Prestação de contas das campanhas 2018 revela baixa prioridade dos partidos para impulsionar mulheres negras
Análise da distribuição do Fundo Eleitoral entre os quatro maiores partidos mostra que candidatas brancas receberam cerca de 76% dos recursos destinados às mulheres; Pretas e pardas foram quase 40% do total de candidaturas, mas ficaram com apenas 24% dessa verba
Por Flávia Bozza Martins, Maria Martha Bruno e Marília Ferrari*
Os partidos que mais receberam recursos do Fundo Especial do Financiamento de Campanha (FEFC) distribuíram o dinheiro de maneira desigual entre candidatas pretas, pardas e brancas nas eleições de 2018. Levantamento da Gênero e Número realizado junto ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), após o prazo final para a prestação de contas do primeiro turno (terminado em 6 de novembro), mostra que as 480 candidatas brancas do MDB, PT, PSDB e PP receberam R$ 130,5 milhões para suas campanhas. Enquanto isso, as 122 candidatas pretas e as 211 pardas dessas mesmas legendas contaram com R$ 8,3 milhões e R$ 34 milhões respectivamente. Isso mostra que a média de recursos destinados a pretas (R$ 68 mil) e pardas (R$ 161 mil) fica bem aquém daquela para mulheres brancas (R$ 271 mil).
A prestação de contas mostra ainda que, embora o número de mulheres pretas e pardas represente quase 40% total de candidaturas nos maiores partidos, elas obtiveram apenas 24% dos recursos. O montante de R$ 1,7 bilhão do FEFC (conhecido como Fundo Eleitoral) foi aprovado pelo Congresso Nacional em outubro de 2017, na minirreforma eleitoral que proibiu a doação de empresas para candidaturas. O Fundo, abastecido com recursos públicos, funcionou como uma espécie de compensação para as quantias milionárias recebidas pelos partidos em outras eleições e proibidas a partir de 2018.
Legenda que mais recebeu recursos do Fundo Eleitoral, o MDB gastou R$13,69 milhões com candidatas negras (pretas e pardas). Em seguida vem o PT, que distribuiu R$ 11,13 milhões para elas, e o PSDB, com R$ 10,71 milhões. Já o PP ficou com R$ 6,75 milhões e é também o partido com o menor número de candidatas negras entre os quatro: apenas 39 em todo o país.
Partidos e suas prioridades
Além de chamar atenção para o sistemático desequilíbrio em favor das brancas entre todas as legendas analisadas, a cientista política e professora da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro) Clara Araújo destaca que as pardas têm “um equilíbrio pouco maior entre todos os partidos, porém ainda desfavorável”. Ela ressalta que no caso do PT, onde há menos disparidade na distribuição de recursos que entre outros partidos, as pardas receberam apenas 14% das verbas.
Araújo observa para além dos números e avalia que as prioridades eleitorais de cada legenda também ajudam a explicar a distribuição de recursos: “Esses dados ajudam a refletir sobre a presença de pretas e pardas em espaços importantes como a política. Se esses recursos são distribuídos de acordo com a prioridade do partido, é porque elas em geral não aparecem entre as prioridades. Isso é o mais relevante”. Alguns casos são excepcionais, como os R$ 1,02 milhão encaminhados à campanha de Benedita da Silva (PT), deputada federal preta pelo Rio de Janeiro. O valor representa cerca de 1/5 do total distribuído entre as 80 candidatas pretas do partido no país. Liderança importante da legenda em âmbito nacional, Benedita foi reeleita para seu quarto mandato, e já foi senadora, vice-governadora, governadora e ministra – da Secretaria Especial de Trabalho e Assistência Social, no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006).
Apesar da desigualdade na distribuição do Fundo Eleitoral e de, em geral, não aparecerem como prioridades dos partidos, o número de pretas e pardas eleitas vai aumentar na Câmara Federal de dez para 13, a partir de 2019. Na campanha, segundo o TSE, o número de candidatas que se autodeclaram pretas subiu 70% em comparação com as eleições de 2014: de 679 para 1.153. Já o aumento de candidatas pardas foi de 23%: de 2.328 para 2.862. No total, a proporção de mulheres negras se manteve relativamente estável entre as últimas eleições (13% das candidatas em 2014 e 14% em 2018). Mas como pretas e pardas representam são de 27% da população brasileira, o número de candidatas continuou aquém da representatividade.
Todos os quatro partidos analisados nesta matéria foram contactados inúmeras vezes pela Gênero e Número para comentar sobre seus critérios de distribuição, mas nenhum deles se manifestou.
*Flávia Bozza Martins é analista de dados, Maria Martha Bruno é subeditora e Marília Ferraz é infografista da Gênero e Número.
É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.
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