Olimpíada de Tóquio traz recorde de atletas LGBT+, com ineditismo de pessoas trans
Em meio a polêmicas sobre a participação de pessoas trans, Quinn e Laurel Hubbard são as primeiras a disputar os Jogos. Reserva da equipe de ciclismo dos EUA, Chelsea Wolfe também pode fazer história
Apesar de todas as restrições, a Olimpíada de Tóquio será diversa. Segundo o site outsports, pelo menos 142 atletas LGBT+ estarão nos Jogos, um recorde. Esse número é mais do que o dobro de 2016, quando 56 atletas que se assumiram publicamente LGBT+ competiram. Em Londres-2012, foram 23. Ainda de acordo com o site, em Tóquio eles representam 25 países em 26 esportes. Curiosamente, não há um único atleta assumidamente LGBT+ na delegação japonesa.
No país de 126 milhões de habitantes, o casamento entre pessoas do mesmo gênero não é legalizado e há pouca proteção contra a discriminação no local de trabalho ou em público. A lei japonesa também exige que transgêneros sejam esterilizados cirurgicamente se quiserem o reconhecimento legal de sua identidade de gênero.
São três atletas trans em Tóquio, mas provavelmente só duas efetivamente disputarão suas provas. Aatleta neozelandesa Laurel Hubbard, que compete na categoria acima de 87 kg do levantamento de peso feminino, vai fazer história como a primeira atleta trans que passou por processo de terapia hormonal a competir em uma Olimpíada. Já a canadense Quinn, da seleção de futebol, declara-se trans não-binária. Chelsea Wolfe, do ciclismo BMX, é reserva na equipe americana.
A confirmação do nome da neozelandesa de 43 anos nos Jogos gerou um debate acirrado, levando uma de suas concorrentes a chamar a decisão de “piada de mau gosto”. Presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach afirma que a classificação dela ocorreu dentro das regras. Segundo ele, “é um tema que envolve medicina e direitos humanos, mas finalmente chegamos a um conjunto de regras para determinar uma solução. E essas regras têm que validar uma competição justa”.
Um dos argumentos de quem é contra a presença de atletas trans competindo com mulheres cis é de que seu corpo é fisiologicamente um corpo masculino, guarda essa “memória” e isso traria vantagens, o que não é consenso entre especialistas.
Segundo as novas regras do COI, mulheres trans devem permanecer ao menos um ano com os níveis de testosterona dentro de um limite estabelecido pela entidade. Só depois desse período elas se tornam aptas a participar das disputas; esse limite também precisa ser obedecido durante todo o período de competições, sob pena de suspensão
A endocrinologista Elaine Maria Frade Costa, médica supervisora de equipe técnica e chefe da Unidade de Endocrinologia do Desenvolvimento do Serviço de Endocrinologia do Hospital das Clínicas de São Paulo, com mais de dez anos de experiência em terapia hormonal para pessoas trans, destaca que não é possível definir uma regra nem afirmar que existe ou não uma vantagem de atletas trans em comparação com atletas cis, devido à ausência de estudos nesse grupo específico.
“A reposição hormonal altera composições corporais e no caso de pessoas trans em comparação com pessoas cis certamente vai ter algum impacto. O impacto vai depender de vários fatores como a quantidade de hormônio, o tempo de uso, se a puberdade foi compatível com o sexo biológico ou não. Além disso, a memória muscular é muito discutida. Ninguém sabe ao certo se uma mulher trans vai ter uma capacidade melhor de ganhar músculo que uma mulher cis”, destaca.
Costa exemplica que uma mulher trans que começou a fazer a reposição hormonal antes de alcançar a puberdade, quando chegar à vida adulta terá um corpo muito semelhante a de mulheres cis. Se essa mesma mulher trans começou a reposição após a puberdade, essa semelhança vai depender de diversos fatores como tempo de uso, consistência, tipo e quantidade de hormônio.
É um avanço o COI ter tirado a obrigatoriedade das cirurgias de redesignação genital, mas as diretrizes ainda estão atreladas aos corpos cisgêneros, sem o entendimento do corpo trans como ele é, e não como se fosse uma ‘gambiarra’ do corpo cigênero” - Leonardo Peçanha, professor de Educação Física
Esse debate chegou também ao legislativo brasileiro. Desde 2019, foram apresentados pelo menos 18 projetos de lei que buscam impedir a presença de pessoas trans no esporte com a definição de que apenas o sexo biológico seja o único critério utilizado em competições esportivas, sendo sete na Câmara dos Deputados e 11 nas Assembleias Legislativas, segundo mapeamento da Agência Lupa divulgado em junho.
Enquanto a maior parte dos projetos seguem esse teor, o Projeto de Lei Ordinária 1555/2020, apresentado pelo deputado Cabo Gilberto Silva (PSL/PB), foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, mas recebeu emendas que inverteram o seu propósito. Agora, o projeto passou a permitir a participação de atletas transexuais com a exigência de uma declaração da identidade de gênero e manutenção dos níveis de testosterona de acordo com os parâmetros definidos pelo COI.
Segundo Leonardo Peçanha, professor de Educação Física, especialista em Gênero e Sexualidade (IMS/UERJ) e Coordenador de Políticas LGBTI+ no Feminismo Negro no Esporte, um dos argumentos usados para barrar a presença de pessoas trans no esporte é a naturalização do discurso de ódio, revestido por uma suposta preocupação em proteger as mulheres cis. “Existe uma gama de obrigações que as mulheres trans têm que seguir para competir, mas ainda existe uma transfobia institucional. É um avanço o COI ter tirado a obrigatoriedade das cirurgias de redesignação genital, mas as diretrizes ainda estão atreladas aos corpos cisgêneros, sem o entendimento do corpo trans como ele é, e não como se fosse uma ‘gambiarra’ do corpo cigênero”, pontua.
No Brasil, a jogadora de vôlei Tifanny também passa por questionamentos na quadra e fora dela. Técnico da seleção brasileira, José Roberto Guimarães disse, no ano passado, que ela tem capacidade técnica para ser convocada, mas é necessária uma orientação mais clara da Federação Internacional de Vôlei, que ainda não ocorreu.
Atletas LGBT+ nas Olimpíadas
Os Jogos de Tóquio têm um número maior de atletas LGBT+ do que as últimas competições juntas
2012
23
LONDRES
2016
56
rio
2021
142
tóquio
fonte OutSports
Atletas LGBT+ nas Olimpíadas
Os Jogos de Tóquio têm um número maior de atletas LGBT+ do que as últimas competições juntas
2012
23
LONDRES
2016
56
rio
142
2021
tóquio
fonte OutSports
Atletas LGBT+s ganham espaço nas Olimpíadas
Barreiras para mulheres e atletas trans ainda existem, mas representatividade aumenta nas últimas décadas
Primeiro Gay Games
1992
A primeira edição do evento desportivo aconteceu em São Francisco (EUA) e contou com 17 esportes, 12 nações e 1350 participantes.
1996
Testes de Feminilidade
e Intersexualidade
Duas atletas brasileiras enfrentaram dificuldades quanto a suas elegibilidades na categoria feminina para as edições dos Jogos de Atlanta 1996 e Sydney 2000: Edinanci Silva, do judô, e Erika Coimbra, do voleibol. Para participar, as atletas tiveram que se submeter a processos cirúrgicos e de medicalização.
2010
Primeira Pride House
Nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Inverno de 2010, em Vancouver e Whistler (Canadá), foi instalada a primeira Pride House (Casa do Orgulho), local temporário dedicado à comunidade LGBT+, voluntários e visitantes de Olimpíadas, Paraolimpíadas ou outro evento esportivo internacional.
Novas Diretrizes
2015
Comitê Olímpico Internacional publica novas diretrizes para atletas trans e mulheres com hiperandrogenia (excesso de testosterona). A partir de então, o processo de redesignação sexual não estava mais entre as exigências; o nível de testosterona sanguíneo passou a ser o principal delimitador.
Olimpíada da Diversidade
2016
Jogos Olímpicos Rio 2016 batem recorde de participação de atletas homossexuais brasileiros. Por outro lado, as demais letras da sigla LGBTQIAP+ continuam sem participação declarada. No mesmo ano, é criado o primeiro time de futebol amador de homens trans do Brasil, o Meninos Bons de Bola.
2021
Record de atletas LGBT+
São 142 atletas LGBT+ nas Olimpíadas de Tóquio, o que representa um número maior que o dobro de 2016, quando 56 atletas que se assumiram publicamente LGBT+ competiram. Em Londres, em 2012, foram 23.
fonte OutSports
Atletas LGBT+s ganham espaço nas Olimpíadas
Barreiras para mulheres e atletas trans ainda existem, mas representatividade aumenta nas últimas décadas
1992
Primeiro Gay Games
A primeira edição do evento desportivo aconteceu em São Francisco (EUA) e contou com 17 esportes, 12 nações e 1350 participantes.
1996
Testes de Feminilidade
e Intersexualidade
Duas atletas brasileiras enfrentaram dificuldades quanto a suas elegibilidades na categoria feminina para as edições dos Jogos de Atlanta 1996 e Sydney 2000: Edinanci Silva, do judô, e Erika Coimbra, do voleibol. Para participar, as atletas tiveram que se submeter a processos cirúrgicos e de medicalização.
2010
Primeira Pride House
Nos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de Inverno de 2010, em Vancouver e Whistler (Canadá), foi instalada a primeira Pride House (Casa do Orgulho), local temporário dedicado à comunidade LGBT+, voluntários e visitantes de Olimpíadas, Paraolimpíadas ou outro evento esportivo internacional.
2015
Novas Diretrizes
Comitê Olímpico Internacional publica novas diretrizes para atletas trans e mulheres com hiperandrogenia (excesso de testosterona). A partir de então, o processo de redesignação sexual não estava mais entre as exigências; o nível de testosterona sanguíneo passou a ser o principal delimitador.
2016
Olimpíada da Diversidade
Jogos Olímpicos Rio 2016 batem recorde de participação de atletas homossexuais brasileiros. Por outro lado, as demais letras da sigla LGBTQIAP+ continuam sem participação declarada. No mesmo ano, é criado o primeiro time de futebol amador de homens trans do Brasil, o Meninos Bons de Bola.
2021
Record de
atletas LGBT+
São 142 atletas LGBT+ nas Olimpíadas de Tóquio, o que representa um número maior que o dobro de 2016, quando 56 atletas que se assumiram publicamente LGBT+ competiram. Em Londres, em 2012, foram 23.
fonte OutSports
Modelo binário e pessoas não-binárias
Meio-campo da seleção de futebol canadense, Quinn foi a primeira pessoa transgênero não-binária a participar dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Camisa 5 da seleção feminina, estreou no jogo Japão x Canadá na quarta (21). Quinn revelou publicamente ser uma pessoa transgênero não binária em setembro do ano passado, em um post no Instagram. Não-binário é um termo que engloba todas as identidades que não se enquadram completamente nas definições de homem e mulher. Pessoas não-binárias também são pessoas trans porque não são do gênero que foram designadas ao nascer.
Segundo Leonardo Peçanha, a presença de Quinn nas Olimpíadas é muito positiva, traz visibilidade para o grupo e é uma forma de tensionar a binariedade do esporte. “O fato de Quinn estar na categoria feminina é uma estratégia e também uma denúncia de como o esporte é binário. Sua presença mostra como pessoas não-binárias precisam optar por estar em um espaços femininos ou masculinos, devido à separação do esporte”.
É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É gerente de jornalismo e vice-presidente da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de seis anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.
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