Desde que a Lei Maria da Penha foi promulgada em 2006, a produção de dados estatísticos e de estudos sobre a violência doméstica contra a mulher passou a ser uma recomendação legal. Fala-se inclusive na criação de um Sistema Nacional de Dados sobre o tema. Dez anos depois, ainda não temos acesso a informações sistematizadas e atualizadas para entender o quadro das agressões contra as mulheres em todo o país.
Nesta edição, a Gênero e Número mergulhou no emaranhado das precárias e esparsas estatísticas de violência contra a mulher, especialmente de violência doméstica e familiar. A via crucis pelos dados oficiais passou pelo Ministério da Justiça, pela Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, pelo Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde e pelo Conselho Nacional de Justiça.
Em seu artigo 38, a Lei Maria da Penha define que “as Secretarias de Segurança Pública dos Estados e do Distrito Federal poderão remeter suas informações criminais para a base de dados do Ministério da Justiça”. Contudo, esses dados não estão disponíveis de forma consolidada no órgão.
Enviamos um pedido de acesso à informação para este Ministério e obtivemos como resposta que “a Lei Maria da Penha não gera obrigatoriedade aos Estados de informar seus dados ao Ministério da Justiça”. Ou seja, quem desejar saber quantos registros de violência contra a mulher foram feitos nos últimos anos precisa buscar os números em cada uma das secretarias de segurança estaduais.
Já a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), responsável pelos dados da Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180, não disponibiliza dados brutos e abertos do serviço. Criado na esteira da Maria da Penha, ele poderia ser uma importante fonte de informações para subsidiar diferentes pesquisas e análises. O que há, contudo, são apenas balanços de alguns períodos em arquivos PDF. Graças à Lei de Acesso à Informação, os dados brutos de 2014 e 2015 foram disponibilizados. Mas as inconsistências das bases – com campos idênticos em colunas distintas, classificações dúbias dos atendimentos, registros incompletos dos estados – as coloca em xeque como subsídio válido para formulação de políticas públicas.
Para buscar os processos judiciais referentes à Lei Maria da Penha recorremos ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em um acordo de cooperação técnica com o Ministério da Justiça, a SPM e o Fórum Nacional de Juízes de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, o colegiado previu a produção de estatísticas e a divulgação dos dados referentes a essa legislação. Nunca saiu do papel. O que há de mais atualizado data de 2013, a publicação do CNJ “O Poder Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha”, que apresenta números do Judiciário referentes aos cinco primeiros anos da lei.
No Ministério da Saúde é possível consultar a base de dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN), que traz as notificações de casos de violência doméstica. Os dados brutos, contudo, não estão disponíveis para download em formato aberto. E, apesar de constar no sistema, o banco de dados de 2015 não está atualizado, permitindo qualquer análise apenas até 2014.
O diagnóstico mais preciso que se pode tirar dos dados: infelizmente eles ainda são insuficientes para orientar os gestores na construção de melhores políticas de enfrentamento ao cenário de agressões domésticas. Ainda assim, esforços contínuos de busca por esses dados – como fazem entidades como a Agência Patrícia Galvão ou Séries históricas incompletas, coleta de informações pouco precisa ou não padronizada entre diferentes instituições, fontes pulverizadas. Indicadores da precariedade dos dados e do descaso com que o tema é tratado.