Fotos: Geraldo Magela (Ag. Senado) | Divulgação

Diálogos possíveis: Janaina Paschoal (PSL/SP) e Mônica Francisco (PSOL/RJ)

As duas deputadas recém eleitas e tão distantes no espectro político aceitaram o convite da Gênero e Número para uma conversa franca e respeitosa; na pauta, feminismos, a importância das Assembleias Estaduais e justiça para Marielle Franco

Por Maria Martha Bruno*

Uma simples vogal e uma infinidade de ideias distanciam PSOL e PSL no cenário político do país, posicionando os dois partidos em lados virtualmente incomunicáveis. Mas a Gênero e Número acredita que essa distância pode ser superada pelo respeito e pelo diálogo aberto e franco, que vá além do lugar-comum da polarização. Mulheres de todos os matizes políticos ampliaram sua presença no Legislativo nestas últimas eleições: foram 50% mais eleitas para a Câmara dos Deputados e 37% mais nas assembleias estaduais em comparação com 2014. Cada vez mais elas terão de trabalhar juntas, apesar das diferenças.

Numa tentativa de estabelecer pontes entre lados antagônicos, pedimos a Janaina Paschoal (PSL/SP), estreante na Assembleia Legislativa de São Paulo e deputada estadual mais votada da história do Brasil, e a Mônica Francisco (PSOL/RJ), também novata no parlamento estadual e ex-assessora de Marielle Franco, que enviassem, cada uma, três perguntas à outra. Ambas concordaram com a proposta e, em vez de apenas três questões, mandaram comentários e perguntas complementares sobre assuntos como feminismo, corrupção e direitos humanos.  Ao se despedir, Janaina agradeceu “a honra de manter este diálogo” com a parlamentar do PSOL, enquanto Mônica ressaltou a importância de a parlamentar do PSL ter lido a dissertação de mestrado de Marielle. Por email e WhatsApp, ambas estabeleceram uma conversa civilizada que, além das óbvias diferenças, também expôs pontos em comum.

Leia abaixo as perguntas e as respostas de Mônica Francisco e Janaina Paschoal.

Janaina Paschoal, deputada estadual eleita em São Paulo pelo PSL | Foto: Edilson Rodrigues/Ag. Senado

Mônica Francisco: Cara Janaina, você foi a deputada estadual mais votada da história do país e li que pode concorrer à Presidência da Assembleia Legislativa de São Paulo. O que significa para você essa responsabilidade? O que muda na sua história deixar a sala de aula para assumir um cargo legislativo no Estado? O que você acredita que seja possível fazer para renovar e transformar o sistema político exercendo essa função?

Janaina Paschoal: Obrigada pelas perguntas, Mônica. E muitos parabéns por sua eleição. Não é fácil deixar a sala de aula e o escritório de advocacia que tenho com minhas irmãs, mas eu acredito que nosso país atravessa um momento tão significativo, que todos que têm como contribuir estão convocados a se dedicar exclusivamente a ele. Minha esperança é levar todas as ideias que desenvolvo em sala de aula, no âmbito da segurança pública, da educação e da cidadania, para o Estado. Não vejo como uma mudança de história, mas como uma continuação. Em um primeiro momento, não pensei em concorrer à Presidência da assembleia. Mas a votação expressiva me estimulou, e os eleitores (sobretudo as eleitoras) pedem bastante. Algumas exigem (risos). As mulheres estão se sentindo representadas, mesmo as que não concordam comigo. É um fenômeno interessante.

Mônica Francisco: O presidente eleito Jair Bolsonaro fez diversas declarações contrárias à Lei do Feminicídio. Nós sabemos que a violência contra as mulheres é um crime subnotificado e necessita de fiscalização constante por parte do Poder Legislativo, para a efetivação das políticas públicas de atenção às mulheres. Como deputada estadual eleita, você concorda com as declarações do presidente eleito sobre feminicídio? De que forma irá atuar no combate à violência contra as mulheres?

Janaina Paschoal: Mesmo antes de sonhar votar em Bolsonaro, eu já era crítica ao tipo penal do feminicídio. Não acredito que criando leis separadas resolveremos a questão. Sou penalista, reconheço a importância do Direito Penal, mas ele não resolve tudo. Sou muito favorável às ações afirmativas, mas não no âmbito do Direito Penal. A maior parte dos feminicídios já era homicídio qualificado. A alteração foi mais simbólica do que prática. Eu acredito que a vida de um ser humano, seja homem, seja mulher, é sempre valiosa, e nosso país, infelizmente, não respeita a vida. Nossos índices criminais são mais elevados que os números de baixas em guerras. A violência no Brasil vai muito além da questão feminina. Para a violência contra as mulheres, bons abrigos, mediação de conflitos, ensinar as meninas, desde cedo, a serem independentes financeiramente, a meu ver, são caminhos mais efetivos. Não compactuo da visão de que meninas são princesas à espera de um príncipe. Esse ideal sobrecarrega mulheres e homens, que bebem e se drogam, por não corresponder às expectativas.

Mônica Francisco: Você concorda que o feminismo pode ser ferramenta de transformação da sociedade? Acha que parte da renovação política pode vir das mulheres? As mulheres são capazes de atrair demandas que a política dominada pelos homens esqueceu ao longo da história brasileira? A senhora vislumbra qual futuro para o protagonismo das mulheres no Brasil, diante de tantos ataques à pauta feminista?

Janaina Paschoal: Eu penso que há muitos feminismos e é difícil falar sobre todos eles genericamente. Eu, por exemplo, a depender do público, sou considerada feminista. Em outros ambientes, sou chamada de machista. Eu me considero feminista, por não admitir que as mulheres se submetam a uma condição subsidiária. Mas costumo ser muito dura com as mulheres, pois essa posição é cômoda e muitas não querem correr os riscos de sair dos bastidores. Entende? Há anos, incentivo as advogadas a não aceitar ficar por trás de um homem no escritório. Algumas escrevem todas as petições e nunca aparecem. Na política, as mulheres terão que abandonar a postura da cotista. Do vaso, enfeitando o ambiente. Abandonar um pouco o discurso que gira em torno de ser mulher. Só assim os homens da política começarão a nos ver como políticas completas.

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Eu penso que há muitos feminismos e é difícil falar sobre todos eles genericamente. Eu, por exemplo, a depender do público, sou considerada feminista. Em outros ambientes, sou chamada de machista. Eu me considero feminista, por não admitir que as mulheres se submetam a uma condição subsidiária.

— Janaina Paschoal (PSL/SP)

Mônica Francisco, deputada estadual eleita no Rio de Janeiro pelo PSOL | Foto: Divulgação

Janaina Pascoal: Cara Mônica, primeiramente, parabéns por sua eleição. Você acredita que esta operação que investiga irregularidades na Assembleia do Rio de Janeiro, envolvendo as mais diversas siglas partidárias, poderá ser útil ao seu mandato? Crê que será mais fácil convencer os futuros colegas de que é certo fazer o certo?

Mônica Francisco: Obrigada, Janaina. A investigação e a luta contra a corrupção são importantes para a democracia. Mas não é só uma questão de convencimento do outro. Para mudar a política é preciso mudar o sistema, a relação com as empresas, os modos de fazer campanha, entre outras coisas, para que políticos corruptos simplesmente não consigam atuar e para que tenhamos uma representação mais diversa. A população está cansada de ver o dinheiro público ser desviado, quando poderia estar sendo investido em educação, saúde, saneamento, transporte e alimentação. Qualquer partido ou projeto político que tenha a intenção de ter legitimidade popular deve ser transparente e fazer uso correto dos recursos públicos aos quais tem acesso. A tentativa, todos os dias, é de fazer o certo e influenciar positivamente quem nos cerca.

Janaina Paschoal: Você entende que a competência do Poder Legislativo estadual é compatível com o custo de manutenção das Assembleias? Vê espaço para fortalecimento do colégio das Assembleias?

Mônica Francisco: As Assembleias Legislativas nos estados têm uma importância ímpar, embora espremidas pelas competências das Câmaras Federal e Municipal. Fortalecer este colégio de representação é uma tarefa que demanda maior fiscalização do Poder Executivo e maior acompanhamento das pautas que a população cobra. Precisamos combater os privilégios e benefícios que fogem da necessidade da atividade parlamentar, mas não podemos cair no discurso fácil de cortar todos os gastos e reduzir o Estado ao mínimo. Afinal, para que a atividade parlamentar seja realizada de forma séria e para que corresponda à expectativa da população é necessária estrutura para pesquisa, produção legislativa, comunicação da prestação de contas, e uma equipe que mantenha o gabinete aberto todos os dias da semana para atender às pessoas. Isso não é de graça. É muito comum ouvirmos pessoas ricas, que receberam heranças ou enriqueceram com especulação financeira, dizendo que não precisam de recursos públicos. Essa não é a realidade da maioria da população. No caso do Rio de Janeiro, é importante fortalecer a transparência, mais ainda em um momento de tanta visibilidade do parlamento estadual, de forma negativa, infelizmente.

Janaina Paschoal: Eu li a dissertação de mestrado de Marielle. Gostei muito da parte em que ela descreve a sistemática do policiamento nas comunidades. Até discuti o trabalho dela com meus alunos de pós [-graduação em Direito da Universidade de São Paulo, USP]. No entanto, a dissertação ainda traz um tom de vitimização do criminoso. Por outro lado, em razão do crime bárbaro de que Marielle foi vítima, cobra-se (com razão) punição exemplar. Como compreender uma esquerda que toma o criminoso como vítima da sociedade e, ao mesmo tempo, cobra duras penas quando um dos seus é alvo? Reitero meus sentimentos pela perda de Marielle.

Mônica Francisco: É muito importante que o trabalho de Marielle tenha chegado até você! O crime contra Marielle Franco foi político, contra uma mulher, negra, no exercício de seu mandato e, nesse caso, a luta por justiça é também a luta para que seja possível continuar atuando e agindo politicamente, sem medo. Pedir justiça para Marielle é pedir que as penas previstas sejam cumpridas por quem matou e quem mandou matá-la. Criticar o sistema penal e a política de segurança pública não é abolir a justiça. É lutar para que ela seja de fato justa, que colabore para uma sociedade de oportunidades mais iguais, sem racismo ou qualquer tipo de discriminação pela origem da pessoa. É muito importante que seja possível lutar na defesa dos direitos humanos sem que isso coloque em risco nossas vidas. É uma luta por democracia radical, que seja vivida por todos e todas.

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Pedir justiça para Marielle é pedir que as penas previstas sejam cumpridas por quem matou e quem mandou matá-la. Criticar o sistema penal e a política de segurança pública não é abolir a justiça. É lutar para que ela seja de fato justa, que colabore para uma sociedade de oportunidades mais iguais, sem racismo ou qualquer tipo de discriminação pela origem da pessoa. É muito importante que seja possível lutar na defesa dos direitos humanos sem que isso coloque em risco nossas vidas.

— Mônica Francisco (PSOL/RJ)

*Maria Martha Bruno é subeditora da Gênero e Número.

Carolina de Assis

Carolina de Assis é uma jornalista e pesquisadora brasileira que vive em Juiz de Fora (MG). É mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda). Trabalhou como editora na revista digital Gênero e Número e se interessa especialmente por iniciativas jornalísticas que promovam os direitos humanos e a justiça de gênero.

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