Criação de comitê para assessorar TSE no monitoramento de casos, formulação de protocolos de atendimentos às vítimas e criação de um fundo para combate à violência política são algumas recomendações de pesquisadora do Instituto Marielle Franco para garantir que mulheres eleitas exerçam seus mandatos em segurança
Na primeira eleição municipal após assassinato de Marielle, mulheres negras eleitas são alvos de discurso de ódio e ameaças
Por Vitória Régia da Silva*
Nesta terça-feira (8), completaram-se 1.000 dias do assassinato de Marielle Franco, vereadora eleita no Rio de Janeiro que teve seu mandato e vida interrompidos no dia 14 de março de 2018. Depois de 33 meses, o caso segue sem solução e ainda não se sabe quem mandou matar a vereadora. Na primeira eleição municipal após sua morte, mulheres negras eleitas seguem vítimas de violência política, discurso de ódio e ameaças de morte.
Primeira mulher negra na Câmara Municipal de Curitiba, Carol Dartora (PSOL) sofreu com ataques racistas logo após sua eleição. O agressor mandou um e-mail com ofensas racistas e ameaça de morte. A suspeita é de um ataque coordenado, já que o agressor também enviou um email no mesmo tom para Duda Salabert (PSOL), mulher trans e vereadora mais votada de Belo Horizonte (MG). No sul do país, Ana Lúcia Martins (PT), eleita vereadora de Joinville (SC), também foi vítima de racismo e ameaças de morte nas redes sociais.
“Querem nos silenciar antes mesmo de tomarmos posse. Querem diminuir nosso grito por liberdade e justiça. Porém, sigo ainda mais resoluta a lutar por um mundo onde todos e todas tenham direito e acesso a igualdade e dignidade (…) Não queremos mais casos como o da Marielle. Não queremos mártires. Queremos fazer política e lutar por um presente e futuro melhores. Combinaram de nos matar, mas nós combinamos de ocupar todos os espaços, inclusive a Câmara Municipal de Curitiba”, disse Dartora em nota à imprensa.

De acordo com a pesquisa “A Violência Política Contra Mulheres Negras” do Instituto Marielle Franco em parceria com a Justiça Global e Terra de Direitos, divulgada nesta quinta (10), 98,5% das mulheres negras que responderam ao estudo relataram que sofreram mais de uma violência política. A violência virtual foi a mais presente. Em cada 10 mulheres negras, 8 sofreram violência virtual nas eleições de 2020, que inclui desde invasões de salas online até ofensas racistas e misóginas.
“Após o fim do período eleitoral, vimos o desafio que vai ser essas mulheres negras exercerem os seus mandatos. Todos os ataques coordenados, além da ameaça de morte, que é gravíssima, pediam que elas desistissem do cargo ao qual foram eleitas. Logo após as eleições, o que está posto é um cenário em que a justiça eleitoral vai ter que se provar responsável por essas mulheres eleitas e a responsabilidade que os partidos políticos terão em fornecer cuidado para essas mulheres”, destaca Fabiana Pinto, pesquisadora do Instituto Mariele Franco e articuladora do Mulheres Negras Decidem.
Violência racial e de gênero
Única prefeita negra eleita no segundo turno, Suéllen Rosim (Patriota/SP) recebeu ataques racistas às vésperas da votação, em Bauru (SP). As ofensas teriam sido postadas no Facebook e disseminadas pelo Whatsapp. Rosim registrou boletim de ocorrência.
“Recebi conversas de cunho racista feitas em um grupo de Whatsapp e comentários nas redes sociais. Jamais me silenciarei diante de algo tão sério. É inadmissível. Já tomei as medidas judiciais necessárias. Obrigada pelas mensagens de apoio”, disse a prefeita eleita, em postagem na rede social.
A pesquisa do Instituto Marielle Franco foi realizada de forma virtual, de 21 a 28 de outubro. Participaram 142 mulheres negras candidatas, de 21 estados do Brasil, 93 municípios e 16 partidos. Todas elas estavam comprometidas com a Agenda Marielle Franco. Em novembro, foram divulgados os dados preliminares e, nesta quinta, foi publicada a pesquisa completa.
“Essa campanha foi marcada por discurso de ódio e por uma incompetência dos partidos e instituições em protegerem as mulheres. A violência virtual marca a insuficiência das instituições de orientarem as mulheres negras em como navegar nesse espaço. A violência virtual que sofreram foi de misoginia e racismo em suas redes, além de invasão de conta”, avalia a pesquisadora. “A violência LGBTfóbica foi muito presente, apesar de a maioria das respondentes não serem LGBTs; existe um ódio de gênero e sexualidade muito presente quando falamos de violência virtual”. A pesquisa revela que 14,6% dos indivíduos identificados como praticantes de violência virtual estão ligados a grupos neonazistas, racistas e antifeministas.
A violência institucional também esteve presente nestas eleições. Segundo a pesquisa, 33% das entrevistadas relataram que sofreram com intimidação pela desistência de candidaturas ou para a concordância com decisões partidárias, 29% não receberam nenhum recurso financeiro do partido para a campanha e 2,5% foram ameaçadas de morte.
A violência e barreiras para mulheres negras entrarem na política institucional podem vir do próprio partido. Neste tipo de violência, os principais agressores são os próprios dirigentes do partido político (50,7%), seguidos de militantes do partido (12,3%) e servidores, juízes, promotores de justiça eleitoral (9,5%).
Quem protege as eleitas?
No Congresso, diversos projetos de lei tratam do combate à violência política de gênero. É o caso do PL 349/2015, de autoria de Rosangela Gomes (PRB/RJ), que trata do combate à violência e à discriminação político-eleitorais contra a mulher. Este ano também foi apresentado o Projeto de Lei 4963/20 , de autoria de Margarete Coelho (PP/PI), que prevê pena de reclusão de um a três anos, além do pagamento de multa para a prática de violência política contra mulheres ou em razão de gênero, com o propósito de restringir, impedir ou dificultar o exercício de seus direitos políticos.
Nesta quinta-feira (10), o Instituto Marielle Franco terá uma audiência com o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, para falar sobre a pesquisa e sobre medidas para proteção e garantia do livre exercício de mulheres negras candidatas e eleitas. “Apesar das organizações sociais estarem fazendo esse trabalho de acolher as eleitas, precisamos chamar essa responsabilidade para a Justiça Eleitoral. Não dá para a sociedade civil fazer políticas de segurança para parlamentares”, alerta Fabiana Pinto.
Para a pesquisadora, é necessário que o poder público proteja essas mulheres: “O primeiro passo é o reconhecimento dessa violência, de que mulheres vão sofrer violência política de forma distinta. Elas sofrem um tipo de violência que é muito cruel, existe uma intimidação muito forte, deslegitimação, de dizer que aquele lugar não é da mulher.”
Além disso, as recomendações são a criação de um Comitê Assessor ao TSE formado por especialistas e sociedade civil para monitorar esses casos, o que ainda não existe; criar protocolos de atendimentos para as vítimas nas casas legislativas municipais; e um fundo ou cota financeira para combate à violência política contra mulheres, que tenha como objetivo esse apoio emergencial a candidatas e eleitas ameaçadas.
*Vitória Régia da Silva é repórter da Gênero e Número