A futura ministra Damares Alves e a próxima secretaria da Seppir Sandra Terena em reunião com movimento negro. Foto: Divulgação
Futuro da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial preocupa movimento negro
Pressão de ativistas evitou a extinção da pasta, mas cortes no orçamento preocupam entidades da sociedade civil.; Ano passado, Secretaria contou com apenas R$ 821 mil
O futuro e a atuação da Secretaria Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir) sob o governo de Jair Bolsonaro preocupam organizações do movimento negro da sociedade civil, que já se mobilizam para defender o órgão e seus programas nos próximos quatro anos. A extinção da Seppir, que hoje é parte do Ministério de Direitos Humanos (MDH), chegou a ser aventada pela equipe de transição do governo do presidente eleito.
Na primeira reunião sobre o futuro Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, no dia 11 de dezembro, foi apresentado um organograma em que a Secretaria de Igualdade Racial se tornaria um departamento dentro da Secretaria da Cidadania. Esta, por sua vez, ficaria dentro da Secretaria Especial dos Direitos Humanos, segundo Nuno Coelho de Alcântara Junior, ex-membro do Conselho Nacional de Igualdade Racial (CNPIR) e membro da diretoria-executiva dos Agentes Pastorais Negros (APNs).
Houve reação de ativistas do movimento negro, que divulgaram uma carta aberta à futura ministra, Damares Alves, e anunciaram um protesto em defesa da Seppir. No dia 17, Alves divulgou uma nota à imprensa afirmando que a Seppir será mantida e terá o objetivo “de ampliar as ações de acesso às políticas públicas, para a população negra, indígena, quilombola, cigana, moradores do semiárido, comunidades ribeirinhas e comunidades tradicionais”.
Membros do CNPIR e de conselhos estaduais de igualdade racial de vários Estados realizaram um “abraço” simbólico no prédio da Seppir, em Brasília, no dia 19, além de atos simultâneos no Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e Maranhão. Mesmo após o anúncio sobre a manutenção da Secretaria, os atos foram confirmados para questionar o orçamento, a agenda política e a estrutura da Seppir no governo Bolsonaro.
“A Seppir não pertence a nenhum governo, mas ao movimento negro”, disse Alcântara Junior à Gênero e Número. “Nossa mobilização foi para que o futuro governo, gostando ou não, saiba que a Seppir precisa continuar existindo”, completou.
Seppir chega aos 15 anos com orçamento em queda
A Secretaria sofreu um corte de 69,5% no orçamento aprovado pelo Congresso para 2019. O valor estimado para investimentos em ações da Seppir no próximo ano é de R$ 7 milhões. Em 2018, foram previstos R$ 23 milhões, mas apenas R$ 3 milhões foram liquidados.
O orçamento da pasta para ações voltadas à igualdade racial cresceu nos primeiros anos de sua criação, caiu em 2007 e 2008, e voltou a subir, com pico de R$ 16,7 milhões em 2010. No ano seguinte, o primeiro do governo de Dilma Rousseff, esse valor teve um corte drástico de 75%. Desde então, o investimento da Seppir tem oscilado e alcançou seu menor patamar em 2017: R$ 821 mil.
Juvenal Araújo, secretário Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, disse à Gênero e Número que a crise econômica é responsável pela escassez recursos na pasta. “Nosso papel é que a gestão seja realizada mesmo com os recursos que estão sendo disponibilizados”, afirmou. “Vivemos em um país em que o racismo estrutural e institucional existe, por isso a prioridade da política de igualdade racial deve ser o atendimento à população negra. Lutamos por isso no dia a dia, porque sabemos que sem recursos realmente fica muito difícil de fazer política”.
Secretaria será liderada por mulher indígena
Criada no primeiro ano do governo Lula (2003), a Seppir foi impulsionada pelo movimento negro, que esteve à frente da pasta nos últimos 15 anos. Em 2019, pela primeira vez, a Secretaria será comandada por uma mulher indígena: a jornalista e documentarista Sandra Terena.
Terena dirigiu o documentário “Quebrando o silêncio”, lançado em 2009, sobre supostas práticas de infanticídio em comunidades indígenas. Damares Alves, a futura ministra, também se envolveu com o tema: a ONG Atini, da qual ela é coundadora, é alvo de ações do Ministério Público por incitação ao ódio contra indígenas e sequestro de crianças, relacionadas ao suposto combate da organização ao infanticídio em tribos.
A indicação de Terena para a liderança da Seppir surpreendeu o movimento negro. Segundo Alcântara Junior, apesar de a Secretaria englobar populações diversas como ciganos, indígenas e comunidades ribeirinhas, o órgão não tem “expertise” no tratamento dessas agendas. “A expertise da Seppir e o motivo de a Secretaria ter sido criada diz respeito à promoção da igualdade racial, com ênfase na população negra”, afirmou.
Ainda assim, ele salientou que o papel da sociedade civil e do movimento negro é manter o debate aberto com o governo.
Nossa pauta é de reivindicação, monitoramento das políticas públicas e controle social da agenda do Estado. Se o conjunto do movimento negro não quiser perder mais do que já perdeu até aqui, deve criar um ambiente de constante diálogo, independentemente do governo.
*Vitória Régia da Silva é jornalista e colaboradora da Gênero e Número.
É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É gerente de jornalismo e vice-presidente da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de seis anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.
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