Plenário da Câmara dos Deputados na aprovação da Constituição de 1988 | Foto: Wikimedia Commons

Deputadas levam ao Congresso 1/3 das propostas que avançam em direitos das mulheres

A partir da análise de leis brasileiras e de propostas que tramitam para alterá-las, Gênero e Número destaca avanços e retrocessos para as mulheres

Por Bárbara Libório*

  • Principais vitórias

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  • Entraves

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Ainda que desde a redemocratização não tenham alcançado nem 10% das cadeiras da Câmara dos Deputados, as mulheres são responsáveis por 35% dos projetos de leis, projetos de leis complementares e propostas de emenda à Constituição que avançam em direitos femininos desde a Constituição de 1988. O número faz parte do levantamento da Gênero e Número com base nos dados da Câmara dos Deputados.

A ala feminina está por trás de projetos e propostas que tratam, desde 1988, principalmente de temas como violência contra a mulher, saúde e maternidade. Dentre as principais autoras de projetos que pautam direitos voltados ao campo de gênero estão Rita Camata (PSDB), cinco vezes deputada federal pelo Espírito Santo, Iara Bernardi (PT), três vezes deputada federal por São Paulo, e Érika Kokay (PT), deputada federal pelo Distrito Federal e a única entre as três que neste momento exerce mandato

Já entre os projetos vistos pela ala feminina como retrocesso no que diz respeito aos direitos das mulheres, todos têm autoria de homens – apenas um deles conta com a coautoria de uma mulher.

A maternidade no trabalho, que traz junto temas como direito ao auxílio-maternidade ou a creches nos locais de emprego, foi o primeiro grande tema debatido pós-Constituinte. “O debate sobre o direito da mulher começou em função da maternagem e das especificidades da saúde. Hoje, há uma certa unidade da bancada feminina para tratar de temas como a maior representação das mulheres no parlamento e a violência contra a mulher”, diz Érika Kokay (PT), autora de projetos de lei como o PL 4955/2016, que dispõe sobre o afastamento temporário das funções de agente público investigado por violência doméstica e familiar contra a mulher.

Mas segundo ela, há visões distintas sobre esses assuntos entre as deputadas. “Existem percepções diferentes do que são as manifestações de violência contra a mulher. Na questão do espaço maior no parlamento, há visões diferentes sobre as táticas para chegar lá.”

A deputada Érika Kokay (PT) Foto: Marcos Oliveira / Agência Senado

Há um boom de propostas de Lei que querem alterar a Lei Maria da Penha, a maior referência no legislativo entre as medidas que buscam frear estatísticas de violações contra a mulher. “Muitos textos são bons, mas o que vai ser aprovado é o de relatoria do (senador) Aloysio Nunes (PSDB), que nos preocupa”, diz Masra Abreu, do CFEMEA (Centro Feminista de Estudos e Assessoria). Ela se refere ao PLC 2/2016, que estabelece que as medidas protetivas às mulheres vítimas da violência possam ser aplicadas pelos próprios delegados de polícia que receberem a denúncia, sem a necessidade de passar pelo crivo imediato do Judiciário.

“Existe um problema do atendimento da polícia civil em relação à mulher, existe uma violência institucional. As medidas tomadas via judiciário têm um efeito que a gente acredita ser melhor do que se fosse equiparar à polícia civil. O delegado não tem formação em gênero e a violência institucional é mais acentuada nas delegacias porque a delegacia está na ponta do processo. Fizemos uma pesquisa e nem os próprios funcionários gostam de ir às delegacias de atendimento à mulher”, explica Masra. Segundo ela, esse PL é uma demanda da Polícia Civil para equiparação salarial ao Ministério Público.

Em maio deste ano, a conduta do então delegado e chefe da Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) do Rio de Janeiro, Alessandro Thiers, no caso do estupro coletivo de uma adolescente de 16 anos por 20 homens, no Rio de Janeiro, levou-o a ser afastado do caso e depois do cargo. Em quatro dias à frente da investigação Thiers demonstrou ter dúvidas sobre a veracidade do depoimento da jovem, e ainda a teria constrangido com perguntas sobre sua vida sexual. Ele também não pediu a prisão de nenhum suspeito. Quem assumiu o caso depois do seu afastamento foi a delegada Cristiana Bento, delegada-titular da Delegacia da Criança e Adolescente Vítima (DCAV), que pediu a prisão de oito envolvidos.

A delegada Cristiana Bento em coletiva de imprensa sobre o estupro coletivo de adolescente cariocaFoto: Tomaz Silva/Agência Brasil

Principais vitórias

A Lei Maria da Penha, que dispõe sobre os casos e punições da violência contra a mulher e que este ano completou dez anos, é vista como um marco da vitória feminista no aspecto político e legal. Foi articulada por um consórcio formado por pesquisadoras e organizações feministas, a Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM) e o Poder Legislativo Federal. “É uma lei que tem poder pedagógico. Ela se inseriu nas rodinhas de conversas e serviu para que a sociedade visse violências que antes eram naturalizadas. Hoje, no entanto, não sei se ela seria aprovada por esse parlamento, principalmente porque ela inclui proteção a gays e lésbicas”, diz Érika.

A deputada se refere à naturalização da violência em âmbito doméstico, que também é citada no livro “Feminismo e Política” da pesquisadora da UnB (Universidade de Brasília), Flávia Birolli. “A dualidade convencional entre vida pública e vida doméstica contribuiu para impedir a tematização da violência doméstica e do estupro no casamento. A primeira foi, por muito tempo, tida como um problema particular e, em forte medida, naturalizada como parte constitutiva da relação esperada entre homens e mulheres”

Outra grande conquista obtida com o apoio da SPM é a Lei do Feminicídio, que determina penas mais duras em assassinatos femininos envolvendo violência doméstica e familiar ou menosprezo e discriminação à condição de mulher. “Eu estava na comissão de reforma do código e quis incluir o feminicídio. A comissão vetou, não percebeu a importância disso. Eu levei a redação para a SPM e eles conseguiram pautar o assunto”, conta Luiza Eluf, advogada e ex-Secretária Nacional dos Direitos da Cidadania do Ministério da Justiça.Luiza colaborou também na redação da lei 10.224 de 15 de maio de 2001, que tornou crime o assédio sexual no Brasil, mais uma das vitórias femininas elencadas por ela, junto à reforma dos Crimes contra a Dignidade Sexual em 2009 e a PEC das domésticas, que regulamentou o trabalho doméstico no Brasil – realizado, em sua ampla maioria, por mulheres de baixa renda.

O Projeto de Lei da Câmara (PLC) 3/2013, da deputada Iara Bernardi, foi outro avanço, segundo Érika, ele propunha, no caso das mulheres vítimas de violência sexual, o direito à profilaxia da gravidez e que a mulher conhecesse os seus direitos. “Isso sofreu uma oposição muito intensa, houve muita pressão para que a presidente Dilma o vetasse”, conta.

Em 2015, o plenário do Senado aprovou a proposta de emenda à Constituição nº 134, de 2015, originária da PEC 98 de 2015, de autoria de Heráclito Fortes (PSB/PI). A PEC da Mulher, como ficou conhecida, reserva vagas para cada gênero nas casas legislativas e aguarda aprovação da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara. A aprovação desta PEC vem na esteira da minirreforma eleitoral de 2009, que reforçou um dos artigos da Lei das Eleições, garantindo que cada partido ou coligação preencha o mínimo de 30% e o máximo de 70% para candidaturas femininas e masculinas. A reserva de vagas nas candidaturas tem se mostrado insuficiente para avançar na representatividade feminina.

Veja também: Cotas aumentam candidaturas, mas ainda não alavancam número de eleitas

Entraves

Há uma série de entraves para que projetos que ampliam direitos das mulheres sejam pautados, segundo fontes ouvidas pela Gênero e Número. Os principais ainda são o conservadorismo e o fundamentalismo do Congresso. “O CFEMEA fazia, além do monitoramento dos projetos no Congresso, um trabalho de ir para a Câmara, conversar com os deputados e deputadas e explicar sobre os projetos de lei. Nesta legislatura, é difícil até entrar no Congresso. Bancadas como a BBB (bíblia, boi e bala) têm uma força imensa. Hoje conseguimos falar com poucos deputados e deputadas”, conta Masra. Os temas de direitos reprodutivos e direitos das mulheres são os mais polêmicos dentro da Câmara, segundo ela.

A criação da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, em abril deste ano, enfrentou resistência. Entre as suas atribuições está a fiscalização e acompanhamento de programas governamentais relativos à proteção dos direitos da mulher, o monitoramento das condições de trabalho, em especial da mulher do campo, e o incentivo à conscientização da imagem da mulher na sociedade. No momento, estão em tramitação na comissão projetos de lei sobre a reserva de vagas para mulheres nos contratos de execução de obras públicas, exame de gravidez por ocasião da demissão do emprego, o acesso ao atendimento policial especial ininterrupto como direito fundamental da mulher, medidas de proteção e amparo às gestantes em situação de vulnerabilidade socioeconômica, entre outros.

Retrocessos

Projetos como o Estatuto do Nascituro (PL 478/2007), que confere personalidade jurídica ao feto desde a concepção, e o PL 5069/2013, que limita o atendimento a vítimas de violência sexual, estão em tramitação e ameaçam os direitos das mulheres. Segundo o levantamento da Gênero e Número, todos os projetos considerados negativos para os direitos das mulheres têm autoria de homens – um deles conta com a coautoria de uma mulher.

O PL 5069/2013 torna mais complicado o acesso legal ao aborto em mulheres vítimas de abuso sexual e também o acesso à pílula do dia seguinte no SUS. O texto também diz que nenhum profissional de saúde ou instituição poderá ser obrigado a “aconselhar, receitar ou administrar procedimento ou medicamento que considere abortivo”. “O projeto criminaliza instigar, anunciar ou auxiliar o aborto. Ou seja, se você participa de uma manifestação feminista, você pode instigar o aborto. É uma lógica de inquisição para destruir o direito das mulheres”, afirma Érika.

Foi depois da criação desse projeto de lei que Cunha enfrentou pela primeira vez, com maior força, a pressão das ruas. Movimentos sociais, grupos de militância e mulheres de todo o país apoiaram a ala feminina da Câmara e realizaram marchas em diversas cidades brasileiras contra o PL e a agenda conservadora de Cunha.

Confira aqui a metodologia utilizada para o levantamento e a coleta de dados desta reportagem.

Bárbara é jornalista e colaboradora da Gênero e Número

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