Mulheres negras recebem apenas 20% dos recursos de homens brancos

Financiamento público de campanhas ajuda a reduzir brechas de gênero e raça, mas distribuição de recursos precisa melhorar

  • Financiamento público reduz brechas, mas distribuição precisa melhorar

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Por Aline Gatto Boueri e Marcelo Soares 

 

Além de subrepresentadas, nas Eleições 2022 mulheres negras também são subfinanciadas: o dinheiro destinado a suas campanhas é cinco vezes menor que o repassado a candidaturas de homens brancos. Elas são o maior grupo demográfico no Brasil: 28% da população, segundo o IBGE, mas apenas 18% do total de candidaturas.  

Homens brancos são os campeões de verbas para financiamento de campanha. Eles detêm mais da metade da receita destinada a candidatos e candidatas, que totaliza R$ 5,1 bilhões. O grupo, que representa uma de cada três pessoas que competem no pleito deste ano, foi o único que recebeu uma fatia de dinheiro maior que a proporção de candidaturas. 

Muito dinheiro para homens brancos,

pouco dinheiro para mulheres negras

% do fundo

eleitoral para

campanha

51%

homens

brancos

% candidaturas

33%

21%

homens

negros

32,4%

15,7%

mulheres

brancas

15,4%

11,2%

mulheres

negras

17,7%

fonte TSE, com análise da Lagom Data até 17/09

Muito dinheiro para homens brancos, pouco dinheiro para mulheres negras

homens brancos

% do fundo

eleitoral para

campanha

51%

33%

% candidaturas

homens negros

21%

32,4%

mulheres brancas

15,7%

15,4%

mulheres negras

11,2%

17,7%

fonte TSE, com análise da Lagom Data até 17/09

“É necessário não somente reservar um espaço para candidaturas de mulheres, mas fazer com que sejam viáveis. Em um contexto de eleições proporcionais de lista aberta, no qual as pessoas precisam competir com candidatos de outros partidos e também dentro de suas próprias siglas, umas das formas de tornar as candidaturas viáveis é pela distribuição de recursos financeiros”, explica Malu Gatto, professora da University College London (Reino Unido) e cientista política que pesquisa gênero e representatividade na América Latina.

Também subrepresentadas, mulheres brancas conformam o único grupo que recebe recursos na mesma proporção de suas candidaturas: 15% do total. Em número menor que as mulheres negras, elas dispõem, juntas, de R$233 milhões a mais que as receitas destinadas a candidatas pretas e pardas. 

Os dados do TSE, extraídos em 17 de setembro, são do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e consideram o total das receitas de candidatos e candidatas, o que inclui o financiamento público e doações de pessoas físicas para as campanhas eleitorais, que constituem menos de 5% das receitas. 

No dia 13 de setembro, venceu o prazo para que partidos apresentassem a prestação parcial de contas do financiamento de campanhas. No mesmo dia, candidaturas de mulheres e pessoas negras deveriam ter recebido integralmente os recursos destinados a elas por suas siglas. 

A data foi estipulada pela corte eleitoral em decisão de dezembro de 2021 com o objetivo de  resguardar o espírito da lei 12.034, que instituiu as cotas de gênero para eleições proporcionais no Brasil: o de que essas candidaturas recebam a estrutura necessária para disputar as vagas em jogo. 

Gatto lembra, no entanto, que as novas regulações vêm acompanhadas de estratégias de resistência por parte de quem dominou a política institucional até pouco tempo: os homens. Um dos subterfúgios é a apresentação de candidatas laranja, aquelas que são lançadas apenas para garantir o respeito às cotas, mas não recebem recursos e estrutura para fazer campanha. 

ler Leia também: Candidaturas negras são 60% das que receberam de 0 a 2 votos

Financiamento público reduz brechas, mas distribuição precisa melhorar

Eleita vice-governadora do Espírito Santo em 2018, Jacqueline Moraes (PSB) foi líder comunitária, camelô e a primeira mulher e pessoa negra a assumir o cargo no estado. Candidata a deputada federal em 2022, ela defende o financiamento público de campanhas como estratégia para reduzir as brechas de representatividade na política institucional.

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Para que grupos chamados de minorias participem da política é fundamental o recurso público de campanha. Eu nunca teria a possibilidade de chegar a um empresário e pedir dinheiro para financiar uma disputa eleitoral”, afirma Jaqueline.

O Brasil conta hoje com duas fontes de financiamento público para campanhas eleitorais: o Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos, conhecido como Fundo Partidário, e o Fundo Especial de Financiamento de Campanha, conhecido como Fundo Eleitoral. 

Criado em 1995 pela Lei das Eleições, o Fundo Partidário é repassado anualmente às siglas e serve para cobrir despesas cotidianas, além de financiar campanhas eleitorais. O dinheiro vem de multas e penalidades eleitorais, de recursos da União e de outras fontes determinadas por lei.

Já o Fundo Eleitoral foi criado em 2017, depois que uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) e a lei 13.165, ambas de 2015, passaram a vedar doações de pessoas jurídicas a campanhas eleitorais. O dinheiro vem dos recursos da União e só pode ser usado em campanhas eleitorais. 

Os partidos políticos definem suas próprias regras para distribuição dos recursos do Fundo Eleitoral, mas devem antes apresentar ao TSE os critérios para repasse de verbas. Com a Emenda Constitucional n° 117, de abril de 2022, nas eleições deste ano a fatia destinada para candidaturas de mulheres deve ser idêntica à proporção de candidatas, ou seja, no mínimo 30% do total, uma vez que essa é a cota mínima de candidaturas femininas.

Na avaliação de Gatto, ainda é difícil vislumbrar a aprovação de uma lei de paridade de gênero no Brasil, como as que já existem em outros países da América Latina e foram aprovadas dentro de contextos de reformas eleitorais ou constitucionais mais amplas. Mas é preciso fortalecer as leis que já existem hoje. 

“Não existem muitas alternativas senão acelerar o processo de fechar brechas. Com a entrada de mais pessoas de grupos sub-representados na política, essas pessoas também pensam em como aumentar sua própria representação política, em uma lógica de autopreservação dentro do sistema”, avalia a cientista política. “É um processo longo, que no Brasil se tornou ainda mais longo que em outros países da região, porque  aqui houve uma demora grande em agir para fortalecer as leis de cotas.”

Jacqueline Moraes também admite que uma lei de paridade dificilmente seria aprovada no contexto atual. Apesar de favorável à medida, ela defende que primeiro seja implementada uma reserva de cadeiras para eleições proporcionais, ou seja, que legislativos sejam compostos obrigatoriamente por 30% de mulheres eleitas. 

“A chegada de mais mulheres pode acelerar o aumento da representatividade no legislativo federal. Nós não vamos apagar 400 anos de história com 90 anos de voto feminino. Os avanços são lentos, mas acontecem. O copo parece meio vazio, mas quando olhamos para a história, ele fica meio cheio”, conclui a candidata.

 


 

Aline Gatto Boueri é colaboradora da Gênero e Número e Marcelo Soares é diretor do Lagom Data 

 

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