Casamentos homoafetivos crescem 45% em quatro anos; SP registra 41% do total nacional

Casais de mulheres são 52% dos casamentos homoafetivos realizados no Brasil entre 2013 e 2016; Sudeste tem mais da metade do total nacional e Norte é a região com menos registros no país, que alcançou direito por meio do Judiciário e ainda espera por mudança na legislação

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Em 14 de maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça proibiu que qualquer autoridade judicial se recusasse a efetivar o casamento civil homoafetivo. Nos quatro anos seguintes, o números de casamentos entre duas mulheres ou dois homens cresceu 45% em todo o Brasil. Elas se casaram mais do que eles: 10.295 casais de mulheres e 9.227 casais de homens oficializaram a relação entre 2013 e 2016, segundo as Estatísticas do Registro Civil do IBGE (Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística).

Já os casamentos heteroafetivos somaram 4.372.278 dos casamentos civis realizados no país no período, mas cresceram apenas 4%. Os divórcios de casais hétero cresceram 7% – o IBGE disse à Gênero e Número não ter dados sobre os divórcios de casais homoafetivos.

 

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A comparação entre casamentos homo e heteroafetivos também aponta para a diferença entre a idade média dos cônjuges de mesmo gênero e de gêneros diferentes. Enquanto a maioria dos cônjuges em casamentos heteroafetivos tinham entre 20 e 29 anos, a maioria dos casamentos homoafetivos aconteceu entre cônjuges que tinham entre 25 a 34 anos.

Direito conquistado

Desde que a  resolução n. 175/2013 do CNJ entrou em vigor, lésbicas, gays e bissexuais passaram a ter a garantia do direito ao casamento civil com um cônjuge do mesmo gênero, que já havia sido reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal em 2011, e o acesso a uma série de outros direitos antes exclusivos a casais heteroafetivos, como definição do regime de bens e direito à herança, por exemplo.

Em 2013, primeiro ano de aplicação da resolução, foram celebrados 3.700 casamentos civis entre pessoas do mesmo gênero em todo o Brasil. Em 2016, ano das mais recentes Estatísticas do Registro Civil do IBGE, foram realizados 5.354 casamentos homoafetivos.

Apesar do crescimento acumulado nos quatro anos, entre 2015 e 2016 foi registrada uma leve queda, que já apontaria para uma tendência de estabilização nos números de casamentos homoafetivos realizados a cada ano no Brasil. É o que acredita Ivone Zeger, advogada especialista em Direito de Família e Sucessão e autora do livro “Direitos LGBTI- Perguntas e Respostas” (Mescla Editorial). Para ela, o crescimento acentuado nos primeiros anos de vigor da resolução do CNJ indicam uma demanda reprimida no país inteiro por casamentos homoafetivos. “Essa explosão de casamentos vai diminuir e entrar em um patamar mais normalizado”, disse à Gênero e Número.

Cerimônia de casamento civil homoafetivo realizada pelo Rio sem Homofobia em nov. 2014. Foto: Clarice Castro / GERJ

Maria Berenice Dias, presidenta da Comissão Especial da Diversidade Sexual do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), também aposta em uma estabilização do crescimento anual de casamentos homoafetivos semelhante àquele dos casamentos heteroafetivos. A advogada acredita, porém, que o casamento segue sendo mais importante para cônjuges do mesmo gênero do que para aqueles de gêneros diferentes.

“Os homossexuais precisam se casar para comprovar compromisso, quando os heterosexuais não precisam, necessariamente”, avaliou Dias em conversa com a Gênero e Número. “Para casais de gêneros diferentes, apenas a união estável poderia ser suficiente, quando para homoafetivos a discriminação e não aceitação da família poderiam dificultar o acesso a direitos.”

 

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“Muita gente sofreu, lutou e morreu sem esse direito para que conseguíssemos isso. A melhor forma que encontramos de honrar e celebrar isso foi nos casando”, disse à Gênero e Número o jornalista Alexandre Gaspari, de 45 anos, casado com o professor universitário brasiliense Ivan Amaro, de 51 anos. Eles se conheceram em 2006 e namoraram à distância por dois anos, até que decidiram morar juntos.

“Em 2015, quando as pautas conservadoras começaram a ganhar espaço, decidimos nos casar como uma decisão política, de que isso era um direito e ninguém poderia tirar”, disse Gaspari. Eles se casaram em dezembro de 2015 no Rio de Janeiro em uma cerimônia coletiva com mais 184 casais homoafetivos organizada pelo programa Rio Sem Homofobia, do governo do Estado.

Alexandre Gaspari e Ivan Amaro em seu casamento, realizado em 2015. (Arquivo pessoal)

“O direito ao casamento é uma conquista política e jurídica, que mudou as instituições. Mas não faz a sociedade aceitar LGBTs e nem acabar a discriminação”, ressalva o jornalista. “O que mudou é que agora temos o direito e podemos brigar para que ele seja garantido.”

Sudeste e Norte nos extremos

O Sudeste, que concentra 42% da população brasileira – 87 dos 207 milhões de habitantes estimados pelo IBGE em 2017 -, sediou 59% dos 19.522 casamentos homoafetivos realizados no Brasil entre 2013 e 2016. Só no Estado de São Paulo foram celebrados 8.097, ou 41% do total nacional, enquanto o Rio de Janeiro ficou em um distante segundo lugar com 1.902 registros, 9,7% do total.

No Nordeste, o Ceará se destaca com quase o dobro de casamentos homoafetivos realizados nestes quatro anos em Pernambuco e na Bahia, que ficaram em segundo e terceiro lugar na região. O Norte foi a região com menor número de casamentos entre pessoas do mesmo gênero no período, com Acre (17) e Roraima (18) como os Estados com menos registros de casamentos homoafetivos, segundo os dados do IBGE.

Em Espírito Santo, Maranhão, Pará, Paraíba, Paraná, Santa Catarina e Tocantins, houve mais casamentos entre dois homens do que entre duas mulheres. Em todos os outros Estados, os casamentos homoafetivos entre mulheres superam aqueles entre homens, o que se reflete no total nacional, em que elas são 52% do total de registros.

Maria Berenice Dias acredita que, além da maior população e da migração preferencial para as capitais São Paulo e Rio de Janeiro, um fator que contribui para os altos números de casamentos homoafetivos nos dois Estados é “uma sensibilização maior, devido às grandes paradas LGBTI, secretarias de apoio e políticas públicas voltadas a essa população”. “As pessoas se sentem mais seguras e visibilizadas nesses lugares”, afirma.

Viviane D’Andretta e Silva, 30 anos, e Lessandra Chinaglia, 33, se conheceram no trabalho no ano em que a norma do CNJ entrou em vigor. Depois de um ano e três meses juntas, resolveram se casar e realizaram uma celebração com familiares e amigos próximos em São Paulo em 2014. “Foi muito importante, devido à possibilidade de vivermos algo que desejamos de maneira igualitária a outros casais”, disse D’Andretta à Gênero e Número.

Os acesso a direitos permitido pelo casamento civil foi um dos fatores que levou o casal a tomar essa decisão. “Nosso casamento também significou a possibilidade de vivermos legalmente nosso estado civil, podendo, por exemplo, usufruir de convênio médico familiar, tomar decisões em caso de adoecimento de uma de nós e partilhar bens e herança.”

Cerimônia de casamento civil homoafetivo realizada pelo Rio sem Homofobia em nov. 2014. Foto: Clarice Castro / GERJ

Em maio de 2011, o STF aprovou o reconhecimento legal da união estável homoafetiva, estabelecendo que casais de pessoas do mesmo gênero têm os mesmos direitos e deveres que a legislação brasileira já estabelecia para os casais heterossexuais e permitindo a realização do casamento civil homoafetivo.

Mesmo com a decisão do STF, foram registrados pelo país casos de cartórios que se recusavam a celebrar o casamento entre duas pessoas do mesmo gênero. Para resolver este problema, o CNJ baixou em maio de 2013 a resolução nº 175/2013, que proíbe que autoridades competentes se recusem a celebrar o casamento civil homoafetivo ou converter a união estável homoafetiva em casamento.

“Na falta de uma legislação específica, o Judiciário ocupou o lugar do Legislativo”, disse Maria Berenice Dias. “Enquanto isso, o conservadorismo toma conta do nosso Congresso e nossos legisladores são omissos quanto aos direitos da população LGBTI.”

O Código Civil brasileiro, de 2002, ainda estipula que casamento e união familiar estável envolvem um homem e uma mulher. O projeto de lei n° 612/2011, de autoria da senadora Marta Suplicy (PMDB-SP), pretende mudar os artigos do Código para garantir na legislação o reconhecimento da união entre duas pessoas, sem especificação de gênero. O projeto de lei foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça do Senado em março do ano passado e está pronto para ser votado no Plenário da casa legislativa. Em dezembro passado ele chegou a ser colocado para votação, que acabou sendo adiada por falta de quórum.

*Vitória Régia da Silva é colaboradora da Gênero e Número.

Dados abertos: acesse aqui a base de dados das Estatísticas do Registro Civil do IBGE sobre registros de casamentos no Brasil entre 2013 e 2016.

Vitória Régia da Silva

É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.

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