Mulheres em ato contra Jair Bolsonaro na Cinelândia |Foto: Ian de Farias/Mídia NINJA

Na multidão de mulheres contra Bolsonaro, indecisas se dizem influenciadas pelo grande ato feminino

Mulheres que ainda não decidiram o voto presidencial do próximo domingo são pelo menos 19 milhões, de acordo com Ibope; parte delas esteve nas ruas, contra Bolsonaro, em atos que contaram com a participação de pessoas LGBT+ e homens que apoiam as reivindicações femininas

Por Maria Martha Bruno, Mirella Falcão, Nathane do Vale, Rosana Souza*

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Caminhando sozinha entre a multidão que lotou a Cinelândia, no centro do Rio de Janeiro, no sábado do primeiro grande ato das mulheres contra o candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PSL), a ambulante Wedresandra dos Santos, 18 anos, carregava um isopor pesado nos ombros e muitas dúvidas na cabeça. Prestes a dar seu primeiro voto, ela aposta no contato com o público para se decidir no próximo domingo: “Eu estou pesquisando. Como trabalho na rua, muita gente conversa comigo e até me pede voto”. Com dois adesivos com a icônica hashtag #Elenão no peito, ela só está convencida sobre em quem não votar: “A manifestação me influencia sim. As mulheres estão se juntando contra a opressão. Sei que não vou votar no Bolsonaro, mas não estou inclinada a votar em ninguém ainda.”

Os atos se espalharam e foram registrados em todas as capitais do Brasil, além do Distrito Federal. A Gênero e Número acompanhou as manifestações no Rio de Janeiro, em Porto Alegre, em Recife e em Manaus, e ouviu mulheres que, assim como Wedresandra, fazem parte da multidão de indecisas. As pesquisas e o voto pragmático, já de olho em quem teria mais chances de derrotar Bolsonaro no segundo turno, são aspectos importantes para boa parte delas.

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“O ato pode até influenciar meu voto, mas quero analisar as propostas dos candidatos durante a semana”

— Sebastiana Rosa, professora

De acordo com a pesquisa do Ibope divulgada em 26 de setembro, as indecisas representam 25% do eleitorado feminino, isto é, cerca de 19,3 milhões mulheres que pretendem anular, votar em branco ou que ainda não sabem em quem votar na eleição presidencial. Há quatro anos, levantamento do instituto divulgado na mesma época (a 12 dias do primeiro turno) mostrava que este percentual era de 13%.

Arte: Marília Ferraz/Gênero e Número

A professora de educação física Sebastiana Rosa, 43 anos, é uma das que pensam ainda na possibilidade de votar em branco. No último sábado, ela esperava um amigo que participaria do protesto. Moradora de Volta Redonda, a três horas da capital, ela foi correr uma maratona no Rio no final de semana e aproveitou para observar a movimentação, receosa de que houvesse alguma violência durante o protesto, que transcorreu sem qualquer incidente. “Eu adoro gente. Fico feliz de ver que as pessoas estão se manifestando sem agressividade. O ato pode até influenciar meu voto, mas quero analisar as propostas dos candidatos durante a semana”, disse.

Sebastiana Rosa ainda cogita votar em branco no domingo | Foto: Foto: Maria Martha Bruno/Gênero e Número

Em Recife, unanimidade no #EleNão e cálculos para a votação de domingo

Uma jovem com adesivo de Geraldo Alckmin sustentava o cartaz “Sou contra Bolsonaro e não sou do PT”. Ao lado dela, algumas mulheres vestidas de vermelho defendiam a candidatura de Fernando Haddad (PT), enquanto outras carregavam bandeiras a favor de Ciro Gomes (PDT). A escolha sobre o voto para presidente estava longe de ser unanimidade entre as mulheres que participaram do ato no Recife. Entre as 200 mil pessoas engajadas na manifestação, segundo estimativas das organizadoras, a única certeza era o “Ele Não”.

Apesar do protagonismo feminino, o ato que lotou a Praça do Derby e a Avenida Conde da Boa Vista, região central da cidade, também teve adesão de muitos homens, especialmente do movimento LGBT+. Candidatos a deputado também aproveitaram para fazer campanha no local, mas prevaleceu a proposta apartidária, sem discursos de políticos ou alusão aos presidenciáveis nos trios elétricos que conduziam a manifestação.

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“Estou em dúvida entre Ciro e Haddad. Vou acabar me decidindo não pelo plano de governo deles, mas pelas pesquisas de intenção de voto”

— Marcela Silva, estudante

A estudante Marcela Silva, 18 anos, saiu da cidade de Vitória de Santo Antão, na Zona da Mata, e viajou uma hora somente para participar da manifestação na capital. Preocupada com o segundo turno, ela avalia quem tem mais chances de ganhar de Bolsonaro. “Estou em dúvida entre Ciro e Haddad. Vou acabar me decidindo não pelo plano de governo deles, mas pelas pesquisas de intenção de voto.”

Marcela Silva, que viajou à capital para participar do ato, está em dúvida do seu voto | Foto: Mirella Falcão/Gênero e Número

A administradora Nataly Seabra, 21 anos, gostaria de votar em Guilherme Boulos (PSOL), mas resolveu optar pelo voto útil. “Não quero jogar o voto fora. Então, fico entre Ciro e Haddad”, confidenciou a jovem. Apesar das restrições ao candidato do PDT – “ele já fez alguns comentários homofóbicos” – ela está inclinada a votar nele: “Ciro tem mais probabilidade de vencer Bolsonaro no segundo turno, por causa do antipetismo (que pode levar eleitores a optarem pelo candidato do PSL para evitar uma vitória de Fernando Haddad]”.[

Em Porto Alegre, risco para a população negra é destacado por eleitora ainda indecisa

Assim como em Recife, o ato em Porto Alegre teve tom suprapartidário e abrigou, em meio a uma maioria de esquerda, indecisas que também consideravam candidatos do centro-direita, como Geraldo Alckmin (PSDB). Em sua primeira eleição, a estudante secundarista Laura Fortes, 16 anos, estava contra Jair Bolsonaro, mas também não queria votar por influência da maioria: “Preciso ter certeza do que estou fazendo. Quero escolher o que acho que vai ser o melhor candidato para o Brasil. Por enquanto minha inclinação é votar no Alckmin”.

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“O risco para nós, negros, é grande. Ele como presidente vai discriminar muito mais”

— Valdirene Pedroso, auxiliar de cozinha

Além do machismo, em Porto Alegre manifestantes também se posicionaram contra o candidato do PSL por questões raciais. A absolvição de Jair Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no processo por crime de racismo não fez as eleitoras se esquecerem de suas declarações racistas (ele foi processado por ter se referido ao peso de quilombolas por arrobas, medida usada para pesagem de animais). “O risco para nós, negros, é grande. Ele como presidente vai discriminar muito mais”, disse a auxiliar de cozinha Valdirene Pedroso, 43 anos. Saudosa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ela continua indecisa sobre em quem votar este ano: “Por mais que ele tenha roubado, fez muito pelo povo. Muitos pobres, negros, brancos estão cursando faculdade. Tudo isso foi o Lula que favoreceu”. O protesto, no Parque Farroupilha, reuniu cerca de 60 mil pessoas, de acordo com as organizadoras. A PM não deu estimativa de público.

Em Manaus, freiras dizem que Bolsonaro está distante dos princípios cristãos

Em Manaus, ato também foi suprapartidário e reuniu cerca de quatro mil pessoas| Foto: Rosana Souza/Gênero e Número

Em frente ao icônico Teatro Amazonas, em Manaus, a manifestação do movimento “Ele Não” reuniu cerca de quatro mil pessoas, segundo a Secretaria de Segurança Pública do Estado. Diversas causas uniram indecisas e decididas, como a defesa dos direitos LGBT+ e de valores religiosos que não se coadunam com o discurso extremista do candidato do PSL.

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“Ele é um extremista. Diz que defende a família, o cristianismo, mas alguém que fala das mulheres da forma como ele está distante dos princípios cristãos”

— Jane Cardoso, freira

Mãe e filha, Bárbara e Rosângela Brito foram protestar contra o discurso de ódio e as posições abertamente homofóbicas de Bolsonaro. “Minha filha é LGBT e sinto muito orgulho pela mulher em que ela se transformou. Não quero que ela nem seus amigos sejam podados”, disse Bárbara. Ambas estão indecisas sobre o voto em Ciro Gomes ou Fernando Haddad, também de olho nas pesquisas a fim de observar quem pode ter mais chances de derrotar o candidato de ultradireita no segundo turno.

Com grandes crucifixos prateados brilhando sobre a roupa, as freiras Jane e Alcinete Cardoso defendiam o repúdio à violência propagada por Bolsonaro. “Ele é um extremista. Diz que defende a família, o cristianismo, mas alguém que fala das mulheres da forma como ele está distante dos princípios cristãos”, afirmou irmã Jane.

Apreensiva às vésperas de sua estreia nas urnas, a estudante de 17 anos Karina Brandão estava na marcha com toda a família. “É meu primeiro voto e há essa confusão enorme. As pessoas estão muito divididas. Está bem difícil, mas vou votar, porque quero mudar essa situação”, contou. Karina vai esperar até o último minuto para decidir, também dependendo dos resultados das próximas pesquisas.

O peso das indecisas e como elas pretendem decidir o voto

Em 2018, o voto das eleitoras tem recebido atenção extraordinária no discurso dos candidatos e na análise da imprensa e de estudiosos das eleições. A diretora do Ibope Inteligência Marcia Cavallari destaca a discrepância entre mulheres e homens indecisos: 25% x 13%, de acordo com os números do dia 26 de setembro. “Diferentemente de outros anos, quando elas começavam indecisas e depois seus votos se aproximavam do voto dos homens, desta vez, a escolha delas pode ser diferente”, ressalta. Ela lembra que mulheres historicamente demoram mais para se decidir nos pleitos, a fim de ter mais certeza sobre suas escolhas, ou por causa das múltiplas tarefas do dia a dia que empurram a palavra final para a última semana.

Jairo Nicolau, cientista político da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), observa um diferencial nas eleições deste ano que, segundo ele, ajuda a explicar por que há tamanha atenção voltada para a escolha política das mulheres: “Há milhões de eleitoras que não estão acompanhando o voto dos homens no Bolsonaro. É um contingente gigantesco de votos espalhado entre outras candidaturas e retido nas indecisas que, se migrasse para ele, poderia aproximá-lo de uma vitória no primeiro turno. Por isso as eleitoras estão segurando esse avanço. Este é o fenômeno”. Ele observa que eventos como as manifestações do dia 29 criam um custo moral para o candidato do PSL, que deve se multiplicar em conversas, mensagens e troca de ideias entre as eleitoras indecisas nos próximos dias.

Mulheres exibem faixa no ato em Brasília, no último sábado | Foto: Karina Zambrana/Mídia Ninja

Embora várias manifestantes ouvidas pela Gênero e Número indiquem uma tendência de decisão baseada nas pesquisas eleitorais, um levantamento realizado pelo Ibope no dia 18 de setembro mostra que elas têm a preferência de apenas 8% das eleitoras na hora de decidir o voto. Notícias de televisão (43%), debates entre os candidatos (37%), conversas com amigos e familiares (35%), informações de jornais (31%) e da internet (20%) são os principais referenciais que as mulheres levam em conta. Para Jairo Nicolau, não há como avaliar a influência das pesquisas nos eleitores: “Muitas vezes, na dúvida, elas se atêm a suas convicções. A pesquisa afeta o resultado. Mas como o eleitor não tem conhecimento técnico sobre amostragem, margem de erro e outros parâmetros que as constituem, acaba tomando como uma corrida de cavalos mesmo”. O Datafolha informou que até o dia 7 de outubro fará uma pesquisa a cada dois dias. O Ibope também vai divulgar novos números durante esta semana.

*Maria Martha Bruno é jornalista e subeditora da Gênero e Número
*Mirella Falcão é jornalista e colaboradora da Gênero e Número
*Nathane do Vale é jornalista e colaboradora da Gênero e Número
*Rosana Souza é jornalista e colaboradora da Gênero e Número

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