Foto: George Pimentel / CFC

Editorial: Direitos reprodutivos por sobrevivência, saúde pública e equidade de gênero

  • Expediente

    ver mais

Direitos reprodutivos são direitos humanos. Foi o que decidiram 179 países reunidos em Cairo, capital do Egito, na Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento das Nações Unidas, em 1994. A partir desta resolução, calcada nas lutas de movimentos de mulheres do mundo todo, estabeleceu-se que Estados devem garantir o acesso universal de suas populações a serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo planejamento familiar, contracepção e educação sexual, além de trabalhar pela igualdade de gênero.

Uma das principais metas estabelecidas pela conferência foi a redução da mortalidade materna. Nos últimos dez anos, o Brasil retrocedeu nesse sentido: a taxa de mortalidade de mulheres passou de 12 para 16 a cada 100 mil partos no SUS (Sistema Único de Saúde), um aumento que se evidencia desde 2015.

Essa taxa, porém, não é igual para todas. Para as pretas, a taxa de mortalidade durante o parto e o pós-parto foi duas vezes maior do que para as brancas entre 2008 e 2017, segundo dados inéditos levantados pela Gênero e Número junto ao Ministério da Saúde por meio da Lei de Acesso à Informação. A reportagem de Lola Ferreira investiga essa desigualdade e traz casos de mulheres pretas que morreram nessa situação por uma combinação de fatores que pode ser creditada ao racismo institucional, como explicam as especialistas ouvidas na matéria.

As pessoas trans também enfrentam uma exclusão institucionalizada na atenção a seus direitos reprodutivos. Apenas por existir, elas já evidenciam os limites de um serviço de saúde que iguala órgão genital a gênero. A repórter Vitória Régia da Silva conversou com pessoas que passaram pela transição de gênero sobre as dificuldades que enfrentam para garantir seu direito a serviços de saúde reprodutiva e à própria parentalidade.

O direito ao aborto legal, seguro e gratuito é sem dúvida a pauta que recebe mais atenção dentro do universo dos direitos reprodutivos. No Brasil, o debate sobre o direito das mulheres à interrupção voluntária da gravidez recebeu muita atenção no mês de agosto, quando o STF (Supremo Tribunal Federal) realizou uma audiência pública para debater uma ação que pede a descriminalização do aborto. Lá estiveram especialistas da saúde e representantes de organizações civis, com muitas religiosas entre elas.

Embora instituições religiosas, especialmente as cristãs, sejam um dos motores da restrição dos direitos das mulheres a seu próprio corpo, há mulheres religiosas que baseiam sua luta pelos direitos reprodutivos e pelo aborto em sua fé. A repórter Mariana Bastos conversou com algumas delas e apresenta os nós dessa disputa entre cristãos pró e contra o direito ao aborto legal.

Nos países que legalizaram o aborto nos últimos dez anos, o mundo não se acabou. É o que mostra a repórter Aline Gatto Boueri na reportagem que traz dados pós-legalização da interrupção voluntária da gravidez em Portugal (2007), Espanha (2010) e Uruguai (2012). Se na Espanha os números indicam desde o primeiro ano em vigor da lei uma diminuição do número de abortos, em Portugal e Uruguai é possível observar um aumento do número de procedimentos nos primeiros anos após a legalização. A tendência de aumento caiu em Portugal a partir do quarto ano da lei, o que especialistas apostam que deve acontecer também no Uruguai. Mais importante, os três países alcançaram o objetivo dos movimentos de mulheres no Brasil e no mundo por esse direito: nenhuma mulher morta por aborto legal.

Um argumento recorrente levantado por quem se opõe à legalização do aborto é de que uma gestação indesejada é consequência da “irresponsabilidade” da mulher. Esta ideia, que mal disfarça o ímpeto de penalizar as mulheres que usufruem de sua sexualidade, também denota a ignorância sobre a real eficácia dos métodos contraceptivos disponíveis no mercado ou no SUS. Trazemos um lembrete: contraceptivos falham. É importante entender como funcionam estes métodos e quais são os prós e contras de cada um deles para escolher o que mais se adequa a suas condições de saúde e estilo de vida.

Contracepção não tem sexo ou gênero, mas são as pessoas que têm ovários e útero que tendem a ser responsabilizadas pela reprodução. Os homens cisgênero – os que têm pênis e testículos – com frequência se esquivam da corresponsabilidade pela contracepção e pela saúde sexual e reprodutiva, deles e de suas parceiras e parceiros.

Na entrevista desta edição, perguntamos ao pesquisador e professor da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) Jorge Lyra: e os homens? Onde eles se encaixam neste debate? O especialista em saúde e masculinidades lembrou que as ações de cada indivíduo são conformadas pela cultura. Ressalvou, porém, que isso não justifica a ausência masculina neste campo, mas sim evidencia a importância de transformar a cultura que desresponsabiliza homens e impõe um fardo extra às mulheres para alcançar a igualdade entre os gêneros em todos os campos, inclusive o sexual e reprodutivo.

Leia a edição n. 11 da Gênero e Número e siga nossos perfis no Twitter, Facebook e Instagram.

Expediente

Edição:

Carolina de Assis

Reportagem:

Aline Gatto Boueri

Carolina de Assis

Lola Ferreira

Mariana Bastos

Vitória Régia da Silva

Supervisão editorial:

Giulliana Bianconi

Direção de arte:

Maria Lutterbach

Coordenação de dados e visualizações:

José Lery

Infográficos:

Marília Ferrari

Carolina de Assis

Carolina de Assis é uma jornalista e pesquisadora brasileira que vive em Juiz de Fora (MG). É mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda). Trabalhou como editora na revista digital Gênero e Número e se interessa especialmente por iniciativas jornalísticas que promovam os direitos humanos e a justiça de gênero.

Se você chegou até aqui, apoie nosso trabalho.

Você é fundamental para seguirmos com o nosso trabalho, produzindo o jornalismo urgente que fazemos, que revela, com análises, dados e contexto, as questões críticas das desigualdades de raça e de gênero no país.

Somos jornalistas, designers, cientistas de dados e pesquisadoras que produzem informação de qualidade para embasar discursos de mudança. São muitos padrões e estereótipos que precisam ser desnaturalizados.

A Gênero e Número é uma empresa social sem fins lucrativos que não coleta seus dados, não vende anúncio para garantir independência editorial e não atende a interesses de grandes empresas de mídia.

Quero apoiar ver mais