Minoria entre vereadores eleitos, candidaturas negras são 60% das que receberam de zero a dois votos

Mulheres negras são 39%, enquanto homens brancos são 11% de possíveis candidaturas laranjas;  partidos não cumprem regras do TSE para financiamento de mulheres e pessoas negras 

Redação Gênero e Número 

Enquanto homens (84%) e pessoas brancas (53,5%) são maioria entre os vereadores eleitos no Brasil no último domingo, mulheres (68%) e pessoas negras (60%) são maioria entre um grupo que o sistema eleitoral brasileiro insiste em perpetuar: as possíveis candidaturas laranjas. Análise preliminar da Gênero e Número, feita com dados dos Tribunal Superior Eleitoral (TSE), mostra que o expediente das candidaturas laranja continua.

A ausência ou escassez de votos é um dos indícios de que podem se tratar de candidaturas laranjas, isto é, lançadas pelos partidos apenas para cumprir o mínimo de 30% de mulheres determinado pelo TSE. Outro indicativo que os dados mostram — não apenas de candidaturas laranjas, como da falta de apoio às candidaturas nos partidos — é a falta de financiamento.

 

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Candidata a vereadora de Itacoatiara (AM), A.S. não tem bens, votos, nem financiamento de campanha. Não recebeu um centavo de seu partido, segundo a mais recente prestação de contas de candidaturas do Amazonas ao Tribunal Superior Eleitoral. Na cidade, outras 20 candidatas também não receberam nenhum voto. E entre elas, somente duas registraram doações para suas campanhas: uma recebeu R$ 74 de um ex-prefeito da cidade e outra, R$ 2 mil de seu partido. Itacoatiara é a cidade com maior quantidade de candidaturas que receberam de 0 a 2 votos no Brasil: 42. O número representa mais de 10% do total de candidatos na cidade. 

Possíveis laranjas: gênero e raça

Dados mostram disparidade na condições das candidaturas; mulheres negras são o maior grupo de pessoas com 0 a 2 votos nas eleições de 2020

possíveis laranjas

candidatas

eleita(o)s

mulheres

negras

17%

39%

6%

mulheres

brancas

17%

9%

27%

homens

negros

34%

38%

20%

homens

brancos

30%

44%

11%

fonte tse

Possíveis laranjas: gênero e raça

Dados mostram disparidade na condições das candidaturas; mulheres negras são o maior grupo de pessoas com 0 a 2 votos nas eleições de 2020

possíveis

laranjas

candidatas

eleita(o)s

17%

39%

6%

mulheres negras

17%

9%

27%

mulheres brancas

34%

38%

20%

homens negros

30%

44%

11%

homens brancos

fonte tse

Subfinanciamento e falta de punição

De acordo com a plataforma 72 horas, pessoas brancas receberam 62,5% da verbas dos Fundos Eleitoral e Partidário, enquanto homens ficaram com 73,3%. Os números contrariam as determinações do TSE sobre gênero e raça, segundo as quais 30% da verba das legendas deve ser endereçada a mulheres que concorrem nas urnas. Este ano, o TSE também decidiu que candidaturas negras deveriam receber financiamento proporcional. Como 50% das candidaturas eram negras, esta deveria ser a fatia dos fundos encaminhada para estes concorrentes. O livro “Candidatas em jogo: um estudo sobre os impactos das regras eleitorais na inserção de mulheres na política”, da Fundação Getúlio Vargas, mostra que, nas eleições de 2014 e 2018, mulheres negras foram o grupo mais subfinanciado.

 

Leia também: “Se continuarmos nesse ritmo, só em 56 anos teremos paridade entre homens e mulheres nas câmaras municipais”

 

As duas vereadoras eleitas em Itacoatiara, Andreia Mara (Avante) e Professora Francelizia (PT), receberam R$ 4.630 e R$ 18.741 para suas campanhas, respectivamente. Com receita menor, Mara foi a principal doadora de sua campanha. Já Francelizia recebeu a maior parte da verba de seu próprio partido. 

Ainda segundo as análises compiladas na publicação da FGV, até novembro de 2018, o Ministério Público Eleitoral havia aberto 93 processos sobre candidaturas laranjas, referentes às eleições municipais de 2012 e 2016. Mas em 76 casos, a Justiça Eleitoral não reconheceu a existência desse artifício, enquanto somente em seis apontou a existência de candidaturas fictícias. 

Nota metodológica:

Os dados para esta reportagem foram coletados via web scraping através da API disponibilizada pelo Tribunal Superior Eleitoral, referente aos resultados de votação das eleições municipais de 2020 para os cargos de vereador e prefeito com abrangência municipal (https://resultados.tse.jus.br/). A coleta teve colaboração de Marco Antônio Faganello, cientista político e especialista em programação. Após a coleta via web scraping os dados de resultados foram acoplados ao banco de dados oficial do TSE sobre os candidatos que pleitearam algum cargo nas eleições de 2020. Alguns municípios do estado de São Paulo foram desconsiderados nesta análise da Gênero e Número. Isso porque, apesar de 100% das seções de SP estarem apuradas, os primeiros números do TSE não apresentavam a indicação daquelas candidaturas que tinham sido eleitas ou passado para o segundo turno. Em nível agregado, no entanto, os valores percentuais mesmo com a inclusão dos casos de São Paulo, tendem a se aproximar dos apresentados, uma vez que se trata de amostra com número absoluto bastante próximo do total.

Acesse a base de dados desta reportagem aqui

Maria Martha Bruno

Jornalista multimídia, com experiência na cobertura de política e cultura, integra a equipe da Gênero e Número desde 2018. Durante três anos, foi produtora da NBC News, onde trabalhou majoritariamente para o principal noticiário da emissora, o “NBC Nightly News”. Entre 2016 e 2020, colaborou com a Al Jazeera English, como produtora de TV. Foi repórter e editora da Rádio CBN e correspondente do UOL em Buenos Aires. Jornalista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é mestre em Comunicação e Cultura pela mesma instituição, e atualmente cursa o programa de Doutorado em Comunicação na Texas A&M University, nos EUA.

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