A ministra da ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, participa do lançamento da campanha para detecção precoce do câncer de mama
Pouco dinheiro gasto por ministério de Damares em 2020 impacta mulheres e LGBT+ e gera temor sobre futuro da pasta
Apesar de muitas divulgações, Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos efetivamente gastou pouco mais da metade do orçamento total em 2020; especialistas analisam que a longo prazo políticas e orçamento destinado à pasta podem ser esvaziados
Logo no início deste ano, a ministra Damares Alves foi ao Twitter comemorar: em uma imagem em que se vê o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) apontando para o céu, como forma de agradecimento, lê-se que a pasta comandada por ela, a da Mulher, Família e Direitos Humanos, executou 98% do orçamento para 2020. “Vamos avançar também nas pautas de valores, bem como nas pautas conservadoras, defendendo os direitos humanos para todos”, diz a legenda. Mas um fato que não consta na comunicação é que este valor ainda não foi gasto.
O índice de 98% do orçamento executado se refere aos R$ 617 milhões empenhados, que são os valores comprometidos, mas não efetivamente gastos. O montante pago a fornecedores, com entrega e trabalho finalizado, foi de R$ 333 milhões. Os dados são do Portal da Transparência do Governo Federal e se referem a todos os meses de 2020 e podem ser acessados por qualquer cidadão. O valor pago a fornecedores consta já na página inicial, e o detalhamento do que foi gasto e empenhado está disponível via download de arquivos mensais.
A área que recebeu mais dinheiro do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos foi a proteção a idosos. Um total de R$ 160 milhões, retirados do plano orçamentário da covid-19, foram repassados à Fundação Banco do Brasil (FBB), organização parceira do ministério para distribuir o valor a Instituições de Longa Permanência de Idosos em todo o Brasil. De acordo com a FBB, 2.118 instituições de todo o Brasil receberam e receberão o montante de acordo com a quantidade de idosos que abriga. O valor per capita é de R$ 2.321,80. Este repasse emergencial foi definido na lei 14.018/2020.
Este dinheiro pago é o carro-chefe das divulgações de Damares e do ministério. Mas há outras áreas de atuação que não receberam atenção da ministra em 2020. Os direitos das mulheres, por exemplo, foram escanteados. Apesar de a divulgação no site oficial da pasta apontar um investimento de mais de R$ 106 milhões em políticas para mulheres, o dinheiro efetivamente gasto foi muito menor: R$ 2 milhões. Para a Casa da Mulher Brasileira, ao longo do ano, o ministério gastou somente R$ 66 mil. Empenhados, foram cerca de R$ 61 milhões.
Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos gastou 53% do orçamento em 2020
Políticas para mulheres e de juventude tiveram muito dinheiro empenhado, mas pouco gasto
valores com maiores empenhos
ESCALA
!
0 – 180 milhões
valor empenhado
valor gasto
Diferença entre o valor empenhado e gasto
recebido pelo fornecedor do serviço
reservado para fazer um pagamento específico
Idosos
2%
Administrativo/legal
22,2%
Direitos para todos
88,4%
Direitos das mulheres
97,3%
Proteção e direitos humanos
52,8%
Ligue 180
25,1%
Juventude
99,1%
180
0
20
40
60
80
100
120
140
160
milhões
valores com empenho
menor do que 2 milhões
ESCALA
!
0 – 2 milhões
0
1
2
milhões
Pessoas com deficiência
4%
LGBT+
Nenhum valor foi gasto
População de rua
Nenhum valor foi gasto
Capacitação interna
46,7%
Emendas
Nenhum valor foi gasto
Igualdade racial
80,4%
Anistia política/Combate à tortura
19,1%
Trabalho escravo
Nenhum valor foi gasto
fonte Portal da Transparência
Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos gastou 53% do orçamento em 2020
Políticas para mulheres e de juventude tiveram muito dinheiro empenhado, mas pouco gasto
valores com maiores empenhos
ESCALA
!
0 – 180 milhões
valor empenhado
reservado para fazer um pagamento específico
valor gasto
recebido pelo fornecedor do serviço
Diferença entre o valor empenhado e gasto
Idosos
2%
Administrativo/legal
22,2%
Direitos para todos
88,4%
Direitos das mulheres
97,3%
Proteção e direitos humanos
52,8%
Ligue 180
25,1%
Juventude
99,1%
20
40
60
80
100
120
140
160
180
0
milhões
ESCALA
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0 – 2 milhões
valores com empenho
menor do que 2 milhões
0
1
2
milhões
Pessoas com deficiência
4%
LGBT+
Nenhum valor foi gasto
População de rua
Nenhum valor foi gasto
Capacitação interna
46,7%
Emendas
Nenhum valor foi gasto
Igualdade racial
80,4%
Anistia política/Combate à tortura
19,1%
Trabalho escravo
Nenhum valor foi gasto
fonte Portal da Transparência
Impacto na ponta
Jeane Xaud, defensora pública em Boa Vista (RR), trabalha há 11 anos com atendimento de mulheres vítimas de violência e foi uma das profissionais do grupo gestor que acompanhou a criação da Casa da Mulher Brasileira na cidade. Por acompanhar de perto o efeito positivo do equipamento, lamenta que não seja uma política disponível para mais mulheres no Brasil.
“É uma política fundamental, basicamente de saúde pública, porque ela encontra todos os elementos de acolhimento para uma mulher: jurídico, psicológico, policial, defensoria pública. A maioria dos estados não tem sequer uma Casa, e alguns que têm viram ela se transformar num elefante branco”, analisa.
Para Xaud, a baixa execução orçamentária do governo para políticas relacionadas à mulher em 2020 é um reflexo do que vem acontecendo desde o início, e um indicativo simples, mas indispensável, é o desmonte do Ministério dedicado às mulheres. “Não há qualquer investimento, e desde o início já mostraram que não haveria preocupação com os direitos das mulheres”.
A defensora avalia que também há foco em políticas que não têm efeito na prática: “Esse governo agora se apropria da pauta feminista, da pauta da violência contra mulheres, mas para incentivar projetos de lei punitivistas, o que sabemos que não é o remédio, que não soluciona a violência. A solução vem da rede de atendimento, da educação”.
Outro grupo que foi esquecido pelo orçamento do MMFDH em 2020 foi o LGBT+. Não há nenhum gasto direto com essa parcela da população em 2020, apesar dos cerca de R$ 800 mil empenhados, e o ano marcado pela pandemia revelou ainda mais a necessidade de políticas direcionadas. Para Léo Ribas, ativista do movimento LGBT+, a falta de diálogo do governo com os movimentos sociais organizados é um dos motivos para essa execução nula: “A partir do momento que você não dialoga, não tem como promover políticas porque você não sabe as demandas reais. Esse governo não sabe nossas demandas reais”.
Ribas atualmente é articuladora da Liga Brasileira de Lésbicas no Paraná e da Rede Nacional de Ativistas e Pesquisadoras Lésbicas e Bissexuais. Antes, foi conselheira nacional do Conselho Nacional Combate a Discriminação LGBT nos governos Lula e Dilma, ambos do PT. Ela avalia que há uma situação de “mãos atadas” para o atual conselho.
“Não há vontade do governo de fazer algo para essa população a partir do momento que o presidente minimiza as questões LGBT+. A partir do momento que a maior autoridade do país tem essas falas preconceituosas, discriminatórias, que expõem LGBT+s, há anuência para que outras pessoas exponham de forma explícita também”.
Questionada sobre o que poderia ter sido feito pelo Governo Federal num contexto pandêmico, a ativista revela assuntos-chave de proteção a LGBT+s que fizeram falta. A falta, como costuma acontecer, foi suprida por ativistas e grupos de articulação de direitos, para tentar conter os efeitos da pandemia para essa parte da população.
“Há um grave problema de saúde mental. Nós, que estamos na ponta, vimos isso de uma forma muito forte. Já vivemos à margem das políticas públicas, mas já que estamos numa pandemia, deveria haver amparo para renda e investimento em casas de acolhimento. Muitos LGBT+s trabalham como profissionais do sexo e foram diretamente afetados financeiramente. Sem contar quem vive em situação de rua. Ou seja, muitos recursos poderiam ser destinados corretamente”, explica.
Outros grupos
Programas com alto investimento foram o Ligue 180 e o Disque 100, que recebem denúncias de violações de direitos humanos por diversos canais e, mais recentemente, pelo WhatsApp. Foram cerca de R$ 61 milhões empenhados e R$ 19 milhões gastos.
Ganha destaque também o valor gasto com a proteção a adolescentes e crianças ameaçados de morte, cerca de R$ 12 milhões. Para o programa de proteção à testemunha, mais R$ 8 milhões. Estes são programas mais essenciais e difíceis de serem interrompidos.
Não há políticas específicas direcionadas à população negra ou indígena. O valor total aproximado gasto com o funcionamento dos conselhos relacionados foi R$ 65 mil. Já o valor empenhado foi um pouco mais, cerca de R$ 335 mil.
Em resposta aos questionamentos da Gênero e Número, o MMFDH afirmou que o dinheiro foi, sim, executado, mas não explica o motivo do alto valor empenhado face ao baixo valor gasto. Foram enviados também textos de divulgação publicados no site.
Para Léo Ribas, o empenho do dinheiro não pode ser comemorado: “Podem empenhar, mas se não houver um projeto claro, esse dinheiro não vai para lugar algum. Corremos o risco de, a cada ano, termos menos dinheiro disponível para mulheres, LGBT+ e negros”. Em nota, o MMFDH reafirma que o repasse foi feito de forma efetiva.
Os dados que guiaram esta reportagem podem ser baixados aqui.
Formada pela PUC-Rio, foi fellow 2021 do programa Dart Center for Journalism & Trauma, da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia. Escreveu o manual de "Boas Práticas na Cobertura da Violência Contra a Mulher", publicado em Universa. Já passou por Gênero e Número, HuffPost Brasil, Record TV e Portal R7.
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