Na primeira década do século 21, as mulheres pela primeira vez ultrapassaram os homens na formação em mestrado e doutorado no Brasil. Elas hoje são maioria em todos os níveis de ensino e também nas bolsas de iniciação científica, mestrado e pós-doutorado do CNPq, a principal agência estatal de fomento à pesquisa do país, e empatam com eles nas bolsas de doutorado. No entanto, eles continuam à frente na docência universitária, tanto na graduação quanto na pós-graduação, e chegam antes e muito mais numerosos nas bolsas de Produtividade em Pesquisa do CNPq, destinadas a cientistas que se destacam em suas áreas.
Mas aqui não se trata de um mero teto de vidro, aquele que impede a ascensão das mulheres aos postos mais altos em tantas (todas?) profissões. Na ciência e na Academia, pode-se falar em um labirinto de cristal – uma série de obstáculos presentes ao longo de toda a trajetória das mulheres e que dificulta e atrasa o percurso delas nesse campo, quando não determina a desistência da carreira.O conceito é da pesquisadora Betina Stefanello Lima, uma das cientistas e mães entrevistadas no especial “Sem considerar maternidade, ciência brasileira ainda penaliza mulheres”, que compõe a edição n.10 da Gênero e Número, com o tema Mulheres na Ciência.
O escasso apoio e as penalidades que se impõem às profissionais que se tornam mães não são exclusivos ao meio científico e têm sido debatidos há décadas por teóricas do trabalho. As particularidades do campo científico, com suas exigências de alta produtividade e alta competitividade, trazem, entretanto, desafios específicos às mulheres que são mães. Na reportagem, investigamos por que isso acontece, o que isso diz sobre os espaços de produção científica no Brasil e como as instituições e agências de fomento podem apoiar as cientistas que têm filhos.
Para as mulheres negras, o labirinto de cristal é ainda mais estreito e tortuoso. Segundo dados do último Censo da Educação Superior, realizado em 2016, há pouco mais de 200 mulheres pretas com doutorado dando aula na pós-graduação. As mulheres pardas são pouco mais de 1 mil. As brancas, 10 mil. A reportagem “Menos de 3% entre docentes da pós-graduação do país, doutoras negras desafiam racismo na academia” aborda a parca representação das mulheres negras na docência de mestrados e doutorados no Brasil, um dos locus de produção de conhecimento científico e onde se formam as novas levas de cientistas do país, tratando também de como o racismo se manifesta e impacta as trajetórias de docentes e cientistas negras.
Outro atestado da exclusão das pessoas negras da ciência e da pesquisa brasileiras é o fato de que, nos últimos cinco anos, a proporção de bolsistas do CNPq que se identificam como pretos e pardos não chega a 30% – isso em um país com 54% da população negra. A Gênero e Número conseguiu dados inéditos junto ao órgão federal sobre cor/raça de bolsistas de 2013, quando esta informação começou a ser coletada nos currículos de pesquisadores na plataforma Lattes, a 2017. Eles são apresentados em um gráfico interativo que permite explorar cor/raça, gênero, faixa etária, modalidade de bolsa e área de conhecimento dos pesquisadores bolsistas da instituição.
Se 2018 promete sacudir o país com Copa do Mundo e Eleições, no mundo da Matemática o megaevento é o Congresso Internacional de Matemáticos, que acontece a cada quatro anos. O congresso, cuja primeira edição aconteceu em 1897, é o mais importante do mundo nesse campo científico e esse ano acontece no Rio de Janeiro. As matemáticas brasileiras até então nunca constaram na programação principal. Mas neste ano será diferente. A reportagem “Com comitês de gênero, matemáticas brasileiras ganham força e estreiam em congresso centenário” aborda o protagonismo das mulheres brasileiras nessa área da ciência.
É possível uma ciência feminista? Essa foi uma das perguntas que fizemos à pesquisadora Marina Fisher Nucci, pós-doutoranda na Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e entrevistada desta edição. Ao longo da história da ciência, foram inúmeras as tentativas de atribuir origens biológicas às diferenças entre mulheres e homens e, por meio delas, justificar a exclusão delas de determinadas áreas – como o próprio campo científico – e fundamentar uma suposta inferioridade das mulheres em relação aos homens. Nucci se dedicou em seu doutorado a analisar essas tentativas e a crítica feminista promovida por cientistas, em sua maior parte mulheres, a essa tendência. Em conversa com a Gênero e Número, Nucci falou sobre como a produção científica pode e deve levar em conta os contextos social, cultural e político em que está inserida.
Trazemos também nessa edição um infográfico para ilustrar os caminhos de mulheres e homens na ciência no Brasil e os dados que apontam as assimetrias de gênero nesses percursos. As etapas da carreira formal na ciência no país são percorridas por todos, mas um grupo chega mais rápido e em maior número ao topo. Adivinha qual?