Lins Roballo enfrenta violência dentro e fora da Câmara Municipal |Arte: Marília Ferrari e Victória Sacagami

Depoimento: “A agressão deles é resultado do medo”

Única mulher eleita para a Câmara Municipal de São Borja, no RS, a vereadora trans Lins Roballo (PT) conta como, apesar da resistência dos demais vereadores, ela tem conseguido avançar com suas propostas

Ser a única mulher eleita na Câmara Municipal [de São Borja, RS] tem sido desafiador. Na titularidade, eu sou a única mulher, a única mulher negra e única pessoa trans com mandato, mas dividimos espaços com outras mulheres que são suplentes. Eu sinto que não houve uma aproximação dessas mulheres com o nosso mandato. Tem sido um desafio por conta da estrutura político-administrativa, da questão partidária e ideológica que tem interferido no processo, e temos sentido muita pressão. 

Em janeiro, quando teve a eleição da presidência da mesa, o partido do Executivo (PP) teve a maioria dos votos e, na eleição da mesa diretora, houve um processo eleitoral estranho, em que todos os integrantes eram do mesmo partido. Entendemos que isso é até um processo antidemocrático, por não levar em consideração a multiplicidade partidária dentro da Câmara Municipal. Nosso mandato, conjuntamente com o presidente do partido, resolveu questionar juridicamente e ganhamos na Justiça. Eles tiveram que refazer o processo eleitoral da mesa, mesmo que obviamente só tenham colocado os partidos aliados.

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Desde então, tivemos embates e enfrentamentos muito grandes. Começa com a difícil aprovação dos nossos indicativos, projetos de lei e requerimentos e pedidos de informação. Nada foi aprovado ou avançou na casa, embora tenhamos percebido como resultado positivo o andamento dos nossos debates e pedidos no Executivo. Porque mesmo que o Legislativo derrube nossos pedidos, o Executivo acaba fazendo por outras vias. É o caso do Conselho Municipal da Mulher, que estava fechado há 3 anos e meio e era um pedido do mandato desde os primeiros dias. No plenário, o pedido foi derrubado por 10 votos a 5, mas mesmo assim o Conselho foi reativado. A mesma coisa com a insalubridade dos funcionários públicos. Isso se deve também à grande mobilização social que lançamos em torno das nossas preposições.

Essa dificuldade de avançar com nossas propostas tem um fundo de preconceito de gênero, racial e LGBTfobia, porque é o primeiro mandato que está ali, que tem esse posicionamento muito presente. Nunca tivemos mandatos de mulheres tão combativas. E isso se soma à situação referente à eleição da mesa diretora. Tem sido muito difícil, não há uma abertura para o diálogo. Embora eu converse com vários colegas, nas reuniões eles mudam seu posicionamento e a lógica do discurso. Não há uma intencionalidade de apoiar os projetos de lei e de entender os temas. Não tem essa abertura. 

Nesse primeiro semestre, nós encaminhamos projetos relacionados ao direito da mulher. Trabalhamos muito com os direitos da mulher no nosso município porque tivemos seis mulheres assassinadas só nos primeiros meses de 2021. Em março, do dia 1º ao dia 8, lançamos todo dia um projeto de lei referente a esse tema para a comunidade, desde o direito à proteção das mulheres que sofrem violência ao direito habitacional. Também apresentamos projetos relacionados à população LGBGT+ e à pauta racial. Alguns já foram rejeitados e outros ainda estão em tramitação.banner assine matérias

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Atualmente sou presidente da Comissão de Educação, Cultura, Juventude. É um lugar bem central porque por lá passam todos os projetos e orçamentos voltados a esses temas. Eu sou uma pessoa muito cuidadosa na condução, cobrança e no processo de trabalho da comissão. Já fizemos interlocução com o Conselho Municipal de Educação para questionar a questão da merenda escolar, por exemplo. A minha presidência foi resultado de um jogo político, em que inverti a lógica que eles queriam, que é de tentar ocupar todas as comissões, mas consegui dialogar com os vereadores e tive o apoio necessário. Sou relatora de duas comissões especiais, mas a presidência tem uma relevância maior porque conseguimos movimentar certas discussões dentro da comissão. 

Eu sou muito resiliente, estava meio preparada para essa situação de dificuldades e de violência. E isso só me fortalece porque eu sinto que a agressão deles é resultado do medo. Na democracia, nem todo mundo vai concordar com todo mundo, mas precisamos continuar com nossas lutas e disputas. A minha expectativa é continuar na luta, enfrentamento e denúncia, sem medo e com respeito ao eleitorado e ao processo que estamos vivendo.

Lins Roballo (PT), vereadora e mulher trans, única mulher e negra eleita para a Câmara Municipal de São Borja, no RS, em depoimento à repórter Vitória Régia da Silva

Vitória Régia da Silva

É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.

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