Na Câmara dos Deputados, foram eleitas 77 mulheres; as maiores bancadas são do PT e do PSL | Foto: Wilson Dias / Agência Brasil

Com Bolsonaro presidente, bancada feminina eleita para o Congresso reflete polarização política expressa nas urnas

Maioria das deputadas e senadoras não declarou voto nos candidatos à Presidência no segundo turno. Na Câmara, governistas serão 29% das mulheres, enquanto 28% ficarão na oposição; no Senado, cada lado amealhou 13% da bancada feminina

Por Maria Martha Bruno e Marília Ferrari*

As deputadas federais e senadoras eleitas para o Congresso Nacional formarão uma bancada segmentada e heterogênea no governo de Jair Bolsonaro (PSL). Elas vão reproduzir a diversidade de interesses políticos que norteiam o país e a polarização transmitida pelos eleitores nas urnas neste domingo (28/10) – 57,8 milhões a favor do presidente eleito, 47 milhões com Fernando Haddad (PT) e 31 milhões que se abstiveram ou votaram em branco ou nulo.

Um dia após a eleição de 7 de outubro, a Gênero e Número mapeou a nova composição do Legislativo Nacional, destacando o crescimento de 50% da bancada feminina na Câmara Federal, em relação às eleitas em 2014. Dessa vez, conhecemos mais de perto o posicionamento político das mulheres da próxima Legislatura. Levantamento realizado com base nas postagens das páginas oficiais das parlamentares eleitas no Facebook, mostra que, até a reta final do segundo turno, 23 deputadas declararam apoio a Bolsonaro e 22 estiveram ao lado de Haddad, enquanto as 32 restantes não explicitaram voto. No Senado, quatro das novas parlamentares fazem parte deste grupo, enquanto duas são apoiadoras de Bolsonaro e uma de Haddad.

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“Há deputadas e senadoras eleitas que vão ajudar os homens a combater as mulheres”. Esse é o diagnóstico de uma assessora especializada em pautas sobre mulheres no Congresso Nacional, que pediu anonimato. Pelo perfil das 77 parlamentares da Câmara, ela acredita que a agenda feminista será deixada de lado e a luta principal das deputadas da oposição será pela manutenção de direitos já adquiridos. “O discurso conservador antigênero cresceu absurdamente. Há muitas parlamentares contrárias ao feminismo e que pretendem combater a chamada ‘ideologia de gênero’”, diz ela.

Entre elas, estão não apenas as nove eleitas pelo PSL de Bolsonaro (o PT é maioria na bancada, com dez parlamentares), como 14 membros de outros partidos, como Flordelis (PSD), deputada mais votada do Rio de Janeiro, com 196 mil votos. A cantora gospel e pastora evangélica combateu a suposta “ideologia de gênero” em sua plataforma de campanha. A defesa da “família”, entendida como a formada por um casal heterossexual e cristão, e do projeto “Escola Sem Partido” também estão no radar das deputadas que vão compor a bancada governista. Direitos reprodutivos e pautas LGBT, por outro lado, são algumas das bandeiras das oposicionistas.

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Mais visibilidade para a bancada, mas pouco em comum entre ela

Eleita para seu segundo mandato, Geovania de Sá (PSDB/SC) acredita que o combate à violência contra as mulheres será a pauta suprapartidária na próxima legislatura. “Devemos nos concentrar na busca por mais rigor na punição dos crimes de estupro e do abuso sexual em transporte público”, afirma. Apoiadora de Bolsonaro, a parlamentar, no entanto, é cautelosa em relação a algumas das propostas do próximo presidente. “A flexibilização do porte de armas precisa ser muito bem estudada. O cidadão realmente não pode ficar à mercê do bandido que está armado. Mas esta é a única solução?”, questiona. Também na contramão de Bolsonaro, Geovania votou a favor da PEC das Domésticas em 2013. “Lembro a todos que sou contrária a tudo que tira direitos já adquiridos pelo trabalhador”, ressalta.

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Estreante na Câmara dos Deputados, Talíria Petrone (PSOL/RJ) também acredita que o enfrentamento da violência contra as mulheres possa ser uma pauta comum à bancada feminina. Mas é cética ao buscar outros pontos de união com as colegas governistas. “Confesso que, nesse momento de tantos retrocessos democráticos, acho muito pouco provável, para não dizer inviável, a possibilidade de alguma pauta em comum com deputadas que defendem Bolsonaro. Afinal, isso é defender a permanência das tantas desigualdades de gênero que nos acometem”, analisa.

Por outro lado, Petrone pretende buscar as deputadas que não se pronunciaram a favor do presidente eleito, a fim de impulsionar a formação de uma frente democrática para os próximos quatro anos. Alguns critérios, porém, pontuarão o diálogo com estas colegas de parlamento: “É fundamental que a gente não dê nenhum passo atrás. A representatividade é muito importante, mas tem limites se não vier acompanhada de propostas reais para enfrentar as históricas desigualdades de gênero”.

Carolina de Paula, cientista política do Iesp-Uerj (Instituto de Estudos Sociais e Políticos), lembra que muitas parlamentares eleitas foram impulsionadas pelo voto em Jair Bolsonaro e não por uma agenda ligada às mulheres. “Durante a campanha, várias candidatas até destacaram o fato de serem mulheres, mas não se propuseram a promover uma agenda para as mulheres em seus mandatos”, diz de Paula. Ela acredita que um saldo positivo da bancada feminina na Câmara Federal será o aumento da visibilidade de seu trabalho, já que a quantidade de deputadas será maior. “Esse crescimento de 50% em relação ao número de eleitas em 2014 pode elevar a repercussão do trabalho delas, já que a cobertura das mulheres no Legislativo costuma ser menor que a dos homens”, conclui.

*Maria Martha Bruno é subeditora e Marília Ferrari é infografista da Gênero e Número.

 

Carolina de Assis

Carolina de Assis é uma jornalista e pesquisadora brasileira que vive em Juiz de Fora (MG). É mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda). Trabalhou como editora na revista digital Gênero e Número e se interessa especialmente por iniciativas jornalísticas que promovam os direitos humanos e a justiça de gênero.

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