A escritora e ativista Helena Vieira é de São Paulo, mas é pelo Ceará que ela disputa uma cadeira na Câmara dos Deputados nas próximas eleições. A pré-candidata a deputada federal pelo PSOL disse a Gênero e Número que considera o Estado onde vive há cinco anos seu novo local de nascimento. “Foi aqui que eu comecei minha transição de gênero, então sempre penso que eu, como Helena, nasci no Ceará. Se houvesse a possibilidade de retificar nome, sexo e regionalidade [no registro civil], eu poderia colocar nascida no Estado do Ceará, porque foi aqui que eu me senti livre pra ser quem eu sou”, afirmou.
Foi lá também que Vieira passou a se dedicar ao ativismo LGBT+, algo muito ligado à sua vivência como travesti/mulher trans – ela reivindica as duas identidades. Ela hoje vive em Fortaleza e trabalha como assessora do deputado estadual Renato Roseno (PSOL), e tem levado propostas voltadas à população LGBT+ à Assembleia Legislativa do Ceará. Uma delas é o projeto 119/17, apresentado por Roseno e em tramitação na casa, que estabelece a inclusão de “orientação sexual”, “identidade de gênero” e “nome social” nos boletins de ocorrência e termos circunstanciados emitidos por autoridades policiais no Estado. “A gente vive um problema no movimento T que é não ter informação, não ter estatística, e sem isso não se formula política pública”, afirma.
Em 2018, ela lança sua primeira candidatura a um cargo eletivo com o objetivo de levar sua luta por direitos humanos ao Congresso Nacional. Saiba mais sobre as propostas de Helena Vieira:
1. Transbordar as fronteiras identitárias
“Sou uma mulher trans, mas isso não é tudo o que eu sou”, disse Vieira, para quem sua candidatura já é um enfrentamento ao conservadorismo que tem se fortalecido no país nos últimos anos. Mas é preciso um enfrentamento qualificado, “para desmistificar o estigma sobre a população trans e travesti de que nós não sabemos fazer política”, acredita. Vieira desafia o senso comum de que “mulheres e LGBTs são aqueles que só podem falar sobre si e sobre suas questões” e que coloca os homens como detentores da palavra nos temas “universais” da política. “Os homens não fazem política falando sobre o que é ser homem. Eles fazem política falando sobre economia, o mundo, sobre o que é universal. Fica parecendo que o universal é um território do masculino. Não é”, lembra a candidata. “Não vou abandonar aquilo que marca meu corpo, minha transexualidade. Mas digo sempre que essa é uma candidatura para transbordar minha identidade.”
2. Reabilitar a política e democratizar o poder
Esse transbordamento está nos quatro eixos que orientam sua candidatura. Para o primeiro deles, o combate ao conservadorismo, Vieira pretende fazer uma campanha para reabilitar a política junto à população. Ela identifica “um sentimento de desesperança muito grande com a política, de que a política não presta, é suja e não é mais capaz de resolver os problemas humanos”. “Grandes ondas conservadoras tendem a surgir em períodos de crise política e econômica, porque as pessoas perdem a esperança na possibilidade de futuro e tentam conservar aquilo que elas acreditam que é bom. Propostas de retorno à ditadura, de caminhar para o autoritarismo aparecem porque parece que o ethos democrático não foi capaz de solucionar os problemas humanos.”
Para confrontar este sentimento, a pré-candidata acredita que é importante aprofundar a participação política para além do voto e democratizar o poder, segundo eixo de sua campanha. “Pretendo fazer um mandato que tenha como um de seus eixos a proposição de métodos de participação política, de e-government, de democracia direta, de aumento de transparência do Estado. Acredito que as pessoas precisam participar da política e das decisões e a pouca participação é que faz com que as pessoas deixem de acreditar na democracia.”
Vieira ao lado dos companheiros do PSOL Renato Roseno, Jean Wyllys e Cecília Feitosa. (Arquivo pessoal)
3. Combate às desigualdades sociais
“Não é possível uma democracia com o abismo entre pobres e ricos que existe no Brasil”, disse Vieira, salientando que este abismo e as desigualdades sociais que emanam dele restringem a cidadania a grupos minoritários no país. “Não é aceitável isso e não é possível uma democracia em que a cidadania permanece restrita. Então políticas de combate à desigualdade precisam ser centrais.” Suas propostas, porém, passam longe do desenvolvimentismo a todo custo – especialmente o ambiental. “A gente precisa de formas de desenvolvimento, de garantir renda e trabalho que não agridam o ambiente e não coloquem em risco o desenvolvimento nosso como humanidade. Penso em propor possibilidades de geração de renda no âmbito da economia solidária e do cooperativismo”, afirmou. Além disso, Vieira apoia a ampliação dos direitos sociais – entre os quais estão o direito de cada cidadão brasileiro a educação, saúde, trabalho e moradia – com a defesa e o fortalecimento de programas sociais como o Bolsa Família e o microcrédito para trabalhadores rurais.
4. Novo modelo de segurança pública
O quarto eixo estruturante da candidatura de Vieira é a necessidade de pensar um novo modelo de segurança pública, tanto nacional como para o Ceará. Ela cita o recorde de homicídios registrados em 2017 no Estado – 5.134, média de 14 assassinatos por dia – e a tendência de aumento da violência observada em 2018. “Isso tem a ver com uma política equivocada de segurança pública, que não pensa na humanização do policial, na prevenção do homicídio”, afirma. A estratégia de segurança pública no país e no Estado, avalia ela, “é sempre uma resposta ao homicídio, e uma resposta muito negativa, sempre prisional. O Brasil é o terceiro país com maior população carcerária no mundo. Se a gente prende tanto e ainda assim a violência segue índices crescentes, é sinal de que prender não é saída para resolver a violência.”
A proposta de Vieira é um modelo de segurança que passa pela descriminalização e regulamentação das drogas, pela prevenção de homicídios e até pela regulação midiática – programas policiais sensacionalistas “incitam a violência”, acredita.
5. Direitos das pessoas LGBT+
Vieira diz que os direitos das pessoas LGBT+ são transversais a todos os eixos de sua campanha, e que o combate à violência contra pessoas trans vai além da criminalização da transfobia. “É preciso construir políticas de redução das vulnerabilidades sociais mais amplas, como a baixa escolaridade, a baixa empregabilidade e a ausência de renda.” Essas vulnerabilidades se somam à violência de gênero e tornam pessoas trans, especialmente travestis, um “grupo muito mais matável” – ela observa que travestis negras e pobres são as principais vítimas de assassinatos motivados por transfobia no Brasil. “Além de ser um corpo sexo-divergente, dissidente, é também um corpo matável no sentido racial, social e econômico”, afirma. “É preciso que o Estado aja na eliminação dessas vulnerabilidades, para impedir que as mortes aconteçam.”
Carolina de Assis é uma jornalista e pesquisadora brasileira que vive em Juiz de Fora (MG). É mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda). Trabalhou como editora na revista digital Gênero e Número e se interessa especialmente por iniciativas jornalísticas que promovam os direitos humanos e a justiça de gênero.
Se você chegou até aqui, apoie nosso trabalho.
Você é fundamental para seguirmos com o nosso trabalho, produzindo o jornalismo urgente que fazemos, que revela, com análises, dados e contexto, as questões críticas das desigualdades de raça e de gênero no país.
Somos jornalistas, designers, cientistas de dados e pesquisadoras que produzem informação de qualidade para embasar discursos de mudança. São muitos padrões e estereótipos que precisam ser desnaturalizados.
A Gênero e Número é uma empresa social sem fins lucrativos que não coleta seus dados, não vende anúncio para garantir independência editorial e não atende a interesses de grandes empresas de mídia.