Mônica Francisco, candidata a deputada estadual no Rio de Janeiro, quer política coletiva e com afeto. | Foto: Paula Cosenza / Divulgação

NOVOS NOMES: “É impossível um projeto de sociedade que em 2018 ainda seja feito por homens brancos”, diz Mônica Francisco

A newsletter Política 2018 traz a cada edição quinzenal o perfil de uma mulher que disputará as eleições pela primeira vez em outubro

Por Carolina de Assis*

Carolina de Assis

  • 1. Mulheres negras no poder

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  • 2. As principais pautas de Mônica como candidata

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  • 3. A valorização da economia solidária

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  • 4. Evangélica antifundamentalista pelo direito ao aborto

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  • 5. O impacto de Marielle Franco

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“Nos tiraram tanto, que perdemos o medo.” Essa frase é o mote da campanha da carioca Mônica Francisco, candidata a deputada estadual no Rio de Janeiro pelo PSOL. Ela diz que a frase está na fachada da Câmara dos Vereadores do Rio, onde trabalhou como assessora da vereadora Marielle Franco, assassinada no dia 14 de março em um crime ainda impune. A frase “dá conta da realidade histórica da população negra e pobre brasileira”, disse Mônica à Gênero e Número. “A gente sempre foi expropriada de tudo: da saúde, da educação, da cultura e da vida. É sempre a gente que perde: a vida, o filho, o companheiro, a liberdade, a sanidade. Somos uma população que historicamente e constantemente é alvo de perdas. Então, nos tiraram tanto, que perdemos o medo.”

Em 2018, depois de décadas de atuação em movimentos sociais, Mônica se lança sem medo à disputa por uma vaga na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Às eleitoras e eleitores, ela se apresenta como “cientista social, cria do Borel [favela no Rio de Janeiro], ativista de direitos humanos, militante do movimento de economia solidária e do movimento de democratização da informação e fundadora de rádios comunitárias”. Ela pretende levar sua experiência de vida, de militância e como assessora parlamentar para a Alerj e falou com a Gênero e Número sobre suas pautas e seu objetivo de construir uma política com afeto e coletiva, “de construção com os movimentos sociais e com a periferia, mas majoritariamente com as mulheres e as mulheres negras”.

Leia a seguir trechos da entrevista.

1. Mulheres negras no poder

“Estou candidata porque entendo a importância de mulheres, principalmente mulheres negras, construírem projetos de lei e de políticas públicas que deem conta da experiência de vida delas. É impossível um projeto de sociedade que em 2018, no século 21, ainda seja feito por homens brancos, das camadas médias e altas, e que não chega e não se efetiva para a maioria da população brasileira, que está na base da pirâmide, no centro das opressões. Então trago a experiência não só a representatividade, mas a necessidade de que se tenha essa marca da presença das mulheres negras na produção de políticas públicas, não só para as mulheres negras, porque elas, estando no centro de todas as opressões históricas, têm a possibilidade de fazer disso um mirante, de produzir projetos para toda a sociedade. Então por isso me candidato, entendendo a urgência desse processo.”

2. As principais pautas de Mônica como candidata

“Minhas principais pautas são a questão do trabalho e da renda, muito na perspectiva da economia solidária e criativa, com a criação do centro de referência de economia solidária, que é uma luta histórica, um centro de comercialização não só do município do Rio de Janeiro, mas da Baixada e da Zona Oeste; a saúde da mulher negra, e aí a questão do orçamento é fundamental, então intensificar e garantir a presença das mulheres negras no orçamento do Estado para a efetivação de políticas públicas de saúde, principalmente; a pauta das favelas e das periferias, a pauta da negritude, muito na perspectiva da cultura, entendendo a importância do fomento à cultura e dos coletivos de cultura da Zona Oeste e da Baixada, principalmente no que se refere a editais e apoio público; e o fortalecimento da comunicação popular, que precisa ser alvo de políticas públicas e ter fomento público, por exemplo com a veiculação de propaganda pública nos meios de comunicação comunitária, como jornais e rádios.”

Mônica Francisco: "a diversidade deve ser respeitada, assim como todos os credos e religiões, e também os que não acreditam"| Foto: Divulgação

3. A valorização da economia solidária

“Há uma série de arranjos produtivos no Estado do Rio de Janeiro, como catadores de produtos recicláveis, agricultura urbana, redes de artesanato e circuitos de feiras que precisam ser fomentados, como o circuito Rio EcoSol, o circuito da Baixada, a rede de artesanato de Queimados. Isso é fundamental no ambiente de crise econômica e fiscal do Estado, onde esses arranjos acontecem e têm mantido famílias. Estamos falando de uma interseção inclusive com o turismo e com a segurança pública. A economia criativa é atuante, é pujante, e tem um PIB que circula e que vem mantendo muitas famílias e, de alguma forma, o Estado. Não é a solução, mas é uma ferramenta para o enfrentamento ao desemprego, porque é uma alternativa de geração e distribuição de renda.

O trabalhador da economia solidária não é informal. Estamos falando de cooperativas populares, de outra forma de produzir e comercializar. A agricultura urbana, por exemplo, não é informal. Ela precisa de política pública para ser fomentada. Não estamos falando de informalidade, mas de outra forma de produzir, comercializar e se relacionar com a produção.”

4. Evangélica antifundamentalista pelo direito ao aborto

“A gente não pode generalizar os evangélicos como todas as pessoas que difundem um discurso de ódio contra a diversidade das orientações sexuais, das identidades de gênero, e pelo racismo religioso, principalmente contra as religiões de matriz africana, mas entender a importância da igreja como potência e agência na implementação da justiça social e na denúncia das injustiças. Nesse sentido, somos antifundamentalistas: entendemos que a diversidade deve ser respeitada, assim como todos os credos e religiões, e também os que não acreditam. E defendemos o Estado laico.

É importante que a gente dispute as narrativas e faça entender que as mulheres fazem aborto, inclusive as mulheres que estão na igreja. Muitas delas fizeram um aborto ilegal, tantas mulheres ainda vêm morrendo por causa de abortos ilegais. Entender que esse é um assunto de saúde pública e não moral, um assunto que vitima e vitima principalmente mulheres como as que frequentam minha igreja, negras, pobres, que não têm vontade de abortar, mas que vão abortar porque estão em um momento de desespero, de dificuldade, de abandono. É um diálogo difícil, mas temos que enfrentar porque é uma questão de defesa da vida das mulheres.”

5. O impacto de Marielle Franco

“Fui convidada por Marielle para compor o mandato na equipe de favelas, a princípio, por conta da minha trajetória e militância. Também compunha a equipe de atendimento da Comissão da Mulher, da qual Marielle era presidenta, e tocava o grupo de trabalho da Frente Parlamentar da Economia Solidária, da qual Marielle também era presidenta. Também compunha o grupo de trabalho da Frente para a Redução de Homicídios, da qual Marielle era vice-presidenta, e no início de março passei a compor o grupo de trabalho da equipe que ia produzir o relatório da comissão de monitoramento da intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro no âmbito do município, da qual Marielle era relatora. Eu acompanhava o tema junto à Defensoria Pública, com a Comissão Popular da Verdade, e acompanhava os trabalhos da Federação das Associações de Favelas do Estado do Rio de Janeiro (FAFERJ), e também junto ao Observatório da Intervenção Militar do Cesec, da Universidade Cândido Mendes.

O impacto da experiência foi o que me encantava na própria vigência do mandato, que era eu, oriunda e orgânica de movimentos sociais, trabalhar em um mandato que tinha uma proximidade muito forte e construía muito de perto com os movimentos sociais. Minha candidatura, enquanto figura pública, política, institucional, minha chegada neste lugar, é uma construção da própria Marielle. E isso impacta diretamente naquilo que eu penso que é o nosso legado, da Marielle, das mulheres negras, a que a gente pretende dar continuidade.”

*Carolina de Assis é jornalista e editora da Gênero e Número.

Mais sobre Política 2018: https://www.generonumero.media/politica-2018/

Contato: https://www.generonumero.media/contato/

Carolina de Assis

Carolina de Assis é uma jornalista e pesquisadora brasileira que vive em Juiz de Fora (MG). É mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda). Trabalhou como editora na revista digital Gênero e Número e se interessa especialmente por iniciativas jornalísticas que promovam os direitos humanos e a justiça de gênero.

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