Em uma Olimpíada marcada pela equidade, latino-americanas conquistam medalhas que entram para a história dos Jogos

Na reta final da competição em Tóquio, venezuelana, equatoriana e atleta de Bermudas se tornam as primeiras mulheres de seus países a subir ao alto do pódio em modalidades normalmente dominadas por europeias, asiáticas e norte-americanas 

Por Sanny Bertoldo*

  • Inspiração na Venezuela

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As imagens da equatoriana Neisi Dajomes, da venezuelana Yulimar Rojas, da porto-riquenha Jasmine Camacho-Quinn e da brasileira Ana Marcela Cunha no alto do pódio em Tóquio contam um pouco da história das mulheres latino-americanas nesta edição dos Jogos Olímpicos. Até esta quinta (05), as mulheres já deram medalhas a 68 dos 81 países que aparecem no ranking olímpico – são 206 (incluindo o time dos refugiados) participantes. Entre todas as 389 medalhas de ouro, prata ou bronze distribuídas para mulheres ou equipes femininas, 23 foram de latinos-americanas.

Essa baixa presença no quadro de medalhas é reflexo de uma instabilidade política e econômica que, em maior ou menor grau, sempre atingiu os países da América Latina e, consequentemente, compromete o investimento no esporte. No último ano, os atletas ainda tiveram que lidar com as restrições impostas pela pandemia de Covid-19 no mundo. Mas nada disso é novidade. Novidades são o que, mesmo assim, essas mulheres estão fazendo em Tóquio.

A medalha de ouro delas é inédita e emblemática. A brasileira Ana Marcela, que vinha de duas frustrações olímpicas (não conseguiu se classificar para Londres-2012 e terminou em décimo na Rio-2016), venceu a maratona aquática e garantiu a sétima medalha de mulheres brasileiras nos Jogos de Tóquio, de um total de 15 conquistadas (a boxeadora baiana Bia Ferreira já tem um bronze garantido porque chegou à semifinal). Já o ouro de Neisi Dajomes (76 kg), no levantamento de peso, é o  primeiro de uma mulher equatoriana em toda a história olímpica. Sua compatriota Tamara Salazar, também do levantamento de peso, foi prata na categoria 87 kg e o país, agora, chegou a quatro medalhas desde sua primeira participação, em 1924. A modalidade, inclusive, foi para a Olimpíada com uma equipe composta apenas por mulheres.

Medalhas das mulheres latino-americanas na Olimpíada de Tóquio

Atletas de Bermudas, Equador e Venezuela conquistam o primeiro ouro de seus países na história dos Jogos

medalhas

femininas

Cada fatia equivale a uma medalha, sendo elas de ouro, prata e bronze

brasil

7 medalhas,

sendo 3 de ouro, 2 de

prata e 2 de bronze

jamaica

5

Categoria mista

México

3

equador

2

cuba

2

República

Dominicana

2

Venezuela

1

Porto Rico

1

Bermudas

1

Colômbia

1

* ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO FEITA ATÉ 12H DO DIA 05/08

fonte COI

Medalhas das mulheres latino-americanas na Olimpíada de Tóquio

Atletas de Bermudas, Equador e Venezuela conquistam o primeiro ouro de seus países na história dos Jogos

medalhas

femininas

Cada fatia equivale a uma medalha, sendo elas de ouro, prata e bronze

brasil

7 medalhas,

sendo 3 de ouro, 2 de

prata e 2 de bronze

jamaica

5

México

Categoria

mista

3

equador

2

cuba

2

República

Dominicana

2

Venezuela

1

Porto Rico

1

Bermudas

1

Colômbia

1

* ÚLTIMA ATUALIZAÇÃO FEITA ATÉ 12H DO DIA 05/08

fonte COI

O caminho do ouro olímpico

Campeãs em Tóquio, latino-americanas são dominantes em provas de atletismo

Cada cor representa um ano nas Olimpíadas

2000

2004

2008

2012

2016

2021

TÓQUIO

SYDNEY

ATENAS

PEQUIM

LONDRES

RIO

levantamento de peso

até 76kg

salto

ginástica artística

2000

2000/04

2012/16

RÚSSIA

2008

2016

2008

2004/12

china

Coreia

do Norte

eua

COREIA

DO SUL

romênia

2021

2021

brasil

EQUADOR

China ganhou

4 medalhas de ouro, sendo elas em 2000, 2004, 2012 e 2016

salto triplo

atletismo

100 metros rasos

atletismo

2004

2012

BELARUS

2000

CASAQUISTÃO

BULGÁRIA

2000

GRÉCIA

2008/12/16/21

2004/08

2016

2021

JAMAICA

Jamaica se mantém em 1° lugar desde 2008

CAMARÕES

COLÔMBIA

VENEZUELA

100 metros com barreira

atletismo

triatlo

2004

ÁUSTRIA

2000

2016

2004/08/16

2000/12

CAZAQUISTÃO

EUA

EUA

SUÍÇA

2021

2021

PORTO RICO

BERMUDAS

2012

2008

AUSTRÁLIA

AUSTRÁLIA

200 metros rasos

atletismo

maratona aquática

2016

HOLANDA

2008

RÚSSIA

2012

2000

2012

bahamas

eua

A maratona aquática estreou em Olimpíadas em Pequim-2008

HUNGRIA

2004/08/16/21

jamaica

2021

BRASIL

fonte coi

O caminho do ouro olímpico

Campeãs em Tóquio, latino-americanas são dominantes em provas de atletismo

Cada cor representa um ano nas Olimpíadas

2000

2004

2008

2012

2016

2021

TÓQUIO

SYDNEY

ATENAS

PEQUIM

LONDRES

RIO

levantamento de peso

até 76kg

2000/04

2012/16

2008

china

COREIA

DO SUL

2021

EQUADOR

China ganhou

4 medalhas de ouro, sendo elas em 2000, 2004, 2012 e 2016

salto

ginástica artística

2000

RÚSSIA

2008

2016

2004/12

Coreia

do Norte

eua

romênia

2021

brasil

salto triplo

atletismo

2012

2000

CASAQUISTÃO

BULGÁRIA

2004/08

2016

2021

CAMARÕES

COLÔMBIA

VENEZUELA

100 metros rasos

atletismo

2004

BELARUS

2000

GRÉCIA

2008/12/16/21

JAMAICA

Jamaica se mantém em 1° lugar desde 2008

100 metros com barreira

atletismo

2000

2004/08/16

CAZAQUISTÃO

EUA

2021

PORTO RICO

2012

AUSTRÁLIA

triatlo

2004

ÁUSTRIA

2016

2000/12

EUA

SUÍÇA

2021

BERMUDAS

2008

AUSTRÁLIA

200 metros rasos

atletismo

2012

2000

bahamas

eua

2004/08/16/21

jamaica

maratona aquática

2016

HOLANDA

2008

RÚSSIA

2012

A maratona aquática estreou em Olimpíadas em Pequim-2008

HUNGRIA

2021

BRASIL

fonte coi

Quando foi receber seu ouro, Dajomes escreveu na palma da mão esquerda “Mamá y hermano”. A imagem correu o mundo. Depois, ela contou que era um homenagem à mãe, Sandra, que sempre a incentivou, e ao irmão, Javier, que a apresentou ao levantamento de peso.

“É por eles que estou e aqui e a quem dedico todas as minhas vitórias”, disse ela, emocionada, contando que perdeu o irmão no fim de 2018, e a mãe, em 2019, pouco antes de garantir sua vaga olímpica no Pan-Americano de Lima, no Peru.

LEIA TAMBÉM: Tóquio-2021 aposta em equidade, mas sexismo ainda é entrave para que mulheres e homens tenham oportunidades iguais

Inspiração na Venezuela

No triatlo feminino, Flora Duffy, de Bermudas, conquistou o primeiro ouro da história do país em Jogos Olímpicos. Até então, a única medalha havia sido o bronze do boxeador  Clarence Hill em Montreal-1976. E a colombiana Mariana Pajón levou a prata no ciclismo BMX, tornando-se a primeira atleta do país a subir ao pódio três vezes seguidas em Olimpíadas. Pajón é a primeira latino-americana a conquistar duas medalhas de ouro em um esporte individual (Londres-2012 e Rio-2016). 

Já no atletismo, a porto-riquenha Jasmine Camacho-Quinn dominou os 100m com barreiras, foi a mais rápida desde as eliminatórias até a final, quando chegou à frente da recordista mundial da prova, a americana Kendra Harrison. Este ouro é o segundo de seu país em Olimpíadas. O primeiro já havia sido de uma mulher, a tenista Monica Puig, na Rio-2016.

No Estádio Olímpico de Tóquio, outras latino-americanas também fizeram história. Na prova mais rápida do mundo, as jamaicanas provaram mais uma vez que são imbatíveis. Com o ouro de Elaine Thompson, a prata de Shelly-Ann Fraser-Pryce e o bronze de Shericka Jackson, em 10s61, o país dominou o pódio dos 100m rasos, com direito à quebra do recorde olímpico que pertencia à americana Florence Griffith-Joyner desde Seul-1988 (10s62).

Já Yulimar Rojas foi um show à parte. Bicampeã mundial e vice-campeã olímpica (no Rio) do salto triplo, ela conseguiu, em Tóquio, quebrar o recorde mundial da prova, de 15,50m, estabelecido pela ucraniana Inessa Kravets em 10 de agosto de 1995, dois meses antes de ela nascer. Com 15,41m, ela se tornou a primeira mulher do país a conquistar uma medalha de ouro. A Venezuela tem 19 medalhas olímpicas na história, sendo três nesta edição.

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Com 1,92m, sorriso largo e cabelos que sempre mudam de cor, a venezuelana é amada em seu país. A adoração por Yulimar passa pela identificação com sua origem e por suas posições firmes. Ela e os seis irmãos cresceram em um “rancho” (construções precárias em áreas pobres, semelhantes às favelas) e foi no esporte que encontrou o caminho para escrever uma história diferente. Assumidamente lésbica, é também um ícone do movimento LGBT+.

“Minhas origens são humildes, vivemos com muita precariedade, e acredito que isso fez  nascer uma outra Yulimar. As adversidades logo se tornaram um combustível, me fizeram acreditar mais em mim”, contou ela, que fala abertamente sobre sua orientação sexual: “Minha orientação, minha sexualidade sempre foram importantes para mim e para minha carreira. Desde que comecei no esporte, luto pelos direitos das mulheres e do coletivo LGBT+. Meus saltos são também para que o desejo de amar e de ser amado seja respeitado e os direitos humanos sejam valorizados a cada dia”.

Até que os Jogos acabem, outras mulheres deixarão suas marcas em Tóquio. Em uma edição marcada pela equidade – elas são 49% do total de atletas – e por momentos históricos, como a presença da primeira mulher trans em uma prova olímpica, as conquistas das mulheres latino-americanas só reafirmam sua força também no esporte.

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*Sanny Bertoldo é editora da Gênero e Número

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