U
m dos países mais cristãos da América Latina deu um pequeno mas significativo passo para a descriminalização do aborto na semana passada. No México, de Nossa Senhora de Guadalupe, uma das padroeiras das Américas, o estado de Oaxaca se tornou a segunda unidade federativa a permitir a interrupção da gravidez até 12 semanas de gestação. Os legisladores preveem que a medida entre em vigor no próximo mês.
Segundo dados do Ministério da Saúde de Oaxaca, 2.300 abortos clandestinos são realizados anualmente no estado. No entanto, estima-se que, para cada interrupção conhecida, três não sejam registradas; portanto, esse número pode ser superior.
“Oaxaca é um dos estados com histórico mais importante de movimentos sociais e feministas. As organizações feministas lutaram por isso nos últimos dez anos, mas foi de 2018 para cá que a força da ‘maré verde’ tomou conta do México. Cada estado do país articula o movimento a favor do aborto e foram principalmente as jovens que injetaram uma nova energia na luta pela descriminalização, mobilizando especialmente a população”, diz Verônica Cruz, diretora da ONG feminista Las Libres à Gênero e Número.
Há 12 anos a Cidade do México, capital do país, aprovou a legalização do aborto. Enquanto na descriminalização, como no caso de Oaxaca, o ato passa a não ser mais visto como ilícito, devido à mudança no Código Penal, na legalização todas as possíveis sanções são eliminadas e há regulamentação e fiscalização do procedimento, que deve ser oferecido pelo Estado. Nacionalmente, o aborto é proibido e permitido somente em gestação decorrente de estupro, mas alguns estados abrem exceções para casos como risco de vida para a gestante e má-formação do feto.
Para Cruz, a renovação do Legislativo também foi um dos fatores que favoreceu a aprovação da descriminalização do aborto. “Com a chegada do partido Morena (Movimento de Regeneração Nacional, do presidente Andrés Manuel López Obrador) ao governo federal, elegendo também a maioria dos legisladores em mais da metade dos estados do país, uma nova configuração política deu fôlego à questão do aborto em um contexto mais favorável – não mais fácil -, mas com muitas possibilidades de progresso no país.” A diretora conta que mudanças na legislação também estão sendo discutidas no estado de Hidalgo.
Votaram a favor da descriminalização do aborto o Morena, o Partido Trabalhista (PT) e legisladores independentes, enquanto os deputados que votaram contra a descriminalização são dos partidos Revolucionário Institucional (PRI), Ação Nacional (PAN) – ambas forças tradicionais e mais conservadoras no país – e Encontro Social (PES, de extrema-direita).
Durante a votação em Oaxaca, houve manifestação de grupos contrários à descriminalização, que gritavam “assassinos!” para os deputados.“Os principais obstáculos à descriminalização no México são as alianças dos grupos no poder com as igrejas. Os grupos contrários ao aborto sempre existiram, aliados da igreja e dos partidos conservadores”, destaca a diretora da ONG Las Libres.
A filósofa e ativista mexicana Gaby Mijares, membro do movimento Terremoto Feminista, de luta pela equidade de gênero no país, destaca o peso do contexto em um dos países mais religiosos da América Latina: “Um dos principais obstáculos para não descriminalizar o aborto é o clero, que continua perpetuando a opressão contra o corpo da mulher e sua decisão de dar ou não à luz. O México é um país muito religioso, e isso pode dificultar o progresso em direção a uma realidade em que as mulheres possam decidir o que é melhor para sua vida no que diz respeito à sua saúde reprodutiva”.