Por dia, quatro brasileiras que vivem no exterior são vítimas de violência

Ministério das Relações Exteriores disponibiliza dados inéditos no Mapa Nacional da Violência de Gênero, em iniciativa viabilizada pela Gênero e Número, Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV) do Senado Federal e Instituto Natura.

Lola Ferreira

Em 2023, pelo menos 1.556 brasileiras foram vítimas de violência doméstica e/ou de gênero no exterior e buscaram ajuda, de acordo com registros consulares. Esses dados foram coletados em embaixadas, consulados-gerais, consulados e vice-consulados brasileiros ao redor do mundo, e agora estão disponíveis na nova atualização do Mapa Nacional da Violência de Gênero, um projeto da Gênero e Número, em parceria com o Observatório da Mulher Contra a Violência (OMV) do Senado Federal e o Instituto Natura, que incorporou o Instituto Avon em julho deste ano.

Lançado em novembro de 2023, o Mapa Nacional da Violência de Gênero é uma plataforma interativa que centraliza e atualiza informações essenciais sobre a violência contra as mulheres no Brasil. O objetivo do mapa é oferecer uma visão detalhada e atualizada sobre a realidade da violência de gênero no país, fornecendo dados cruciais para políticas públicas, ativismo e promoção de justiça social.

Esta atualização representa a primeira vez que os dados sobre a comunidade brasileira no exterior são desagregados por gênero, o que permite um acesso mais detalhado à informação sobre os pedidos de ajuda realizados pelas brasileiras. De acordo com estimativas do Itamaraty, atualmente mais de dois milhões e meio de brasileiras residem fora do Brasil.

A plataforma reúne dados sobre a presença de brasileiras e brasileiros em diferentes países, conforme informações do Itamaraty, e também sobre o atendimento consular a brasileiros que buscam assistência em casos de violência doméstica, de gênero, subtração internacional de menores e disputas de guarda de filhos. Esses dados inéditos ampliam o entendimento sobre as necessidades da população brasileira no exterior, oferecendo ferramentas para a elaboração de políticas públicas e ações de apoio mais eficazes.

 

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Os dados revelam que a Europa concentra 61% dos registros de violência, apesar de ser a segunda região com maior estimativa de brasileiros no exterior – cerca de 1,6 milhão, em comparação com os 2,2 milhões na América do Norte. A América do Norte, por sua vez, teve 17% dos registros de violência em 2023.

A Procuradora Especial da Mulher no Senado, Zenaide Maia, avalia que “a nova seção do Mapa Nacional da Violência de Gênero, que agora incorpora dados inéditos sobre a violência contra mulheres brasileiras no exterior, reforça a urgência de apoiar nossas cidadãs onde quer que estejam. A equidade de gênero, assim como o compartilhamento de dados são avanços que beneficiam a sociedade como um todo.”

Violência vicária: uma realidade prevalente

A principal forma de violência contra a mulher no exterior envolve terceiros, especialmente em casos de subtração de menores ou disputa de guarda. Do total de registros em 2023, 58% referem-se a casos de violência vicária, em que a violência é exercida por meio de terceiros (geralmente ex-parceiros) que envolvem filhos e filhas no processo.

Na Oceania, que tem uma estimativa de aproximadamente 56 mil brasileiros, foram registrados apenas 12 casos de violência de gênero, dos quais 10 envolvem disputas de guarda. Na Europa, 78% dos casos registrados são de violência vicária. Já na América do Norte, 25% dos casos registrados envolvem esse tipo de violência, com o restante abrangendo formas mais conhecidas, como violência sexual, física ou psicológica.

“Mapear a violência vicária nos permite compreender como as relações de poder e controle ultrapassam fronteiras, impactando diretamente a vida de mulheres e crianças brasileiras. A disponibilização desses dados inéditos no Mapa Nacional da Violência de Gênero é essencial para informar e mobilizar autoridades e sociedade, destacando a gravidade dessa violência e a urgência de incluir essa pauta nas discussões globais sobre violência de gênero.”, destaca Vitória Régia da Silva, presidente e diretora de conteúdo da Gênero e Número.

África (13%) e Ásia (18%) apresentam a menor proporção de casos de violência vicária em relação à estimativa de brasileiros residentes nessas regiões. No entanto, essas áreas também têm o maior número de países sem registros, o que levanta preocupações sobre a subnotificação dos casos.

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Falta de informação

O Mapa Nacional da Violência de Gênero revela que a falta de informação continua sendo um grande desafio. Em 2023, 76% dos países africanos com repartições consulares não registraram casos de violência doméstica e/ou de gênero. Na América Central e Caribe, essa proporção é de 75%, e na Ásia, de 71%.

Entre os países com maior número de registros, os Estados Unidos se destacam como o segundo maior, com 240 casos de violência doméstica e/ou de gênero, atrás apenas da Itália, com 350 casos, e seguidos pelo Reino Unido (188). Portugal e Espanha completam a lista dos cinco principais países em termos de registros de violência.

Em relação à subtração de menores, os países com os maiores números são Portugal (18 casos), Estados Unidos (15), Itália (11), Líbano (5) e Alemanha (4). Já nas disputas de guarda, a Alemanha registra o maior número, com 200 mulheres pedindo ajuda, seguida por Portugal (181), Itália (110), Reino Unido (52) e Estados Unidos (48).

Os dados de 2023 revelam que, embora haja avanços, ainda existe um longo caminho a ser percorrido na qualificação e coleta de informações sobre violência contra as mulheres no exterior, como por exemplo, a inclusão de dados por raça, idade e identidade de gênero.

No entanto, os números já revelados oferecem um panorama importante sobre as dificuldades enfrentadas pelas brasileiras fora do Brasil. A partir desses dados, é possível promover políticas públicas mais eficazes para proteger essas mulheres, como o protocolo específico de atendimento a mulheres vítimas de violência implementado pelo Ministério das Relações Exteriores nas repartições consulares, que garante assistência independentemente do status migratório.

“A criação de redes de apoio para brasileiras no exterior exige colaboração entre instituições públicas, empresas privadas e sociedade civil. Ao saírem do Brasil, muitas mulheres perdem o amparo das leis nacionais e enfrentam não só a violência de gênero, mas também a violência institucional, muitas vezes sem suporte. Somente com esforços integrados será possível garantir seus direitos e dignidade”, destaca Elga Lopes, diretora da Secretaria de Transparência do Senado Federal.

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Lola Ferreira

Formada pela PUC-Rio, foi fellow 2021 do programa Dart Center for Journalism & Trauma, da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia. Escreveu o manual de "Boas Práticas na Cobertura da Violência Contra a Mulher", publicado em Universa. Já passou por Gênero e Número, HuffPost Brasil, Record TV e Portal R7.

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