Nos primeiros seis meses da nova Legislatura, a maior bancada de deputadas da história da Câmara dos Deputados (77 parlamentares) assinou 511 projetos de lei submetidos à Casa. Mas entre todos estes projetos, somente 39 olharam especificamente para os direitos das mulheres. A área mais contemplada foi “Política e administração pública”, com 111 propostas. São textos que se interseccionam com outras áreas, como educação, saúde e segurança. Em relação à violência, focam em punição e deixam de lado a prevenção. Ainda há aqueles que visam acabar com conquistas adquiridas, como o direito ao aborto legal.
O levantamento da Gênero e Número avaliou os projetos de lei criados por mulheres desde o início da legislatura até o dia 16 de julho, véspera do recesso parlamentar. Os textos foram classificados de acordo com os temas já previamente decididos pela Câmara: política e administração pública; direitos humanos; saúde; educação; cultura e esportes; segurança; trabalho e previdência; consumidor; economia; meio ambiente e energia; cidades e transportes; agropecuária; relações exteriores e ciência. Um projeto de lei pode ser classificado em mais de uma área.
Todos os projetos encontrados pela Gênero e Número que discutem os direitos das mulheres foram classificados na área de Direitos Humanos, podendo ou não se relacionarem com outras áreas. Um exemplo é o PL 3695/2019, da deputada Marília Arraes (PT/PE), que também incluído nas áreas de trabalho e previdência. O objetivo é aumentar a estabilidade das mulheres após a licença-maternidade para, no mínimo, seis meses. Há ainda outros três projetos de lei que versam diretamente sobre os direitos da mulher no trabalho: 173/2019, 1943/2019 e 3792/2019.
A análise dos projetos apresentados por parlamentares da bancada feminina mostra que, diante do todo, ainda há uma disparidade entre propostas que tratam de outros temas e aquelas que incidem diretamente na vida das mulheres. As únicas áreas menos contempladas que os direitos das mulheres foram cidades e transportes, agropecuária, relações exteriores e ciência. Há um deserto em relação a estes temas.
A deputada Rosa Neide (PT/MT) apresentou cinco propostas que tratam sobre direitos da mulher. Em entrevista à Gênero e Número, ela explica que o principal meio de formatar suas propostas é em contato com movimentos da sociedade civil.
“Ouvir os coletivos é fonte segura para que possa encaminhar projetos que sejam úteis a partir da visão de quem está na ponta, que é vítima. São grupos que ouvem e acolhem as mulheres vítimas. Eles são muito importantes para que as proposições atuais e as novas ganhem corpo a partir da realidade”, explica.
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Entre os projetos de direitos da mulher relacionados à segurança, imperam aqueles que visam punir o agressor em casos de violência doméstica, aumentando sua pena ou fixando um maior valor de fiança, por exemplo. Mas há uma superficialidade quando olhamos para as medidas de prevenção. Apenas dois projetos propostos por mulheres pretendem levar o conhecimento da Lei Maria da Penha para as escolas de todo o Brasil: 1447/2019, de Rose Modesto (PSDB/MS), e 852/2019, de Sâmia Bonfim (PSOL/SP). Esta é uma das medidas mais fortes no campo da prevenção. A ínfima quantidade de propostas federais segue a tendência das leis já sancionadas nos estados. Dados do Mapa da Violência de Gênero mostram que apenas 20% das leis estaduais sobre violência doméstica propõem medidas de prevenção.
Rosa Neide analisa que atuar nas duas frentes é importante. Para ela, os projetos têm que olhar para a questão conceitual, mas jamais deixar de olhar para a violência enquanto não houver mudança estrutural na sociedade: “Apesar da legislação vigente, como a Maria da Penha, ainda não temos o completo controle da ideia de que o homem não pode tratar a mulher como objeto, que pode agredi-la e ameaçá-la. Isso ainda é muito forte”.
Priscilla Brito, assessora técnica do CFemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria), explica que a dificuldade em ampliação das leis federais que tratam de prevenção está relacionada com a articulação com os Executivos estaduais e até municipais.
“O que se propõe muito é iniciativa em escolas, formação de professores, sensibilização de alunos. E esta é uma seara que depende dos executivos municipais e estaduais, responsáveis pela educação básica. Então fica mais difícil legislar sobre isso, porque fere um pouco a atribuição do Legislativo federal”, explica Brito. Ela acrescenta: “A gente não tem, no Executivo, um plano de enfrentamento à violência a pleno vapor, com adesão dos estados. Já tivemos [Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência, criado 2007, e esvaziado a partir do governo de Michel Temer] e, apesar de deficitário, era o que tornava possível agir na prevenção. A ação do Legislativo é propor, mas o escopo da ação é resolvido no Executivo. Em âmbito federal, é mais fácil legislar sobre a punição para a violência”.