Como na “velha política”, diversidade é calcanhar de Aquiles para movimentos de renovação
Propagando ‘uma nova forma de fazer política’, movimentos tentam alcançar mínimo de 30% de mulheres, como na lei de cota de gênero para candidaturas, mas Bancada Ativista é o único com porcentagem igual ou superior. O Livres e o RenovaBR são dominados por homens. O Acredito ainda não definiu pré-candidatos, mas 50% das lideranças estaduais são mulheres.
A cientista política Tabata Amaral Lopes, 24 anos, cresceu na periferia de São Paulo e hoje é formada em Ciências Políticas e Astrofísica em Harvard. Isto já seria notório na sua trajetória, mas a paulistana tem bem mais história pra contar. Neste ano eleitoral, Tabata desponta como um dos nomes da renovação política comandada por jovens. Ela é a única mulher cofundadora do Acredito, movimento lançado em julho de 2017 junto com mais dois homens, o engenheiro e consultor José Frederico Lyra Netto e o cientista político Felipe Oriá. Gênero e raça, diz ela, estão no centro da construção da lista de pré-candidatos que o movimento pretende apoiar. Mas fazer valer a representatividade tem sido um imenso desafio.
“Nós estipulamos como regra que 1/3 dos pré-candidatos [apoiados pelo Acredito] tem que ser mulher e 1/3 tem que ser negro, mas está difícil chegarmos a este número, justamente pelas condições serem tão desiguais. Já adiamos o processo várias vezes”, conta a jovem, que acredita que o papel dos novos movimentos também é fazer com que mulheres e negros se sintam parte da política. “Uma das razões pelas quais o Brasil é tão desigual, pouco inclusivo, é o Congresso formado, em sua maioria, por homens, brancos, ricos e de família na política. A gente não diz que eles não podem estar lá, mas que não representam a realidade do Brasil. Como este Congresso vai discutir pautas da população negra, LGBT ou das mulheres?”, questiona Lopes.
Ela explica que a escolha daqueles que serão pré-candidatos é coletiva, e acontece em um processo similar ao das prévias nos partidos tradicionais.
Além do Acredito, outros movimentos de renovação política, como a Bancada Ativista, o Livres, o Agora e o Renova BR, pretendem lançar candidatos nas eleições deste ano. Com desejo de fazer uma política diferente, os movimentos não abrem mão de transparência no financiamento das campanhas e têm garantia de direitos como pauta comum. Com exceção do movimento #partidA, que lança somente candidatas mulheres, uma característica da “velha política” ainda se faz presente nos novos movimentos: a baixa representatividade de gênero nos quadros.
Com discurso contra polarização, o movimento cofundado por Tabata é um dos mais expressivos nas redes sociais, com 35 mil seguidores no Facebook. E o Acredito pretende manter boa diversidade. Atualmente, 50% das lideranças estaduais do Acredito são mulheres.
Análise da Gênero e Número sobre os líderes e/ou pré-candidatos mostra que, se fossem partidos políticos, metade dos movimentos descumpriria a cota de gênero estabelecida pela lei 9.504/97, que determina ao menos 30% das candidaturas para mulheres. Em relação à raça, apesar da população negra no Brasil ser 54%, segundo o IBGE, a representação em todos os movimentos é mínima.
Novos atores, velhos costumes
A doutora em Ciência Política Daniela Rezende analisa positivamente os movimentos, mas acredita que a renovação não pode ser até um ponto determinado, e deve quebrar também a barreira de gênero.
“Os movimentos são interessantes porque têm uma proposta de renovar não só as pessoas que ocupam os espaços de poder, e sim renovar o perfil das pessoas que se elegem. Mas provavelmente a concepção de política que está por trás ainda é aquela que associa a política como um lugar masculino”, aponta a professora departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa.
Outro expressivo movimento que vai lançar candidatos em 2018 é o Livres. Incubado no PSL (Partido Social Liberal) desde 2017, o grupo saiu do partido em janeiro deste ano após a filiação do presidenciável Jair Bolsonaro, por “divergência ideológica”. Com o burburinho do episódio, o movimento se tornou mais conhecido e hoje acumula mais de 163 mil seguidores no Facebook.
Hoje, a prioridade do movimento é lançar poucas candidaturas, mas comprometidas com os valores liberais. Em abril de 2018, o Livres já contava com 43 nomes confirmados como pré-candidatos. Destes, 84% são homens e 16% são mulheres. Segundo o movimento, a definição dos critérios para as candidaturas variou de acordo com o núcleo de cada estado, bem como o partido escolhido pelos indicados, que vai do Novo (com 13 pré-candidaturas) até o Solidariedade (com 1 candidatura).
A Bancada Ativista, movimento exclusivamente de São Paulo, surgiu em 2016 com objetivo de eleger ativistas alinhados a pautas progressistas para a Câmara Municipal. Com êxito, Sâmia Bonfim, hoje com 28 anos, teve 12.464 votos no pleito e ocupa o cargo de vereadora. Neste ano, a intenção é lançar uma candidatura plural: vários candidatos e um só número na urna eletrônica. Com 19 mil seguidores no Facebook, no primeiro quadro responsável pelas decisões, as mulheres representam 57%, mas a os negros não chegam a 5%.
Além da presença
Com foco em formação de novas lideranças políticas, o Renova BR tem 30 mil fãs no Facebook. Mensalmente, os 100 bolsistas, que recebem ajuda de custo para se dedicar exclusivamente à formação, se reúnem em São Paulo. Para escolher os novos líderes, o movimento abriu um processo seletivo em 2017 e teve 4.000 inscritos. Dos 100 selecionados, 13 são negros e as mulheres são ¼ do total. O movimento credita a disparidade na escolha à disparidade na inscrição: mais homens se candidataram.
Para Daniela Rezende, a ausência das mulheres nos processos tem de ser analisada. “O fato das mulheres não estarem na política não tem a ver com as mulheres não serem aptas ou que não querem estar ali. As características associadas aos homens são aquelas mais bem-vistas na política, e isso também influencia na ausência. A gente tem que pensar qual o contexto para a inserção dessas mulheres”, afirma a pesquisadora.
Além disso, ela destaca que o debate sobre representatividade das mulheres na nova e na velha política não pode ser só um chamariz. E vai mais longe: não pode-se apostar somente em “símbolos” enquanto eles não têm poder de decisão. “A presença não resolve tudo. Depois da presença, temos que pensar as condições de influência e a capacidade de tomar decisões que elas têm. Quais são as condições que ela tem depois de eleita? Então o desafio da representatividade é de várias etapas: no primeiro momento, mais mulheres na política, independentemente de qualquer coisa. Depois, temos que pensar quais as chances dessa mulher em mudar a política e qual a agenda dela”, explica.
Poucos nomes, muito a ser feito
As mulheres que estão no movimento de renovação e vêm candidatas estão cientes da importância da ocupação do espaço da política institucional. As pré-candidatas ouvidas pela Gênero e Número destacam a importância de uma mudança geral no que tange ao direito das mulheres.
Karla Falcão, 25 anos, é uma das pré-candidatas do Livres e se filiou ao PPS (Partido Popular Socialista) para disputar as eleições em 2018. Antes líder da juventude do PSDB no estado, a jovem historiadora decidiu tentar ocupar uma cadeira na assembleia legislativa do Estado por não acreditar na “política mal feita”, que atrapalhava seu acesso a recursos básicos, como saúde e educação.
“Sou uma menina que cresceu num bairro pobre, sem pai, sem dinheiro, estudou graças aos tios e fez faxina para pagar os materiais da faculdade. Por mais difícil que possa parecer a candidatura, esse também é o meu lugar [política partidária]. A gente tem que fazer com que os espaços de movimentos sejam espaços de acolhimento para as mulheres na política”, opina Falcão
Também fora do eixo Sul-Sudeste, Úrsula Vidal, 46 anos, desponta como uma liderança feminina nos movimentos sociais. Pré-candidata pelo PSOL-PA ao Senado, a jornalista acredita que a entrada de “cidadãos” comuns na política é uma reação natural da sociedade, mas a representatividade tem que ser melhor pautada.
“A política ainda é dominada por velhas oligarquias, principalmente patriarcais. Ainda é extremamente sexista e um machismo às vezes confesso, às vezes sutil. A participação das [novas] pessoas é uma decisão de curadoria, tem que decidir o recorte a ser feito: racial, de gênero, socioeconômico, etc. Eu acho que a falta de prioridade das mulheres tem que ser tratada como urgência, urgentíssima. Se queremos uma sociedade mais justa e uma política melhor, isso tem que ser visto principalmente nos movimentos novos”, afirma.
Os critérios adotados pela Gênero e Número para análise dos aspectos gênero e raça nos movimentos de renovação política foram a pluralidade de ideias, o comprometimento com o debate democrático, a expressividade em redes sociais e a ética política. A convergência de tais aspectos exclui o Movimento Brasil Livre da análise apresentada nesta reportagem, ainda que tenham mais de 2,7 milhões de seguidores no Facebook. A Gênero e Número se reserva o direito de não analisar o movimento que constantemente propaga o discurso anti-imprensa.
Lola Ferreira é jornalista e colaboradora da Gênero e Número
Formada pela PUC-Rio, foi fellow 2021 do programa Dart Center for Journalism & Trauma, da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia. Escreveu o manual de "Boas Práticas na Cobertura da Violência Contra a Mulher", publicado em Universa. Já passou por Gênero e Número, HuffPost Brasil, Record TV e Portal R7.
Se você chegou até aqui, apoie nosso trabalho.
Você é fundamental para seguirmos com o nosso trabalho, produzindo o jornalismo urgente que fazemos, que revela, com análises, dados e contexto, as questões críticas das desigualdades de raça e de gênero no país.
Somos jornalistas, designers, cientistas de dados e pesquisadoras que produzem informação de qualidade para embasar discursos de mudança. São muitos padrões e estereótipos que precisam ser desnaturalizados.
A Gênero e Número é uma empresa social sem fins lucrativos que não coleta seus dados, não vende anúncio para garantir independência editorial e não atende a interesses de grandes empresas de mídia.