A iniciativa TRETAqui, canal desenvolvido com o objetivo de facilitar a denúncia de discurso de ódio utilizado por alguma candidatura ou sendo usado para atacá-las, teve 564 denúncias cadastradas durante as eleições gerais de 2018. Um relatório descritivo sobre as denúncias na plataforma foi enviado como contribuição para a Missão de Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA) no Brasil.
Através de uma chamada para organizações da sociedade civil, o TRETAqui contribuiu com os dados da iniciativa como forma de contextualizar as eleições deste ano. Segundo Evorah Cardoso, uma das gestoras da plataforma, os sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos são fundamentais para assegurá-los, especialmente de forma complementar ao âmbito doméstico: “Quando percebemos um bloqueio das instituições internas para tratar determinados temas, recorrer e colaborar com os relatórios de monitoramento dos sistemas internacionais é uma forma de buscar pressão internacional”, disse à Gênero e Número. Outra possibilidade de contribuição do relatório da plataforma para a OEA, segundo ela, é de ajudar a construir parâmetros protetivos de direitos humanos para esses sistemas internacionais.
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O TRETAqui é uma iniciativa que surgiu de uma parceria estabelecida entre nove entidades da sociedade civil brasileira: Coding Rights, Beta, Vote LGBT, #MeRepresenta, Fundação Cidadania Inteligente, Rede Feminista de Juristas, Gênero e Número, Umunna e InternetLab. Estas organizações trabalham com temas de representatividade política de mulheres, pessoas negras, LGBTs, participação cidadã e direitos humanos nos meios digitais. De forma anônima, as pessoas puderam denunciar na plataforma discursos de ódio utilizado por alguma candidatura para se promover ou discurso de ódio usado para atacar alguma candidatura. Após registradas, as denúncias eram encaminhadas ao Ministério Público Federal e o denunciante receberam um protocolo para acompanhar a análise do seu caso pelo MPF.
“Quando os candidatos começam a se valer de discurso de ódio e discriminatório como estratégia de marketing político, consideramos que não deveria ser visto nem como liberdade de expressão ou imunidade parlamentar. Mas isso é um grande desafio, porque a Justiça costuma ser bastante permissiva em relação aos parlamentares”, avalia Cardoso.
Lançada em 19 de setembro, a iniciativa teve 564 denúncias cadastradas até o fim do segundo turno. Muitos dos usuários da plataforma, no entanto, encaminharam denúncias referentes a declarações dos candidatos anteriores ao período eleitoral. Das cadastradas, foram 145 denúncias referentes a cinco partidos políticos: PR, PDT, PSL, PTC e PROS. O PSL de Jair Bolsonaro, presidente eleito do Brasil, é o partido com mais candidaturas denunciadas.
As denúncias foram classificadas a partir de categorias referentes ao tipo de violência ou ofensa: apologia e incitação a crimes contra a vida, discriminação contra as mulheres, LGBTfobia, incitação à violência física, racismo, invasão de conta de email ou redes sociais e intolerância religiosa. Também foram divididas entre violências que constituíam um ataque a uma candidatura ou um ataque de uma candidatura contra um grupo ou pessoa.
Alexandre Frota (PSL/SP), deputado federal eleito no dia 7 de outubro, foi denunciado duas vezes na plataforma, por misoginia e LGBTfobia. No dia 18 de setembro de 2018, Frota fez, no Twitter, uma referência transfóbica a Thammy Miranda, filho transgênero da cantora Gretchen. No mesmo dia, Frota fez um post no Facebook com imagens de uma peça de campanha da então candidata a deputada federal Sâmia Bonfim (PSOL/SP), hoje deputada eleita, e se referiu a ela como “lixinho do Psol” e às apoiadoras dela como “meia dúzia de suvacos peludos, virilhas não depiladas”.
Dois presidenciáveis também foram alvos de denúncias na plataforma. Durante visita de Ciro Gomes a Boa Vista, capital de Roraima, em 15 de setembro, o então candidato à Presidência Ciro Gomes (PDT) foi acusado de ter empurrado o jornalista Luiz Nicolas Maciel Petri. Já Jair Bolsonaro fez um discurso em Gameleira, no Acre, no qual incitou violência contra apoiadores do PT no Acre: “vamos fuzilar a petralhada”, disse o presidente eleito.
Flávio Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro, filhos de Jair, do mesmo partido do pai e eleitos senador pelo Rio de Janeiro e deputado federal por São Paulo, respectivamente, foram denunciados na plataforma por misoginia e violação do devido processo legal e presunção de inocência.
Para Evorah Cardoso, existe uma associação entre discurso de ódio proferido por candidatos e políticos e casos de violência como os registrados nas últimas semanas e perpetrados majoritariamente contra mulheres, pessoas LGBT+ e militantes de esquerda por parte de apoiadores de Bolsonaro, conforme reportado pela Agência Pública. Por isso, diz Cardoso, “precisamos documentar não só as denúncias e encaminhá-las, mas também os tipos de respostas da Justiça. Onde esses casos param? Temos que entender quais são os gargalos para a compreensão de que esse tipo de postura é inaceitável e deveria responsabilizar os seus autores, sejam políticos ou não.”
*Vitória Régia da Silva é jornalista e colaboradora da Gênero e Número