“A mulher se retirou do mercado por causa do seu papel essencial durante a pandemia”
Estudo da FGV mostra que taxa de participação das mulheres no mercado de trabalho caiu mais do que a dos homens no primeiro semestre; autor da pesquisa aponta sobrecarga doméstica como principal motivo
Mulheres e homens tiveram perdas semelhantes na renda no primeiro semestre de 2020 (21% e 20%, respectivamente), marcado pela pandemia do novo coronavírus. Mas a taxa de participação no mercado de trabalho foi diferente entre os gêneros, com redução de 10,45% para as mulheres e queda menor entre os homens: 6,93%. Os dados estão na “Pesquisa Efeitos da Pandemia sobre o Mercado de Trabalho Brasileiro: Desigualdades, Ingredientes Trabalhistas e o Papel da Jornada”, comandada por Marcelo Neri, da Fundação Getúlio Vargas. “A mulher se retira do mercado por causa do seu papel essencial durante a pandemia. Ela cuida dos pais, ela cuida dos filhos, sobretudo com as escolas fechadas. Tudo isso recai sobre elas”, atesta o autor da pesquisa.
Os números são baseados na Pesquisa por Amostra Domiciliar (Pnad), do IBGE. Os dados mostraram ainda que mulheres tiveram uma redução nas horas trabalhadas no mercado maior que a dos homens (18% versus 12%), enquanto a variação de salário entre o primeiro e o segundo trimestre do ano foi positiva para elas (5,64%) e negativa para eles (-2,13%). Além da carga doméstica, Neri ressalta dois fatores cruciais para explicar os números: o auxílio emergencial e a Medida Provisória 936/20, que prevê a suspensão de contratos de trabalho, com preservação de empregos e redução de salário.
Estudioso dos impactos do Bolsa Família na população há anos, ele destaca que o auxílio de R$ 600 (e R$ 1200 para mães solo) provavelmente teve um impacto maior sobre as mulheres. “É preciso lembrar que 91% dos beneficiários do Bolsa Família são mulheres. O auxílio emergencial tem um viés de gênero e de maternidade não só por causa da desigualdade de gênero na sociedade, mas também por causa das consequências sobre os filhos. No sentido financeiro, o auxílio é mais pró-mulher, pró-mãe e acaba sendo pró-criança também”.
Em relação à medida provisória, Neri acredita que a suspensão dos contratos de trabalho tenha sido mais benéfica para as mulheres do que para os homens: “A realidade mostra que as mulheres têm a dupla jornada. A MP permitiu a elas conciliar as tarefas sem perder o emprego.”
Incertezas após o fim do auxílio
Com o anúncio da redução em 50% do auxílio emergencial até o fim do ano, os números devem mudar – sobretudo após o fim do benefício. “Auxílio e MP têm data para terminar, enquanto a pandemia não. O que me preocupa é o depois”, diz Marcelo Neri.
Os dados da FGV que atestam o impacto sobre as mulheres no mercado de trabalho também se comunicam com a pesquisa “Sem Parar – O Trabalho e a Vida das Mulheres”, realizada pela Gênero e Número com a SOF – Sempreviva Organização Feminista, que mostra que 41% das mulheres que seguiram trabalhando durante a pandemia com manutenção de salários afirmaram trabalhar mais na quarentena. As relações entre trabalho e atividades domésticas se imbricaram, e se antes pagar por serviços era a solução possível, a pandemia mostra que o caminho será a não-divisão sexual do trabalho. Elas trabalham mais porque as tarefas ainda não são distribuídas de forma equânime no ambiente doméstico.
A queda de renda de 20,54% para a população em geral entre o primeiro e o segundo semestres de 2020, mostrada no estudo de Neri, também se relaciona com mais um dado da pesquisa GN-SOF: 40% das mulheres afirmaram que a pandemia e a situação de isolamento social colocaram a sustentação da casa em risco. A maior parte das que têm essa percepção são mulheres negras (55%), que no momento em que responderam à pesquisa tinham como dificuldade principal o pagamento de contas básicas ou do aluguel.
*Maria Martha Bruno é diertora de conteúdo da Gênero e Número
É jornalista, escritora e cineasta. Graduada em Comunicação Social com habilitação em jornalismo pela UFRJ, mora há oito anos no Rio de Janeiro. Faz parte da diretoria executiva e é editora-assistante multiplataforma da Gênero e Número, além de editora-chefe da Revista Capitolina. Integra a Gênero e Número desde 2017, e sua busca pela construção de uma comunicação que tenha como base as diversidades de gênero, raça e sexualidade é transversal a todas as atividades que desenvolve em rede e profissionalmente
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