Marielle Franco toma posse como vereadora na Câmara do Rio de Janeiro em janeiro de 2017 - Foto: Renan Olaz/CMRJ

Mulheres pretas, como Marielle, são menos de 1% nas Câmaras de Vereadores do Brasil

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No preenchimento de sua ficha para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), quando registrou a candidatura à Câmara de Vereadores do Rio de Janeiro pela legenda do PSOL, Marielle Franco declarou-se preta. Isso soa diferente de ser mulher parda quando se fala sobre ocupação de cadeiras parlamentares, embora seja comum ver a representatividade política de pardas e pretas ser lida de forma unificada, uma vez que os dois grupos formam o universo das mulheres negras.

Ser preta na política partidária é um lugar ainda mais solitário, como afirmam as mulheres que conseguiram se eleger e como reforçam os dados do TSE que a Gênero e Número analisou, que apontam que do universo de 57,8 mil vereadores eleitos em 2016, somente 328 são mulheres pretas, ou 0,6% do total. As pardas eleitas foram 2.546, e são 4,4% do total. Juntas, as negras são 5% da vereança no Brasil.
As cotas afirmativas aprovadas em minirreformas com o objetivo de reduzir a desigualdade no número de homens e mulheres na política ainda não abalaram as estruturas da política partidária municipal feita principalmente por homens brancos. Eles não são maioria na população, mas são “donos” atualmente de quase 50% das cadeiras de vereadores no país.

Das vereadoras eleitas em 2016, pretas e pardas somam 5%; a baixa participação na política partidária pode ser obervada desde os dados de candidatura

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Áudio

"Uma afronta"

Assassinada no Rio de Janeiro na noite de 14 de março, em um crime ainda não esclarecido, a vereadora Marielle Franco era também a única mulher preta na atual legislatura da Câmara do Rio de Janeiro. E mesmo quando vista no recorte maior, de mulheres negras, ela era somente uma de duas. A outra delas é Tânia Bastos (PRB-RJ), mulher parda e felizarda do sistema que garante aos partidos ampliar a bancada quando obtêm votações expressivas. Bastos foi levada à Câmara por quociente eleitoral e não por votação direta.

Marielle, com seus 46,5 mil votos diretos, era, incontestavelmente, ainda uma exceção à regra na política carioca – e nacional. “Um afronta”, como prefere definir a vereadora por Niterói Talíria Petrone (PSOL-RJ), amiga de Marielle e parlamentar negra que também se tornou protagonista no partido ao se eleger com a maior votação do seu município, em 2016, com 5.121 votos.

Petrone conta que com a parceira de legenda discutia frequentemente a negritude na política. “Desde a eleição, a gente sempre teve convicção da importância de levarmos para a tribuna as especificidades que o nosso corpo carrega, que a nossa experiência enquanto mulher negra na cidade carrega, discutindo a violência contra a mulher na perspectiva racial, pensando a saúde pública na perspectiva da mulher negra, e então olhando questões como mortalidade materna, por exemplo, ou a violência policial e o impacto disso para as mães nas favelas”.

Vereadora Talíria Petrone (PSOl-RJ), a mais votada em Niterói em 2016 - Foto: Reprodução/Facebook

Capitais

A agenda das mulheres negras – que na população brasileira representam 27% – ainda não ecoa largamente nas tribunas das câmaras das capitais, espaços de poder dos mais disputados e visados.

Na maior capital do país, São Paulo, não há sequer uma mulher negra na Câmara entre os 55 parlamentares eleitos. Em números absolutos, é a cidade com mais negros – de acordo com o IBGE (veja a distribuição completa da população aqui)

O gargalo para a participação delas na política já pode ser percebido na entrada para a disputa, quando se observa o números de candidatas. Nas eleições municipais de 2016, quando Marielle se saiu vitoriosa, como a quinta mais votada, apenas 14,5% do total de candidatos para inscritos para os cargos de vereador, prefeito ou vice-prefeito eram mulheres eram negras. Dessas, menos de 3% eram pretas. Homens brancos, os mais eleitos, eram 34,5% do total de candidatos no país. Ainda vale observar que o abismo pode ser bem maior, uma vez que já está no radar do TSE a existência de candidaturas fantasmas de mulheres desde que passou a vigorar a lei que determina pelo menos 30% de mulheres nas listas inscritas pelos partidos.

“A gente vê [as mulheres negras] na luta social, uma presença muito forte nessas lutas, nessas redes, mas na política partidária ficam subrepresentadas, os espaços se fecham”, comenta a socióloga Regina Soares, membro da coordenação do Católicas pelo Direito de Decidir, grupo que tem defendido, há 25 anos, direitos reprodutivos e sexuais das mulheres. O tema sempre foi dos mais críticos para as negras, principalmente as de menor escolaridade. De acordo com Pesquisa Nacional de Aborto, essas são as mulheres – negras e com pouca formação – que recorrem ao aborto com maior frequência no país.

Leia também: “Mulheres não são eleitas porque não são financiadas”, afirma Laysi Moriére

Os direitos reprodutivos, incluindo o aborto legal, estavam na agenda de Marielle Franco no seu mandato. Em 2017, ela apresentou o PL 16/2017, visando criar programa de atenção humanizada com foco nesse serviço de saúde.

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