Em Pernambuco e em São Paulo, mandatos coletivos vencem e mulheres trans chegam às Assembleias

Em um cenário difícil para o campo progressista e popular, mulheres impulsionaram candidaturas vitoriosas em estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, capitaneadas pelo PSOL. Em Pernambuco, a travesti Robeyoncé Lima, do mandato coletivo Juntas, vai fincar o pé na Assembleia Legislativa em 2019: “Nós, travestis, já fazemos política com nosso próprio corpo. Agora poderemos também fazer nos espaços institucionais”


Por Maria Martha Bruno*

No domingo em que o recrudescimento do conservadorismo se confirmou nas urnas, candidatas feministas conseguiram se posicionar estrategicamente no Legislativo federal e estadual do país para os próximos quatro anos. Em São Paulo e em Pernambuco o modelo de candidatura coletiva do PSOL conquistou pela primeira vez um vaga em ambas as assembleias legislativas. No Estado do Nordeste, cinco mulheres vão capitanear um mandato “popular, LGBT e feminista”, formado pela candidatura Juntas, que conseguiu mais de 39 mil votos. Em São Paulo, a Bancada Ativista, composta por nove pessoas, foi também a nona mais votada, com 144 mil votos.

“Essa vitória representa muito. É a primeira vez que a Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) vai ouvir falar em mandato coletivo. Somos mulheres negras, trans e lésbicas”, comemorava Jô Cavalcanti, que vai assumir oficialmente a cadeira na Casa. Ambulante, ex-moradora de palafitas em Recife e ativista do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), ela ficou surpresa com a votação de uma candidatura que começou a ser impulsionada há cinco meses e que inicialmente amealhou R$ 20 mil com uma vaquinha online.

aspa

Eu sei que a força do coletivo foi o que impulsionou. Estamos aqui representando muita gente. Eu mesma vou buscar construir políticas com e para a juventude, queremos reabrir escolas do campo que foram fechadas, por exemplo. — Joelma Karla, integrante do mandato Juntas

Robeyoncé Lima será a primeira travesti a ocupar uma cadeira na Casa. “Estamos ocupando um espaço institucional, quase sempre foi cheio de homens brancos e ricos. Nós, travestis, já fazemos política com nosso próprio corpo. Agora poderemos também fazer nos espaços institucionais”, analisou. Outro membro do coletivo é a estudante de Letras Joelma Karla, de apenas 20 anos. Há dois anos, ela tentou uma vaga na vereança de sua cidade-natal, Surubim, no agreste pernambucano, mas não se elegeu. Agora, chega a Recife para construir políticas públicas para a juventude baseadas também em pautas feministas. “Eu sei que a força do coletivo foi o que impulsionou. Estamos aqui representando muita gente. Eu mesma vou buscar construir políticas com e para a juventude, queremos reabrir escolas do campo que foram fechadas, por exemplo”. Completam o time a produtora de audiovisual Carolina Vergolino e a professora de Educação Física Kátia Cunha.

Robeyoncé Lima, primeira travesti a compor um mandato na Assembleia Legislativa de PE| Foto: Giovanni Costa

Resistência dará o tom dos mandatos

Em São Paulo, a cocanditada Raquel Marques respirava aliviada enquanto celebrava a vitória na noite de domingo. Ciente do tamanho do desafio em uma assembleia que teve como deputados mais votados a advogada e autora do pedido de impeachment de Dilma Rousseff Janaina Paschoal (PSL) e o militante do MBL Arthur do Val (DEM), ela sabe das dificuldades que ela e seus oito companheiros (são sete mulheres, dois homens) terão nos próximos quatro anos: “Nosso mandato, como vários outros no Brasil, é de resistência. Queremos criar uma brecha para a população e os movimentos sociais dentro da política institucional. E também queremos abrir as portas da Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) e convidar as pessoas a ocuparem a Casa, para que, juntas, possamos construir o nosso mandato”. A candidatura da Bancada Ativista, que foi eleita com 149 mil votos, foi uma das analisadas pela Gênero e Número este ano na série Novos Nomes e será representada formalmente na assembleia por Mônica Seixas, assessora de Sâmia Bonfim, também do PSOL, e eleita para a Câmara dos Deputados. Mas conta, entre outros nomes, com Erika Hilton, mulher negra e trans.

Da Câmara Municipal para o Congresso

Áurea Carolina (PSOL), que também fazia parte do mandato coletivo Gabinetona (com Cida Falabella e Bella Gonçalves) na Câmara dos Vereadores de Belo Horizonte (MG), deu um salto para o Congresso Nacional, com 162 mil votos para sua candidatura como deputada federal. Ela foi a quinta mais votada no estado, o segundo maior colégio eleitoral do país. Também pelo PSOL, Talíria Petrone teve avanço semelhante, já que saiu da vereança em Niterói, na região metropolitana do Rio de Janeiro, para a Câmara dos Deputados. “Foram cerca de 5 mil votos em 2016, quando me elegi, e agora tive mais de 82 mil votos. É uma vitória muito grande para o setor progressista, para as mulheres e para o enfrentamento ao racismo”, celebrou a nova deputada federal que foi eleita com 107 mil votos.

Áurea Carolina, que vai da Câmara dos Vereadores para o Congresso Nacional em 2019| Foto: Divulgação

A tônica também é de resistência diante do avanço de bancadas conservadoras: “Não é uma tarefa pequena. Não vamos dar nenhum passo atrás ao tentar impulsionar pautas difíceis, como a legalização do aborto e o fim da morte de negros e de pobres nas favelas”. Talíria Petrone afirma que candidatas como ela levam adiante o legado de Marielle Franco. Também no Rio, o partido conseguiu ainda emplacar na Assembleia Legislativa três assessoras da vereadora assassinada em março: Mônica Francisco, Dani Monteiro e Renata Souza, todas sem mandato anteriormente.

*Maria Martha Bruno é jornalista e subeditora da Gênero e Número

Giulliana Bianconi

É jornalista pela Universidade Federal de Pernambuco, cofundadora e diretora da Gênero e Número. Atualmente também se dedica a pesquisar e a escrever sobre movimentos de mulheres e sobre desigualdades de gênero e raça na América Latina. Possui especialização em Política e Relações Internacionais pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo.

Se você chegou até aqui, apoie nosso trabalho.

Você é fundamental para seguirmos com o nosso trabalho, produzindo o jornalismo urgente que fazemos, que revela, com análises, dados e contexto, as questões críticas das desigualdades de raça e de gênero no país.

Somos jornalistas, designers, cientistas de dados e pesquisadoras que produzem informação de qualidade para embasar discursos de mudança. São muitos padrões e estereótipos que precisam ser desnaturalizados.

A Gênero e Número é uma empresa social sem fins lucrativos que não coleta seus dados, não vende anúncio para garantir independência editorial e não atende a interesses de grandes empresas de mídia.

Quero apoiar ver mais