Maria da Penha, nossa vizinha

Já se perguntou onde está a Maria da Penha da sua rua, do seu prédio, da sua faculdade, do bar que você frequenta ou da creche que seu filho vai? E já tentou identificar quem, no seu círculo de convivência, pode ser um agressor de mulheres? Se você vai na linha do “não, isso é assunto da vida privada, não me interessa” ou “sei quem apanha do marido no meu prédio, mas isso não me diz respeito”, é válido você entender por que esse tipo de resposta está caindo em desuso. A violência doméstica, nosso tema central desta edição, não é mais assunto particular nem privado. Primeiro porque as portas e janelas se abriram há exatos 10 anos, como mostra a reportagem A era Maria da Penha em 5 dados contextualizados, que traz mudanças e impactos causados no sistema de justiça e no comportamento da sociedade após a Lei 11.340, aprovada em 2006.

Segundo, porque já há dados suficientes para se entender que o agressor que dá um “grito e um empurrão” hoje é o mesmo que pode apontar uma arma para uma mulher amanhã, por ser alguém que carrega para as relações padrões violentos e machistas. Então, ao ignorar a agressão alheia, por mais que não lhe pareça grave, pode-se estar ignorando um futuro feminicídio.

Terceiro, e de forma alguma menos importante, porque não prestar atenção nem problematizar a violência das mulheres e transexuais não deveria ser uma opção para qualquer cidadão que entende o quanto é crítico viver em um país que ocupa o 5º lugar no ranking mundial de homicídios de mulheres, dado que compõe o vídeo Racismo agrava cenário de mortes anunciadas. Esse país é o Brasil, que já foi considerado omisso no enfrentamento à violência contra a mulher até mesmo pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, depois que o caso de Maria da Penha Maria Fernandes ganhou repercussão (Para saber sobre essa e outras sentenças que condenaram Estados latino-americanos confira nossa linha do tempo sobre o assunto).

Apesar das políticas públicas desenvolvidas em esferas federais, estaduais e municipais nos últimos dez anos para prevenir violência, punir agressores com penas mais duras e repensar a responsabilidade da justiça brasileira na validação de estereótipos machistas que perpetuam a violência de gênero, os números de violações ainda sobem no país – amparados em estatísticas relacionadas a óbitos. Em entrevista, a ex-secretária-adjunta nacional de enfrentamento à violência contra as mulheres, Aline Yamamoto, problematiza alguns pontos desse sistema judiciário.

A quantidade de denúncia ascende, como mostra a reportagem Em relatos por telefone, violências física, psicológica e moral somam mais de 80% dos anos recentes, que destrincha os tipos de violência mais relatados por mulheres a partir de dados do 180, a Central de Atendimento à Mulher inaugurada logo após a promulgação da Lei Maria da Penha. Sim, a Maria da Penha de novo. Ela é central nesse debate. “Revolucionária”, como aponta a delegada Cláudia Santos em entrevista em vídeo que acompanha nossa reportagem sobre a lei.

Leis, leis, leis. Precisa-se delas. Na América Latina, outras legislações vêm fazendo frente às agressões que se sofre diariamente no ambiente doméstico, como mostra a nossa visualização Raio X América Latina: quem produz dados e leis sobre violência doméstica contra a mulher. Ao olhar esse panorama, a primeira impressão pode ser de que vamos de vento em popa na notificação de casos, na produção de estatísticas na região. Não é bem assim, como mostra o texto da nossa seção Código Fonte. Ao longo da produção desta edição, que contou com a colaboração de uma jornalista argentina e uma equatoriana, integrantes do nosso primeiro programa de Fellowship – realizado em parceria com o coletivo Chicas Poderosas e com a Casa Pública -, tivemos desafios imensos para levantar e analisar dados. Mas nada que se compare ao desafio das mulheres que, depois de romperem o silêncio e irem à justiça, se viram sem acolhimento necessário, como aborda a reportagem Quando não mata, violência doméstica deixa marcas e dura batalha judicial para as mulheres.

Ouvir mulheres vítimas de violência. Ouvir os gritos das mulheres. E das transexuais, como Neon Cunha, uma das entrevistadas que relatam violências sofridas antes e depois da Maria da Penha em A proteção da lei pode não ser o bastante. Esse é também um papel da justiça, do sistema de saúde, dos profissionais de segurança pública. Mas também de cada cidadão. Acompanhe a nossa edição estendida. De 25 de novembro até a segunda semana de dezembro, publicaremos reportagens e repercutiremos outras produções interessantes nas redes em que atuamos. Temos uma campanha a caminho. Contaremos mais em breve!

Acompanhe a Gênero e Número também no Twitter, Facebook e Instagram,

Giulliana Bianconi, Maria Lutterbach e Natália Mazotte

Edição:

Giulliana Bianconi

Reportagem:

Ana D’Ângelo

Gia Castello

Kennia Alvarez

Maria Lutterbach

Patricia Gomes

Coordenação editorial:

Giulliana Bianconi

Coordenação de dados:

Natália Mazotte

Direção de arte:

Maria Lutterbach

Design de Visualizações:

Natália Mazotte

Assistência editorial:

Isis Reis

Roteiro, edição e locução do vídeo

Maria Lutterbach

Animação e finalização do vídeo:

Luciano Gomes

Sound design:

Helena Duarte

Se você chegou até aqui, apoie nosso trabalho.

Você é fundamental para seguirmos com o nosso trabalho, produzindo o jornalismo urgente que fazemos, que revela, com análises, dados e contexto, as questões críticas das desigualdades de raça e de gênero no país.

Somos jornalistas, designers, cientistas de dados e pesquisadoras que produzem informação de qualidade para embasar discursos de mudança. São muitos padrões e estereótipos que precisam ser desnaturalizados.

A Gênero e Número é uma empresa social sem fins lucrativos que não coleta seus dados, não vende anúncio para garantir independência editorial e não atende a interesses de grandes empresas de mídia.

Quero apoiar ver mais