No Brasil, há mais de 1,7 milhão de meninas e mulheres de 15 a 29 anos que não completaram o ensino médio, não estudam e não exercem atividade remunerada. Elas representam 26% do total de jovens dessa faixa etária que não concluíram o Ensino Médio e não voltaram a estudar. E elas são mais do que o dobro de meninos e homens nessa situação, que somam cerca de 800 mil – 12,7% do total.
As informações são de um levantamento inédito do Instituto Unibanco, a partir de dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) do IBGE (Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística), referente a 2015. O mesmo estudo mostra que, entre os jovens que deixaram os estudos no Ensino Médio, os meninos e homens empregados em atividade remunerada superam em mais de duas vezes as meninas e mulheres na mesma situação: eles são 43%, e elas, 18,3% do total de jovens fora da escola.
O fato de 38,8% dos jovens com Ensino Médio incompleto não exercerem atividade remunerada não significa que não trabalhem, pontua Sandra Unbehaum, socióloga e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas. Segundo ela, estes dados ainda refletem a divisão sexual do trabalho, com as meninas duas vezes mais vulneráveis do que os meninos nessa situação.
“Se as meninas têm filhos ou irmãos mais novos, elas provavelmente trabalham dentro de casa. Já entre os meninos, a grande maioria deles está em trabalhos precários, sem carteira assinada”, afirma.
Unbehaum, que também coordena o Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas, acredita que os profissionais da educação devem analisar outras causas da evasão escolar juvenil para compreender o fenômeno em sua totalidade.
“A renda é um fator de desengajamento, porque está ligado à vulnerabilidade social. Há jovens cujas famílias dependem da força de trabalho deles. A política de escola em tempo integral é uma tentativa de segurar o jovem na escola, mas deve levar em consideração as reais necessidades desse jovem”, observa Unbehaum, lembrando que, devido à divisão sexual do trabalho, “muitas das meninas têm papel importante nos afazeres familiares e domésticos, e os meninos têm esse papel de auxiliar na obtenção de recursos para a família”.
A pesquisadora acredita ser importante pontuar ainda o fator racial, pois as pessoas negras também se encontram em maior risco de vulnerabilidade econômica e social. Elas são 64,2% do total de jovens entre 15 a 29 anos que interromperam os estudos no ensino médio. Assim, superam os brancos tanto entre os que exercem atividade remunerada – negros são 38,8% e brancos, 22,1% – como entre os que não exercem – negros são 25,4% e brancos, 12,7%. A precarização é um fator mais marcante entre as pessoas negras, diz Unbehaum.
Evasão por gravidez
A gravidez tem peso para a evasão escolar de meninas e mulheres, aponta o levantamento do Instituto Unibanco. Entre as meninas e mulheres na faixa etária de 15 a 29 anos, as que deixaram o ensino médio e não têm filhos são 13,7%. As que têm filhos, não completaram o ensino médio e estão fora da escola são 29,6%.
Uma delas é Caíssa Barcellos, de 20 anos. Ela não conseguiu continuar os estudos ao engravidar de sua primeira filha, aos 15 anos. À época, concluiu o 1º ano do Ensino Médio, mas as dificuldades começaram no 2º ano.
“[No segundo ano], eu não morava mais com a minha mãe e estava no turno da noite. Tinha que deixar a bebê com o pai ou com a minha sogra, mas pedir favor aos outros, com o tempo, fica ruim. Parei de ir e quando vi, já era: não ia mais, já tinha perdido a vaga e também o interesse”, conta a jovem, que mora na comunidade do Cantagalo, na zona sul do Rio de Janeiro.
Barcellos acredita que uma rede de apoio em casa e na própria escola poderia ter evitado a evasão.
“As escolas poderiam permitir que as mães levem seus bebês, em um carrinho ou bebê conforto, por exemplo. Caso fosse atrapalhar, poderia ter uma turma só para mães nessa situação. Algo que pudesse ajudar mais, porque acredito que a maioria, como eu, precisa sair da escola por não ter alguém que fique com a criança ou porque tem que trabalhar”, sugere a jovem que, ano passado, deu à luz o segundo filho, Cael.
A pesquisadora Sandra Unbehaum avalia que a discriminação contra jovens mães caiu nos últimos anos, mas o maior problema enfrentado por elas, como sinalizado por Barcellos, ainda é a falta de estrutura.
“O município poderia pensar uma creche para as escolas, porque facilitaria para elas. Estar na sala de aula, e prestar a atenção na aula, com a criança junto, não é o ideal. Se a adolescente não consegue ter no serviço público uma atenção para essa criança, como vai fazer?”, questiona.
Caíssa Barcellos, de 20 anos, tem dois filhos, de 2 e 5 anos, e sonha em terminar o ensino médio. Foto: Arquivo pessoal
Ainda sem terminar os estudos, Barcellos diz que seu maior sonho é conseguir o diploma do Ensino Médio. A maior barreira hoje é ainda não ter conseguido uma vaga em uma creche pública para o caçula.
“Arrumei um emprego numa lanchonete aqui mesmo, na comunidade, mas é no período da noite e por isto ainda não consegui voltar para a escola. Já tenho 20 anos, e só conseguiria estudar no mesmo horário em que estou trabalhando. Espero conseguir vaga em uma creche para ele e arrumar outro emprego de manhã. Só assim eu poderia voltar a estudar. Por enquanto minha preferência é trabalhar para comprar as coisas necessárias para eles”, afirma a jovem.
No âmbito dos direitos sexuais e reprodutivos, o Ministério da Educação tem o projeto Saúde e Prevenção nas Escolas. A proposta é promover ações de conscientização para evitar o contágio de doenças sexualmente transmissíveis e a gravidez não planejada na população escolar. Mas uma vez que as adolescentes engravidem, não há no Brasil um programa a nível nacional para atender jovens como Barcellos, que tenha como meta melhorar a estrutura de escolas públicas para a implantação de creches.
Acolhimento de filhos de alunos
Algumas iniciativas mostram que é possível contemplar as necessidades de estudantes que tenham filhos. Um exemplo é o Projeto de Acolhimento aos Filhos dos alunos do Programa de Educação de Jovens e Adultos (Afejan) da Escola Estadual Alice Carneiro, em João Pessoa, na Paraíba. O projeto, estabelecido pelo governo estadual em 2012, tem o objetivo de criar atividades para os filhos de quatro a 14 anos de estudantes do Programa de Educação de Jovens e Adultos (Proeja) e do Ensino Médio noturno. Iniciativas similares já foram implementadas pelas prefeituras de Curitiba, no Paraná, e São Luís, no Maranhão.
Pesquisadora Sandra Unbehaum acredita que devem ser analisadas outras causas da evasão escolar para compreender o fenômeno. Foto: Haydée Vieira - CCS/Capes
A pesquisadora Unbehaum reitera que, além dos filhos e da vulnerabilidade econômica, há um conjunto de fatores a ser analisado para frear a evasão, e nele está o acolhimento no ambiente escolar.
“Se você tem um modelo de escola que cativa, que acolhe, que sensibiliza e discute com a comunidade um projeto pedagógico, provavelmente terá baixa taxa de evasão. Ninguém fica na escola para ser ofendido, ou humilhado. [A evasão] é fruto de um conjunto de fatores, que às vezes podem estar associados. O aluno também pode abandonar por não estar indo bem, não ter uma boa infraestrutura ou não ter um modelo de escola participativo e acolhedor. Se somar e analisar estes fatores, poderá ter um impacto maior nas taxas de evasão”, afirma.
*Lola Ferreira é jornalista e colaboradora da Gênero e Número.
Formada pela PUC-Rio, foi fellow 2021 do programa Dart Center for Journalism & Trauma, da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia. Escreveu o manual de "Boas Práticas na Cobertura da Violência Contra a Mulher", publicado em Universa. Já passou por Gênero e Número, HuffPost Brasil, Record TV e Portal R7.
Se você chegou até aqui, apoie nosso trabalho.
Você é fundamental para seguirmos com o nosso trabalho, produzindo o jornalismo urgente que fazemos, que revela, com análises, dados e contexto, as questões críticas das desigualdades de raça e de gênero no país.
Somos jornalistas, designers, cientistas de dados e pesquisadoras que produzem informação de qualidade para embasar discursos de mudança. São muitos padrões e estereótipos que precisam ser desnaturalizados.
A Gênero e Número é uma empresa social sem fins lucrativos que não coleta seus dados, não vende anúncio para garantir independência editorial e não atende a interesses de grandes empresas de mídia.