Quem se surpreendeu com o resultado das eleições municipais pelo Brasil porque esperava maior número de mulheres eleitas estava otimista demais ou um tanto desatento/a às notícias. Como a Gênero e Número apontou em reportagens recentes, nem mesmo as medidas afirmativas aprovadas e mudanças feitas na legislação para impulsionar a representatividade do gênero feminino na política, como a Lei de Cotas – que estabelece proporção mínima e máxima de candidatura por gênero a cada pleito nos partidos – vêm conseguindo impacto necessário para se avançar com alguma agilidade rumo a um cenário mais equânime. A discussão que agora abrimos, nesta terceira edição da revista, que trata mais uma vez de gênero e política, não está no quão lento ou difícil é avançar com esses números tão representativos da democracia, mas nos espaços que parecem já ter sido conquistados pelas mulheres e que, quando analisados com lupa e com apuração jornalística rigorosa, são identificados como espaços ainda dominados pelos homens.
No conteúdo de destaque desta edição, Partidos recorrem a candidatas “fantasmas” para preencher cota de 30% para mulheres, mostramos o que são e quantas são, no Brasil, essas candidaturas. Se os 32,5% de candidatas contabilizadas pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) na corrida eleitoral deste ano já pareciam pouco, sem maquiagem a assimetria é ainda maior. Nessa reportagem, mostramos como as mulheres ocupam (ou não) os diretórios dos partidos brasileiros. Analisamos as cinco maiores siglas e adiantamos aqui que elas não estão satisfeitas. A Secretária Nacional de Mulheres do PT, Laisy Moriére, fala sobre o assunto na entrevista especial desta edição. Mesmo sendo do partido que tem menor diferença entre presença feminina e masculina, ela aponta que ainda há muitas evidências de desigualdade além dos números.
Não é coincidência, diante desse cenário geral que continua desfavorável para elas, que 15 das 26 capitais brasileiras tenham registrado, após as essas eleições, retração na quantidade de mulheres eleitas para as câmaras municipais. Há quem levante a hipótese do “efeito impeachment”, como pode ser lido na reportagem “Em 2017, maioria das capitais do Brasil terá esvaziamento de vereadoras nas Câmaras”. Mas há questões estruturais pré-impeachment que já impediam avanços muito antes de a ex-presidenta Dilma Rousseff enfrentar uma forte tentativa de desqualificação pelos adversários, como também aponta o texto. A reportagem também traz, numa visualização interativa, as variações de cada capital.
Outros dados levantados distantes das bases do TSE, mas não menos importantes nas eleições e no dia a dia da política, dizem respeito à presença da mulher na mídia. Se perfis nas redes sociais se encarregam de julgamentos diários e violentos, direcionados a personagens específicos do jogo político, como mostramos na edição passada, a mídia mainstream costura a narrativa sobre mulheres deixando-as quase sempre num lugar secundário. O vídeo Jornalismo político tem gênero? mostra números sobre a baixa exposição delas nos noticiários e a manutenção de estereótipos nas imagens que compõem as narrativas
O que fazer para romper com essa realidade assimétrica na política? Os países latino-americanos têm algumas experiências bem-sucedidas com mudanças de legislação, como mostra a reportagem Mesmo depois de “boom” de presidentas, América Latina não tem ⅓ de representatividade feminina. É possível dizer que todos os que se aproximaram da equidade de gênero nos parlamentos aprovaram, anteriormente, leis bastante afirmativas. Há razão para acreditar que com o seu histórico de formação nacional classista e machista o Brasil vá conseguir avançar de forma diferente da dos vizinhos? No caminho que percorremos para construir essa terceira edição, não encontramos nenhuma pista que aponte para o “sim”. Mais reformas na legislação, além das que já foram feitas por aqui, se desenham como via necessária.
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Giulliana Bianconi, Maria Lutterbach e Natália Mazotte