Palácio Pedro Ernesto, sede da Câmara Municipal do Rio de Janeiro | Foto: Jonas de Carvalho/Flickr
Em 2017, maioria das capitais terá esvaziamento de vereadoras
Presença feminina terá queda de 19% em Rio Branco quando eleitos assumirem seus cargos, e há cidades onde mulheres sequer terão cadeiras no legislativo da capital, como em Cuiabá
Em 15 capitais do país as câmaras municipais terão, em 2017, menos mulheres do que há hoje. A retração na representatividade feminina na vereança atingiu em cheio as capitais do Nordeste e do Norte nessas eleições, embora não tenha ficado restrita a essas regiões. No levantamento feito pela Gênero e Número a partir de dados do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), Rio Branco e Maceió lideram a queda da presença feminina em relação a 2012. Na capital acriana elas passam de 30% na Câmara para 11% a partir de 1º de janeiro. Já em Maceió, a queda é de 16 pontos percentuais: saem 40% e passam a ser 24%.
Essas duas capitais foram as únicas que, em 2012, registraram mais de 30% de eleitas – no pleito deste ano ano nenhuma capital atingiu esse número. No caso de Rio Branco, o número de mulheres na câmara passou de quatro para duas. Das vereadoras que tentaram a reeleição, apenas uma saiu vitoriosa. Lene Petecão (PSD) era suplente na última legislatura e assumiu o posto em 2015. “A mulher se insere na política porque ela é atrevida, mas discutir política onde a mulher é minoria é difícil. Os partidos direcionam sua atenção e recurso para os homens, as mulheres ficam desmotivadas”, afirma.
Tratar de políticas públicas para mulheres em um contexto em que apenas duas das dezessete cadeiras da cidade são ocupadas por mulheres é um desafio. “A responsabilidade aumenta. Teremos um trabalho maior para compartilhar essas discussões, falar de família, saúde, políticas para mulher. Ainda não conversei com a outra vereadora eleita [Elzinha Mendonça, do PDT], mas espero poder contar com ela para que as políticas para mulher não sejam prejudicadas.”
Em Cuiabá, sequer há retração a ser analisada nestas eleições: assim como em 2008 e em 2012, não houve desta vez mulher eleita para a câmara municipal. Já Florianópolis e Palmas saem da estaca zero da representatividade feminina e voltam a contar com alguma diversidade de gênero (confira o gráfico abaixo)
O problema chamado partido
Para Daniela Rezende, professora do Departamento de Ciências Sociais da UFV (Universidade Federal de Viçosa) com expertise em temas de política e gênero, autora de artigos como “Qual o lugar reservado às mulheres? Uma análise generificada de comissões legislativas na Argentina, no Brasil e no Uruguai”, a dinâmica intrapartidária, principalmente dentro dos municípios, é um dos pontos-chave para entender esse encolhimento da presença feminina observada no pós-eleições.
Segundo ela o fato de o número de mulheres ter diminuído em capitais, que “tendem a ser um local mais propício para a formação de mulheres na política, já que as capitais têm mais visibilidade e geralmente são as sedes regionais do partido” mostra que os partidos são instituições com estruturas de gênero.
“Em Viçosa, quando houve readequação no número de vagas na câmara municipal, as vagas passaram de dez para quinze. Um aumento substantivo, mas o número de vereadoras eleitas permanece o mesmo. Existe algo que nos impede de reverter esse quadro. É preciso se voltar pros partidos, entender essas lógica. Como os partido se organizam em âmbito local? Há desigualdade na distribuição de recursos? Os órgãos de mulheres são ativos e recebem recursos?”, questiona.
De acordo com a professora, muitos dos órgãos femininos intrapartidários não são voltados a formar lideranças femininas, mas a captar votos femininos. Além disso, com pouca capilaridade municipal, partidos menores não têm estrutura para o recrutamento de mulheres em âmbito municipal.
Do ano passado para cá houve um movimento forte no Rio Grande do Norte em relação a direito das mulheres, principalmente nas redes sociais, com muitas campanhas para votar em uma mulher feminista
— Natália Bonavides, vereadora eleita em Natal pelo PT
Em Belém (PA), a queda de mulheres eleitas foi de 4,3 pontos percentuais. Em 2013, as mulheres passaram a ser 13% da Câmara e em 2017 serão 8%. O parlamentar mais votado, no entanto, foi uma mulher: Marinor Brito (PSOL), que assume logo mais o seu quarto mandato como vereadora.
“Aqui em Belém, nossa executiva é 100% de mulheres, o que é inédito. O resultado político disso é de que nós não tivemos dificuldade de encontrar mulheres para compor nossa chapa. Temos vereadora mais votada de Belém pela segunda vez”, conta Marinor.
Para ela, a maior dificuldade na inserção da mulher na vida política está na visão dos partidos. “Existe uma situação que é o machismo instaurado na cultura brasileira que está longe de ser superado. Os partidos políticos têm que se mover no sentido de empoderar as mulheres, garantir que a participação delas na vida partidária se sedimente. Até 2014 os tribunais eleitorais ainda aceitavam a inscrição de chapas dos partidos sem o cumprimento da cota de mulheres obrigatória por lei . É preciso uma briga dos movimentos de mulheres com o apoio da imprensa, mídias sociais, para mostrar isso”, diz.
Aumento não é tendência, mas existe
Ainda que os dados mostrem que não há uma tendência de crescimento geral da representatividade nas câmaras das capitais brasileiras, é possível observar aumento em algumas delas. Em nove, exatamente. Em outras duas capitais, será mantida a proporção atual.
Na capital que mais avança em representatividade em 2017, Natal, há expectativa das mulheres que se preparam para assumir. O número de eleitas na câmara municipal dobrou, e é o maior em mais de 400 anos do funcionamento do legislativo potiguar.
O Rio Grande do Norte já tem um histórico pioneiro na luta pelo direito das mulheres na política: a primeira mulher a tirar um título de eleitor foi a potiguar Celina Vianna, primeira prefeita eleita no Brasil foi sua conterrânea Alzira Soriano. Agora, com a força das redes sociais, oito mulheres farão parte da câmara da capital do Estado.
Na maior capital brasileira, as mulheres serão 20% da presença total do legislativo. Se a proporção ainda não é o ideal em São Paulo, ao menos o número de eleitas dobrou em relaçao à eleição de 2012: atualmente são cinco, e em 2017 serão 11.
“Do ano passado para cá houve um movimento forte no Rio Grande do Norte em relação a direito das mulheres, principalmente nas redes sociais, com muitas campanhas para votar em uma mulher feminista”, conta Natália Bonavides, vereadora eleita pelo PT.
Candidata pela primeira vez, ela conta que sofreu com episódios de machismo na campanha e que sabe que encontrará desafios na legislatura. “Uma bancada maior não quer dizer que teremos mais aliadas. O posicionamento sobre temas como a descriminalização do aborto não é unânime. Mas só o fato de mais mulheres terem sido eleitas, facilita o diálogo sobre vários temas.”
Efeito impeachment?
Para a professora da UFMA (Universidade Federal do Maranhão) Maria Mary Ferreira, doutora em Sociologia e autora de livros como “As Caetanas vão a luta: feminismo e políticas públicas” e “Os bastidores da Tribuna: mulher, politica e poder no Maranhão”, a diminuição o número de mulheres eleitas pode ser um reflexo do processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
“O impeachment foi uma questão política, mas também tem uma questão de gênero: foi construído em cima de um processo de desqualificação das mulheres de forma bastante violenta. Quando a Dilma entra no Ministério da Casa Civil em 2005, até a mídia internacional dizia que ela era qualificadíssima para o cargo. Na primeira eleição que ela disputou, a imagem era de uma mulher de liderança, linha dura, capaz. No processo da segunda eleição e no impeachment, desqualificaram a competência dela como gestora”, explica.
Segundo Ferreira, há uma cobrança muito maior em relação a gestão das mulheres. “Fizemos um estudo no Maranhão e vimos que em municípios administrados por prefeitas há judicialmente um processo de punição muito maior quando as mulheres que são prefeitas têm algum tipo de envolvimento em ilícito”, diz.
Isso pode explicar o desânimo das mulheres em tentar a eleição ou reeleição. “A gente vê o desestímulo das mulheres de se recandidatarem. Em entrevistas, elas diziam que não pretendiam se candidatar de novo por que se sentiam pressionadas pela família e expostas na política. Diziam que a política não era lugar para elas, que tinham que brigar até para falar na tribuna”, conta.Em São Luís, capital maranhense, houve queda de 5 pontos percentuais: eram 15% de mulheres e agora serão 10%.
Bárbara Libório é jornalista e colabora com a Gênero e Número.
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