brancas e 43% pessoas negras. Para obter os dados referentes a cor/raça, foram analisado os dados disponibilizados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). No caso da vereadora eleita Linda Brasil (PSOL/SP), que é identificada como amarela nos registros do TSE, a vereadora informou que não tem descendência asiática e que não informou corretamente sua raça, branca, na ocasião da inscrição da candidatura.
Das 294 candidaturas trans nas eleições municipais de 2020, quase 40% concorreram por partidos de direita, como já mostramos em reportagem da Gênero e Número. No entanto, 53% das eleitas são de esquerda. O PSOL foi o partido com mais candidaturas trans eleitas (6), e São Paulo, o estado que mais as elegeu (16), seguido de Minas Gerais (4) e Rio Grande do Sul (3). Os eleitos se concentram em nove estados. Além disso, quatro pessoas trans eleitas fazem parte de mandatos coletivos.
“Nós estamos muito felizes e extremamente satisfeitas em saber que a luta que começamos lá atrás, em 1992, quando se funda a primeira instituição trans do Brasil que luta por direitos políticos, está dando esses frutos maravilhosos de uma coletividade potente, articulada e organizada para fazer uma outra história. Para fazer uma história de vida e não mais uma história de morte”, comemora Benevides.
Ineditismo e desafios
A ativista Lins Roballo (PT/RS) coleciona ineditismo nestas eleições. Foi eleita a primeira trans/travesti, a primeira vereadora negra e a única mulher em São Borja, no Rio Grande do Sul. Das 15 cadeiras da Câmara Municipal da cidade, somente uma será ocupada por uma mulher, que é trans e negra. “Fiquei muito feliz, grata e emocionado pelo eleitorado ter compreendido nossas preposições e ter escolhido nosso projeto para o próximo mandato”, diz Roballo.
Apesar de toda repercussão e visibilidade positiva de sua eleição, Roballo também tem que lidar com ataques. “Algumas pessoas conservadoras do município têm dito e publicado que não foi eleita nenhuma mulher, mas a cadeira vai ser ocupada por uma mulher trans. Uma cadeira e mandato que vão trazer as pautas das mulheres, da diversidade de gênero e sexual. Eu sei que tem acontecido alguns ataques devido à militância forte do município. Temos feito mapeamento desses ataques para compor um processo por LGBTfobia contra a candidatura”.
Ser a primeira e única nesse espaço institucional pode trazer desafios, e Roballo garante estar preparada para lidar com eles. Segundo a vereadora eleita, vai ser um desafio, mas não vai ser nada que não teremos vivenciado em outros momentos. “O movimento Girassol, que faço parte, existe há 13 anos, e fazemos articulações políticas de tomadas de decisão em conjunto com a gestão pública. Nesse momento, vamos ocupar um lugar na política que nos dá mais potência e relevância. E entramos porque sabíamos que seria uma batalha necessária para ter mais espaço e voz nas tomadas de decisão”, destaca.
A mestra em educação Linda Brasil não será a única mulher na Câmara Municipal de Aracaju, que conta com mais três vereadoras. Um avanço ainda tímido, já que os homens ocupam as outras 17 cadeiras, mas importante, visto que em 2016 só foi eleita uma mulher. “É um desafio muito grande, mas vamos com a perspectiva de dialogar e levar as nossas pautas. Pelo lado positivo, somente o fato de ter quatro mulheres, e mulheres como eu, já ajuda a levar a desconstrução dessa visão estereotipada sobre política, forjada em uma visão patriarcal O resultado desta eleição já foi um avanço”, finaliza.
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É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.
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