82% das brasileiras acreditam que agressores de mulheres devem ser monitorados por tornozeleiras eletrônicas | Foto: Secretaria da Justiça, Família e Trabalho do Paraná

Para brasileiras, medidas do sistema de justiça são as mais relevantes para reduzir violência contra a mulher

Pesquisa do DataSenado que ouviu 2.400 mulheres mostra que maioria das brasileiras pede monitoramento eletrônico dos agressores de mulheres e acredita no aumento da punição como o principal antídoto para a violência de gênero

Por Maria Martha Bruno*

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Processos, tornozeleiras eletrônicas, cadeia. O combo de vigilância é validado pelas brasileiras quando o assunto é “como combater agressões domésticas”, segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto de Pesquisa DataSenado, em parceria com o Observatório da Mulher contra a Violência, setor da Casa voltado para o monitoramento do tema. Nada menos que 60% das entrevistadas afirmam que o aumento da punição para agressores é a principal forma para reduzir a violência contra a mulher. Medidas educativas, como a discussão do tema nas escolas, somam 25%. 

Além disso, nada menos do que 82% das brasileiras acreditam que agressores devem usar tornozeleiras eletrônicas. A medida já é realidade em estados como Pernambuco e Rio de Janeiro e um projeto de lei tramita no Senado para tornar a obrigação nacional. 

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Esta é a oitava edição da análise e a primeira em que constam tais perguntas. Desde 2013, no entanto, esta tendência já se delineava. Naquele ano, bem como nas pesquisas de 2015 e 2017, 97% das entrevistadas diziam que o agressor deve ser processado mesmo contra a vontade da vítima. 

“As pessoas têm pressa. Parece que todos os problemas do mundo poderiam ser enfrentados se a gente tentasse focar nas gerações futuras. Mas o que a gente vai fazer com nossas gerações?”, questiona o coordenador da pesquisa, Henrique Marques, também coordenador do Observatório da Mulher contra a Violência. 

A pesquisa entrevistou 2.400 mulheres por telefones fixos e móveis entre 25 de setembro e 4 de outubro do ano passado, de acordo com as proporções da população definidas pelos dados do IBGE. A margem de erro é de dois pontos percentuais, com nível de confiança de 95%. 

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Segundo a edição de 2019 do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2018 foram registrados 1.206 casos de feminicídio no Brasil, aumento de 11,3% com relação ao ano anterior. Em 2018, um caso de lesão corporal contra mulheres foi registrado a cada dois minutos, totalizando 263 mil. O número de estupros chegou a 66 mil (180 por dia).  

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Morosidade da Justiça

Assim como analistas e representantes do Poder Público que atuam no combate à violência contra a mulher, Marques concorda que a educação, medidas preventivas e políticas públicas são a principal forma de combate ao problema: “Por mais que a principal resposta tenha sido a punição ao agressor, talvez o que falte mais nas políticas de enfrentamento à violência seja alcançar esta mulher antes do momento mais crítico”.

Para Marques, por trás dos números há brasileiras mais interessadas no cumprimento da lei do que necessariamente na duração (ou endurecimento) da pena dos agressores. “A questão nem sempre é o tempo em que agressor fica detido, mas a efetividade da lei. Finalizar o processo com a determinação de uma pena não é o normal no Brasil. O que acontece mais é o processo se perder no meio do caminho, já que eles podem ser longos e ter um custo financeiro e emocional alto para as vítimas,” avalia. 

Flávia Nascimento, coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, afirma que os dados do DataSenado mostram que “as vítimas esperam uma resposta mais eficaz e adequada das instituições do sistema de Justiça e de segurança pública” e completa: “Quando há uma resposta adequada da Justiça, a vítima passa a acreditar muito mais na legislação. Quando não há, ela acredita que a lei é benéfica para o agressor, e talvez por isso queira exacerbar o caráter punitivo do processo”, analisa. 

Publicado em 2019, o relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) “O Poder Judiciário no Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar contra as Mulheres” destaca queixas recorrentes de vítimas sobre a duração dos processos e os constrangimentos aos quais são submetidas nas instâncias policial e judicial. “Eu vim com minhas testemunhas, poxa, até o menino com quem eu fiquei naquele dia teve que vir, é um constrangimento. (…) A gente chega aqui e é só uma enrolação, nada de diferente acontece, nos jornais a gente sempre vê que as mulheres procuram a Justiça e mesmo assim são mortas porque a Justiça não faz nada por elas. Ele deveria estar preso”, diz uma das vítimas ouvidas pelo CNJ.

O relatório chama a atenção para casos em que há “morosidade em fase policial”, citando um caso datado de 2017 relacionado a fatos que ocorreram em 2014. “Se, por um lado, as medidas protetivas costumam ser concedidas em tempo hábil, por outro, é comum as ações penais perdurarem por anos. Este tempo transcorrido sem um desfecho final para os casos impacta a vida das mulheres, deixando-as à mercê da violência”, diz o documento. 

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Nascimento lembra outro flagelo que acomete a sociedade brasileira para destacar que o aumento do caráter punitivo, almejado pela maioria das mulheres no país, não resolve problemas: “Historicamente, punições ficaram mais rigorosas para o tráfico de drogas, mas não houve redução do crime”. 

A defensora pública destaca ainda que o Brasil vive um momento de em que todas as questões relacionadas à segurança encontram um anseio punitivista em parte da sociedade. “A gente ainda precisa do viés punitivo no caso da violência contra a mulher, porque é uma violação aos direitos humanos. Mas também é necessária uma atuação mais eficaz das políticas públicas preventivas, além da inclusão deste debate nos currículos escolares e da discussão do papel do homem na nossa sociedade”. 

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Flavia Nascimento faz paralelo com o tráfico de drogas e lembra que aumento de punições para este crime não diminuiu o problema | Foto: Gênero e Número

Descolamento entre percepção e experiências

A fim de identificar a proporção de mulheres que não identificam as situações de violência às quais são submetidas, o DataSenado perguntou às entrevistadas se haviam sido sofrido algum tipo de violência nos últimos 12 meses e, depois, em outro bloco de perguntas, perguntou se elas havia passado por situações como xingamentos, empurrões, ameaças com arma de fogo, entre outras. 

Enquanto 5% afirmaram diretamente que foram vítimas de violência nos 12 meses anteriores à entrevista, 22% responderam afirmativamente que passaram por situações específicas de abusos no mesmo período de tempo. Os casos questionados pelo DataSenado incluem violência patrimonial, psicológica ou moral e física. 

O coordenador do estudo destaca que o Poder Público precisa entender os anseios das vítimas e aprender com elas suas necessidades, de modo a alcançá-las antes dos momentos mais críticos, quando geralmente a polícia e a Justiça são acionadas. “É preciso aprender mais do que ensinar, e entender que tipo de atenção ou de ajuda se pode dar em cada um dos momentos, a fim de atender à mulher antes que haja consequências mais graves.”

*Maria Martha Bruno é editora da Gênero e Número

Maria Martha Bruno

Jornalista multimídia, com experiência na cobertura de política e cultura, integra a equipe da Gênero e Número desde 2018. Durante três anos, foi produtora da NBC News, onde trabalhou majoritariamente para o principal noticiário da emissora, o “NBC Nightly News”. Entre 2016 e 2020, colaborou com a Al Jazeera English, como produtora de TV. Foi repórter e editora da Rádio CBN e correspondente do UOL em Buenos Aires. Jornalista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é mestre em Comunicação e Cultura pela mesma instituição, e atualmente cursa o programa de Doutorado em Comunicação na Texas A&M University, nos EUA.

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