Karla Falcão no evento de apresentação dos bolsistas do Renova BR. Foto: Reprodução / Youtube Renova BR

Como na “velha política”, diversidade é calcanhar de Aquiles para movimentos de renovação

Propagando ‘uma nova forma de fazer política’, movimentos tentam alcançar mínimo de 30% de mulheres, como na lei de cota de gênero para candidaturas, mas Bancada Ativista é o único com porcentagem igual ou superior. O Livres e o RenovaBR são dominados por homens. O Acredito ainda não definiu pré-candidatos, mas 50% das lideranças estaduais são mulheres.

Por Lola Ferreira*

  • Novos atores, velhos costumes

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  • Além da presença

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  • Poucos nomes, muito a ser feito

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A cientista política Tabata Amaral Lopes, 24 anos, cresceu na periferia de São Paulo e hoje é formada em Ciências Políticas e Astrofísica em Harvard. Isto já seria notório na sua trajetória, mas a paulistana tem bem mais história pra contar. Neste ano eleitoral, Tabata desponta como um dos nomes da renovação política comandada por jovens. Ela é a única mulher cofundadora do Acredito, movimento lançado em julho de 2017 junto com mais dois homens, o engenheiro e consultor José Frederico Lyra Netto e o cientista político Felipe Oriá. Gênero e raça, diz ela, estão no centro da construção da lista de pré-candidatos que o movimento pretende apoiar. Mas fazer valer a representatividade tem sido um imenso desafio.

“Nós estipulamos como regra que 1/3 dos pré-candidatos [apoiados pelo Acredito] tem que ser mulher e 1/3 tem que ser negro, mas está difícil chegarmos a este número, justamente pelas condições serem tão desiguais. Já adiamos o processo várias vezes”, conta a jovem, que acredita que o papel dos novos movimentos também é fazer com que mulheres e negros se sintam parte da política. “Uma das razões pelas quais o Brasil é tão desigual, pouco inclusivo, é o Congresso formado, em sua maioria, por homens, brancos, ricos e de família na política. A gente não diz que eles não podem estar lá, mas que não representam a realidade do Brasil. Como este Congresso vai discutir pautas da população negra, LGBT ou das mulheres?”, questiona Lopes.

Cofundadora do Acredito, Tabata Amaral defende diversidade no quadro de candidatos apoiados pelo movimento. Foto: Arquivo pessoal

Ela explica que a escolha daqueles que serão pré-candidatos é coletiva, e acontece em um processo similar ao das prévias nos partidos tradicionais.

Além do Acredito, outros movimentos de renovação política, como a Bancada Ativista, o Livres, o Agora e o Renova BR, pretendem lançar candidatos nas eleições deste ano. Com desejo de fazer uma política diferente, os movimentos não abrem mão de transparência no financiamento das campanhas e têm garantia de direitos como pauta comum. Com exceção do movimento #partidA, que lança somente candidatas mulheres, uma característica da “velha política” ainda se faz presente nos novos movimentos: a baixa representatividade de gênero nos quadros.

Com discurso contra polarização, o movimento cofundado por Tabata é um dos mais expressivos nas redes sociais, com 35 mil seguidores no Facebook. E o Acredito pretende manter boa diversidade. Atualmente, 50% das lideranças estaduais do Acredito são mulheres.

Análise da Gênero e Número sobre os líderes e/ou pré-candidatos mostra que, se fossem partidos políticos, metade dos movimentos descumpriria a cota de gênero estabelecida pela lei 9.504/97, que determina ao menos 30% das candidaturas para mulheres. Em relação à raça, apesar da população negra no Brasil ser 54%, segundo o IBGE, a representação em todos os movimentos é mínima.

Novos atores, velhos costumes

A doutora em Ciência Política Daniela Rezende analisa positivamente os movimentos, mas acredita que a renovação não pode ser até um ponto determinado, e deve quebrar também a barreira de gênero.

“Os movimentos são interessantes porque têm uma proposta de renovar não só as pessoas que ocupam os espaços de poder, e sim renovar o perfil das pessoas que se elegem. Mas provavelmente a concepção de política que está por trás ainda é aquela que associa a política como um lugar masculino”, aponta a professora departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de Viçosa.

Outro expressivo movimento que vai lançar candidatos em 2018 é o Livres. Incubado no PSL (Partido Social Liberal) desde 2017, o grupo saiu do partido em janeiro deste ano após a filiação do presidenciável Jair Bolsonaro, por “divergência ideológica”. Com o burburinho do episódio, o movimento se tornou mais conhecido e hoje acumula mais de 163 mil seguidores no Facebook.

Hoje, a prioridade do movimento é lançar poucas candidaturas, mas comprometidas com os valores liberais. Em abril de 2018, o Livres já contava com 43 nomes confirmados como pré-candidatos. Destes, 84% são homens e 16% são mulheres. Segundo o movimento, a definição dos critérios para as candidaturas variou de acordo com o núcleo de cada estado, bem como o partido escolhido pelos indicados, que vai do Novo (com 13 pré-candidaturas) até o Solidariedade (com 1 candidatura).

A Bancada Ativista, movimento exclusivamente de São Paulo, surgiu em 2016 com objetivo de eleger ativistas alinhados a pautas progressistas para a Câmara Municipal. Com êxito, Sâmia Bonfim, hoje com 28 anos, teve 12.464 votos no pleito e ocupa o cargo de vereadora. Neste ano, a intenção é lançar uma candidatura plural: vários candidatos e um só número na urna eletrônica. Com 19 mil seguidores no Facebook, no primeiro quadro responsável pelas decisões, as mulheres representam 57%, mas a os negros não chegam a 5%.

Além da presença

Com foco em formação de novas lideranças políticas, o Renova BR tem 30 mil fãs no Facebook. Mensalmente, os 100 bolsistas, que recebem ajuda de custo para se dedicar exclusivamente à formação, se reúnem em São Paulo. Para escolher os novos líderes, o movimento abriu um processo seletivo em 2017 e teve 4.000 inscritos. Dos 100 selecionados, 13 são negros e as mulheres são ¼ do total. O movimento credita a disparidade na escolha à disparidade na inscrição: mais homens se candidataram.

Para Daniela Rezende, a ausência das mulheres nos processos tem de ser analisada. “O fato das mulheres não estarem na política não tem a ver com as mulheres não serem aptas ou que não querem estar ali. As características associadas aos homens são aquelas mais bem-vistas na política, e isso também influencia na ausência. A gente tem que pensar qual o contexto para a inserção dessas mulheres”, afirma a pesquisadora.

Além disso, ela destaca que o debate sobre representatividade das mulheres na nova e na velha política não pode ser só um chamariz. E vai mais longe: não pode-se apostar somente em “símbolos” enquanto eles não têm poder de decisão. “A presença não resolve tudo. Depois da presença, temos que pensar as condições de influência e a capacidade de tomar decisões que elas têm. Quais são as condições que ela tem depois de eleita? Então o desafio da representatividade é de várias etapas: no primeiro momento, mais mulheres na política, independentemente de qualquer coisa. Depois, temos que pensar quais as chances dessa mulher em mudar a política e qual a agenda dela”, explica.

Poucos nomes, muito a ser feito

As mulheres que estão no movimento de renovação e vêm candidatas estão cientes da importância da ocupação do espaço da política institucional. As pré-candidatas ouvidas pela Gênero e Número destacam a importância de uma mudança geral no que tange ao direito das mulheres.

Karla Falcão, 25 anos, é uma das pré-candidatas do Livres e se filiou ao PPS (Partido Popular Socialista) para disputar as eleições em 2018. Antes líder da juventude do PSDB no estado, a jovem historiadora decidiu tentar ocupar uma cadeira na assembleia legislativa do Estado por não acreditar na “política mal feita”, que atrapalhava seu acesso a recursos básicos, como saúde e educação.

“Sou uma menina que cresceu num bairro pobre, sem pai, sem dinheiro, estudou graças aos tios e fez faxina para pagar os materiais da faculdade. Por mais difícil que possa parecer a candidatura, esse também é o meu lugar [política partidária]. A gente tem que fazer com que os espaços de movimentos sejam espaços de acolhimento para as mulheres na política”, opina Falcão

Ursula Vidal é candidata ao Senado pelo PSOL-PA. Foto: Arquivo pessoal

Também fora do eixo Sul-Sudeste, Úrsula Vidal, 46 anos, desponta como uma liderança feminina nos movimentos sociais. Pré-candidata pelo PSOL-PA ao Senado, a jornalista acredita que a entrada de “cidadãos” comuns na política é uma reação natural da sociedade, mas a representatividade tem que ser melhor pautada.

“A política ainda é dominada por velhas oligarquias, principalmente patriarcais. Ainda é extremamente sexista e um machismo às vezes confesso, às vezes sutil. A participação das [novas] pessoas é uma decisão de curadoria, tem que decidir o recorte a ser feito: racial, de gênero, socioeconômico, etc. Eu acho que a falta de prioridade das mulheres tem que ser tratada como urgência, urgentíssima. Se queremos uma sociedade mais justa e uma política melhor, isso tem que ser visto principalmente nos movimentos novos”, afirma.

Os critérios adotados pela Gênero e Número para análise dos aspectos gênero e raça nos movimentos de renovação política foram a pluralidade de ideias, o comprometimento com o debate democrático, a expressividade em redes sociais e a ética política. A convergência de tais aspectos exclui o Movimento Brasil Livre da análise apresentada nesta reportagem, ainda que tenham mais de 2,7 milhões de seguidores no Facebook. A Gênero e Número se reserva o direito de não analisar o movimento que constantemente propaga o discurso anti-imprensa.

Lola Ferreira é jornalista e colaboradora da Gênero e Número

Lola Ferreira

Formada pela PUC-Rio, foi fellow 2021 do programa Dart Center for Journalism & Trauma, da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia. Escreveu o manual de "Boas Práticas na Cobertura da Violência Contra a Mulher", publicado em Universa. Já passou por Gênero e Número, HuffPost Brasil, Record TV e Portal R7.

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