Entre as ativistas negras, 29% das mulheres que ainda pensam em se candidatar afirmam não estar filiadas a nenhum partido |Foto: Divulgação

Pesquisa revela que 25% de ativistas negras consideram se candidatar a cargo público nas eleições municipais de 2020

Estudo inédito realizado pelo Movimento Mulheres Negras Decidem em parceria com o Instituto Marielle Franco aponta que pandemia pode dificultar o ingresso de mulheres negras na política institucional

Por Vitória Régia da Silva*

Vitória Régia da Silva

  • Dificuldades de filiação

    ver mais
  • Mulheres negras na política

    ver mais

Em meio a incertezas quanto às eleições de 2020, devido à pandemia de coronavírus, ativistas negras  apontam o cenário eleitoral como uma perspectiva de futuro que está sendo construída por mulheres de diversas regiões do país. Isso é o que aponta a pesquisa inédita “Para Onde Vamos?”, realizada pelo Movimento Mulheres Negras Decidem em parceria com o Instituto Marielle Franco. A pesquisa, que ouviu 245 ativistas negras entre  24 de abril e 29 de maio, cria um retrato do ativismo feminino negro no Brasil. Dividido em três blocos: (1) de onde partimos?, (2) como estamos atuando? e (3) para onde vamos, o estudo identifica quais são as principais estratégias e soluções que o ativismo de mulheres negras traz para o país e para a saída da pandemia.

Os efeitos da covid-19 e a necessidade do engajamento para conter o avanço da doença entre a população mais vulnerável influenciaram na pesquisa. Se, antes da pandemia, 29% das ativistas negras entrevistadas consideravam se candidatar, esse número caiu para 25% depois. “Uma diferença de 4 pontos percentuais parece pequena à primeira vista, mas é importante considerar que ela reflete um agravamento de um cenário que já era bastante crítico. 62% das ativistas que responderam à pesquisa afirmaram atuar diretamente em alguma ação de combate à covid-19 e seus impactos. Estamos falando de mulheres que tiveram de escolher entre garantir o mínimo de assistência às suas comunidades ou seguir construindo suas campanhas”, destaca Tainah Pereira, internacionalista e politóloga, articuladora política do movimento Mulheres Negras Decidem.

ler Leia também: “O coronavírus não tem nada de democrático. Ele tem ‘preferências’, e os negros são um dos grupos preferidos dele”

200618_ASSINE_bannerNesta terça-feira, 23, o Senado aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de adiamento das eleições municipais em dois turnos. Inicialmente marcadas para 4 de outubro (1º turno) e 25 de outubro (2º turno), passariam para 15 e 29 de novembro, respectivamente. Com a previsão das eleições ainda para este ano, fica garantido o período dos atuais mandatos. A matéria segue agora para análise da Câmara dos Deputados.

Para Pereira, existe uma incerteza gerada pela pandemia, e até mesmo o risco de que pré-candidatas sejam multadas por seu trabalho comunitário de contenção dos efeitos do avanço da doença. Além disso, destaca que eventuais mudanças estruturais no sistema eleitoral podem dificultar ainda mais o ingresso de mulheres negras na política institucional.

“Por outro lado, à luz dos movimentos crescentes em defesa das vidas de pessoas negras, abriu-se uma nova janela de oportunidade para trazer de volta à superfície do debate público o racismo estrutural. Trata-se de tema cuja superação é indispensável para o avanço do projeto de democracia elaborado pelo movimento de mulheres negras brasileiro ao longo das últimas décadas”, afirma a internacionalista.

ler Leia também: “Derrotar o fascismo é uma das etapas para derrotar o racismo”

Dificuldades de filiação

Segundo a pesquisa, 29% das mulheres que ainda pensam em se candidatar afirmam não estar filiadas a nenhum partido. Ser filiada a um partido político é a primeira das obrigatoriedades que uma candidata deve cumprir para participar de um pleito eleitoral no país. Como mostra o estudo, estereótipos, estruturas partidárias, baixo financiamento e violência afastam muitas ativistas negras da possibilidade de usarem da arena eleitoral.

“Esse é outro dado importante e que reflete um movimento já observado anteriormente de decréscimo nas filiações partidárias. Sem dúvida, por conta da crise generalizada de confiança nas instituições e dos entraves à entrada de mulheres negras na política institucional”, destaca Pereira. “Por outro lado, o relatório aponta para um outro fenômeno interessante: o aumento de filiações nas cidades do interior. Nesse ponto, parece haver uma predisposição maior em integrar um partido se naquela localidade não existe ainda tanta rigidez nos processos internos, o que possibilita uma atuação mais autônoma e inovadora dessas mulheres negras”.

De acordo com a pesquisa, mais da metade (54%) das mulheres que estão atuando no contexto da covid-19 e não moram na capital estão filiadas a um partido político; essa porcentagem cai para 25% nas capitais. Em relação às regiões, o Centro-Oeste lidera o percentual de filiadas com 46%, seguido pelo Sudeste (37%), Nordeste (29%), Sul (25%) e Norte (17%).

Mulheres negras na política

A participação de mulheres negras ativistas em processos eleitorais não é uma novidade. Ainda segundo a pesquisa, 26% das entrevistadas já trabalharam em campanhas de forma voluntária, 9% trabalharam de forma remunerada e 13% já foram candidatas.

“Com o passar dos anos, à medida em que cada vez mais mulheres se identificam como negras e este grupo torna-se o maior grupo demográfico brasileiro, aumentam também a percepção sobre a lacuna entre demografia e representação nas instâncias de decisão e a urgência em adotar medidas que deem conta de resolver a questão. Nos pleitos de 2016 e 2018 já era possível identificar essa tendência política e eleitoral de aumento de candidaturas de mulheres negras, o que se intensifica com o trágico assassinato de Marielle Franco”, pontua a articuladora política do movimento Mulheres Negras Decidem.

Apesar da sub-representação de mulheres na política, a pesquisa evidencia que quase metade das ativistas negras (48%) já esteve envolvida no cenário eleitoral como candidata ou articuladora e  74% das mulheres negras ativistas entrevistadas fazem parte de alguma organização, movimento ou coletivo político ou social, o que mostra organização e atuação política dessas ativistas.

ler Leia também: Ausência de dados raciais compromete combate à covid-19 nas periferias

Pereira lembra que  precisamos olhar para os dados. Não se deve ignorar que as mulheres negras são 28% da população brasileira, sendo o maior grupo demográfico no país e também o que mais cresce, mas representam apenas 3% das parlamentares.

“Acreditar e construir com mulheres negras é o passo seguinte. Investir, recursos financeiros inclusive, em candidaturas de mulheres negras é fundamental para a superação da sub-representação. Com mais mulheres negras no poder, nos aproximamos de um projeto de democracia verdadeiramente inclusivo e centrado em resolver as questões estruturais que retardam o avanço do país. O futuro que queremos passa, necessariamente, pelas mãos de mulheres negras”, finaliza.

*Vitória Régia da Silva é repórter da Gênero e Número

Vitória Régia da Silva

É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.

Se você chegou até aqui, apoie nosso trabalho.

Você é fundamental para seguirmos com o nosso trabalho, produzindo o jornalismo urgente que fazemos, que revela, com análises, dados e contexto, as questões críticas das desigualdades de raça e de gênero no país.

Somos jornalistas, designers, cientistas de dados e pesquisadoras que produzem informação de qualidade para embasar discursos de mudança. São muitos padrões e estereótipos que precisam ser desnaturalizados.

A Gênero e Número é uma empresa social sem fins lucrativos que não coleta seus dados, não vende anúncio para garantir independência editorial e não atende a interesses de grandes empresas de mídia.

Quero apoiar ver mais