Projetos de lei ameaçam agricultura familiar na merenda escolar
Governo federal anunciou reajustes no orçamento do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), mas propostas legislativas podem desconfigurar programa
Mudanças anunciadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva podem influenciar a política de alimentação escolar. O novo governo reestruturou as equipes do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e atualizou o orçamento do programa, de R$ 4 bilhões para R$ 5,5 bilhões, o que não acontecia desde 2017. Com o reajuste, o valor per capita passou de R$ 0,32 por estudante da Educação de Jovens e Adultos (EJA) para R$ 0,41.
Se no Executivo Federal há perspectivas de ações para fortalecer as compras da agricultura familiar, no Legislativo a realidade é bem diferente. Projetos de lei em ambas casas preveem reserva de mercado no PNAE, o que pode desconfigurar a alimentação de estudantes do Brasil inteiro.
Da forma como está hoje, o cardápio da merenda escolar pode se adequar aos alimentos típicos de cada região, cultivados em diversas épocas do ano. Com a criação da reserva de mercado, parte do cardápio seria definido pelo Congresso Nacional.
No Senado Federal, o PL 3292/20, do major Vitor Hugo (PSL/GO), prevê uma cota de 40% de leite fluído na merenda escolar e retira a prioridade de assentados, indígenas e quilombolas nas vendas da agricultura familiar. O projeto está aguardando apreciação.
Já o PL 4195/12, do deputado Federal Afonso Hamm (PP/RS), introduz a carne suína no cardápio escolar. Enquanto o PL 524/15, do Senador Ronaldo Caiado (DEM/GO), cria cotas para carne, leite e outros itens da ovinocaprinocultura.
O Pnae facilita o reconhecimento da produção e o acesso das mulheres à autonomia econômica | Foto: Xirumba
Caso aprovados, os projetos poderiam deixar de fora do PNAE pequenas agricultoras familiares que não produzem leite fluído, carne suína ou produtos da ovinocaprinocultura. Outro problema é que, historicamente, indígenas, negros, mulheres e assentados da reforma agrária não têm acesso aos mercados institucionais. A retirada da prioridade dada a esse público no PNAE pode trazer retrocessos.
O deputado federal e coordenador do Núcleo Agrário do PT, João Daniel (PT/SE), afirma que a criação de reserva de mercado no PNAE abre um precedente perigoso. Segundo ele, essa mudança poderia tornar o PNAE vulnerável aos interesses e lobbies da indústria de alimentos. Esses setores entendem o programa como um canal de escoamento de seus produtos e, ao contrário de pequenas produtoras, possuem estrutura para atender a essa demanda.
“Vamos trabalhar pela manutenção da Lei como foi formulada e discutir com os movimentos ligados aos trabalhadores do campo e da educação, no sentido de valorizar cada vez mais o PNAE, pela sua importância na alimentação dos estudantes e o fortalecimento da agricultura familiar”, afirma João Daniel, que confirma que essa é a estratégia política do Núcleo Agrário, responsável por acompanhar os rumos no PNAE no Congresso Nacional.
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Jornalista formada pela Universidade Joaquim Nabuco (PE) com 25 anos de experiência em assessoria de comunicação e reportagem nas áreas de direitos humanos, gênero e meio ambiente. É da equipe Inclusão e Diversidade do Colabora – jornalismo sustentável, e já assinou matérias em veículos como o O Joio e o Trigo, Gênero e Número, Marco Zero Conteúdo, ((o)) Eco e Saiba Mais e assinou reportagens para o The Brazilian Report nas eleições 2022. Venceu o edital “Primeira Infância e a cobertura das eleições”, realizado pelos veículos Nós, Mulheres da Periferia, Alma Preta Jornalismo, Amazônia Real e Marco Zero Conteúdo, com o apoio da Fundação Maria Cecília Souto Vidigal. Já recebeu o Prêmio Sassá de Direitos Humanos, além de ser premiada por As Amazonas, Abraji e pela Embaixada dos Estados Unidos com o podcast “Cidadãs das Águas”, no curso Podcast: o seu conteúdo para o mundo.
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