Gestante pode tomar vacina contra a covid-19? Quais são os riscos e os benefícios? Para responder a essas e outras dúvidas sobre a imunização de gestantes e puérperas, seus direitos e sua escolha de tomar ou não a vacina, a Gênero e Número reuniu recomendações de órgãos competentes e conversou com a ginecologista e obstetra Melania Amorim
Após um ano do primeiro caso de covid-19 em solo brasileiro, o Brasil registra o pior momento da pandemia. Na última sexta-feira, 26/2, o país registrou uma média móvel de 1.153 óbitos, a maior de toda a pandemia, de acordo com o boletim do Conselho Nacional de Secretários da Saúde (Conass). Com o crescimento dos casos e mortes pela covid-19, são mais de 10 milhões de infectados e mais de 250 mil mortos segundo o Painel Coronavírus, e apenas 3,11% da população brasileira vacinada ao menos com a primeira dose, um grupo classificado como de risco pelo Ministério da Saúde não entrou nas pesquisas sobre a eficácia da vacina: as gestantes e puérperas.
O Brasil é o país com maior número de casos de morte de mulheres grávidas e no pós-parto pela covid-19, com taxa de mortalidade de 12,7% entre as gestantes. O estudo publicado no International Journal of Gynecology, conduzido por um grupo de obstetras e enfermeiras de 12 universidades e instituições públicas, em junho de 2020, revelou que 160 gestantes e puérperas morreram por covid-19 no Brasil, o que corresponde a 77% dessas mortes no mundo. Desde então, esse número já superou 200. O estudo também reforça a desigualdade racial: as mulheres grávidas pretas têm quase o dobro de risco de morrer por covid-19 no Brasil do que as grávidas brancas. Quase 23% das mulheres que morreram no Brasil não tiveram acesso a um leito de UTI e 36% não chegaram a ser intubadas.
Para responder dúvidas sobre os riscos da covid-19 a gestantes e puérperas, seus direitos e sua escolha sobre tomar ou não a vacina, reunimos recomendações de órgãos competentes sobre algumas das principais questões relativas ao assunto. E também consultamos a ginecologista e obstetra Melania Amorim, professora da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG) e pós-doutora em saúde reprodutiva pela Unicamp e pela OMS.
1. Quais são os riscos do coronavírus na gestação?
Já existem evidências que mostram que a covid-19 tem um impacto específico sobre gestantes. As grávidas e puérperas (mães até 45 dias do pós-parto) são um grupo de risco para a covid-19. Segundo estudo do Centro de Controle de Doenças (CDC) dos Estados Unidos, em caso de infecção pelo coronavírus, as gestantes têm mais risco que as não grávidas de serem levadas à UTI, precisar de ventilação mecânica ou morrer. O estudo analisou a maior amostra de pacientes até o momento, 400 mil mulheres sintomáticas com covid-19, 23.400 delas grávidas.
“Os nossos trabalhos já mostraram também que esse risco é maior no puerpério. O puerpério é a fase que tem mais risco de morte materna por covid. Não existem controvérsias ou incertezas, é um fato comprovado cientificamente. E além de ser fator de risco, há os efeitos da covid na gravidez, que podem afetar o crescimento do bebê ou sua morte. Existem evidências da síndrome de covid congênita com repercussão para o bebê, de forma que a gestante que tem covid-19 vira automaticamente gestante de risco e precisa ter um acompanhamento específico no sistema pré-natal de alto risco”, pontua Amorim.
2. Quais são os direitos das gestantes e puérperas nesse período?
Devido ao aumento no número de casos de covid-19, o Ministério Público do Trabalho publicou em janeiro deste ano uma série de orientações para empresas afastarem funcionárias grávidas em qualquer idade gestacional e puérperas até duas semanas após o parto na nota técnica 01/2021. A nota prevê o afastamento das escalas presenciais de trabalho e o estímulo ao home office, além de alertar que a dispensa de trabalhadoras gestantes neste período de pandemia pode vir a configurar hipótese de dispensa discriminatória.
Em abril de 2020, o Ministério da Saúde incluiu grávidas e puérperas como grupo de risco da covid. “A ciência tem mostrado desde então que esse risco é real, precisamos proteger as gestantes e puérperas. Se possível, temos sugerido que as mulheres adiem os planos de engravidar nesse momento; sabemos que é uma decisão que nem sempre é possível, mas é uma recomendação. E se engravidar, para trabalhar em home office ou ser afastada do trabalho, para diminuir os riscos de infecção”, pontua a obstetra.
Está em tramitação no Senado o projeto de lei 3932/2020, da deputada Perpétua Almeida (PCdoB-AC) e outras 15 parlamentares, que dispõe sobre o afastamento da empregada gestante das atividades de trabalho presencial durante o estado de calamidade pública. Em agosto de 2020, a proposta foi aprovada na Câmara dos Deputados.
3. Grávidas e púrperas podem tomar a vacina?
A segurança e eficácia das vacinas não foram avaliadas em gestantes e lactantes, no entanto, estudos em animais não demonstraram risco de malformação. Apesar de serem consideradas grupo de risco, as gestantes e puérperas não entraram no cronograma de vacinação dos grupos prioritários. Segundo recomendações da Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasco), a vacinação de gestantes e lactantes pertencentes ao grupo de risco poderá ser realizada após avaliação dos riscos e benefícios em decisão compartilhada entre a mulher e seu médico.
Para isso, as gestantes e puérperas devem ser informadas sobre os dados de eficácia e segurança das vacinas conhecidas, assim como os dados ainda não disponíveis. Ainda segundo a recomendação da Febrasco, essa decisão deve considerar: o nível de potencial contaminação do vírus na comunidade; a potencial eficácia da vacina, o risco e a potencial gravidade da doença materna, os efeitos no feto e no recém-nascido e a segurança da vacina para mães e fetos.
As vacinas não são vírus vivos, são inativadas, e têm tecnologia conhecida e usada em outras vacinas que já fazem parte do calendário das gestantes como as vacinas do tétano, coqueluche e influenza. Nos Estados Unidos, já são mais de 10 mil grávidas vacinadas e, até o momento, não há relatos de complicações.
A obstetra Melania Amorim reconhece os avanços nesse sentido, mas ressalta que mais precisa ser feito: “Já houve um avanço porque a recomendação do ano passado era de não recomendar a vacinação em gestantes. Nesse momento, já é recomendada a vacinação para mulheres gestantes que pertencem a um grupo de risco, mas precisamos ir além. Não basta fazer só a recomendação de que elas podem se vacinar, já que em outros países gestantes e puérperas são estimuladas a se vacinar, precisamos pressionar para que as gestantes e puérperas sejam incluídas nos grupos prioritários de vacinação”.
4. A gestante pode se recusar a tomar a vacina?
Sim, as gestantes e puérperas que pertencem a algum grupo prioritário podem se recusar a tomar a vacina e devem ser apoiadas em sua decisão e instruídas a manterem medidas de proteção como higiene das mãos, uso de máscaras e distanciamento social. “Se a gestante não quiser, ela deve ser apoiada na sua decisão e continuar com a assistência pré-natal. É importante que ela seja esclarecida nesse processo, mas elas têm essa escolha. Não é uma obrigação a vacinação de gestantes”, diz Amorim.
5. O que fazer caso a mulher ou pessoa que pode gestar tomar a vacina sem saber que está gestante?
Para as mulheres que forem vacinadas inadvertidamente e estarem gestantes no momento da administração da vacina, o profissional de saúde deve informá-las e tranquilizá-las sobre a baixa probabilidade de risco e encaminhar para o acompanhamento pré-natal.
“Isso deve ser comunicado e constar nos sistemas para que tenhamos essa informação, para ter o controle dessas pessoas, além do acompanhamento. Esse mapeamento é importante para entendermos os efeitos da vacina nas gestantes. Além disso, no caso de fazermos um plano nacional de vacinação de gestantes, é importante aguardar as 12 primeiras semanas de gestação”, finaliza a obstetra.
A vacinação inadvertida deverá ser notificada no sistema de notificação e-SUS como um “erro de imunização”, para fins de controle.
*Vitória Régia da Silva é repórter da Gênero e Número
É jornalista, escritora e cineasta. Graduada em Comunicação Social com habilitação em jornalismo pela UFRJ, mora há oito anos no Rio de Janeiro. Faz parte da diretoria executiva e é editora-assistante multiplataforma da Gênero e Número, além de editora-chefe da Revista Capitolina. Integra a Gênero e Número desde 2017, e sua busca pela construção de uma comunicação que tenha como base as diversidades de gênero, raça e sexualidade é transversal a todas as atividades que desenvolve em rede e profissionalmente
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