Fotos: Juliana Chalita / GN

A arte como meio de conscientização contra a desigualdade de gênero

Dramaturgia, grafite, artes plásticas e jornalismo se encontraram na última mesa do Diálogos Gênero e Número, que refletiu sobre como a arte pode ampliar debates e visibilizar dados em prol das mulheres e da população LGBTQ

Por Vitória Régia da Silva

Carolina de Assis

  • Transformando dados em arte

    ver mais
  • Arte como um meio, não um fim

    ver mais
  • Diversidade sexual e de gênero no audiovisual

    ver mais

O sexto e último debate do Diálogos Gênero e Número, que aconteceu na última terça-feira (5/12), no Parque das Ruínas, no Rio de Janeiro, discutiu “como a arte pode ampliar debates e visibilizar dados”, especialmente sobre a violação de direitos das mulheres e da população LGBTQ.

A mesa contou com a participação da artista e grafiteira Panmela Castro, a atriz Bruna Linzmeyer e a jornalista Cristina Algarra, do salvadorenho El Faro, e coordenadora da mostra  Data ART, e foi mediada por Maria Lutterbach, codiretora da Gênero e Número.

Lutterbach abriu o debate trazendo dados que revelam a subrepresentatividade feminina em grandes eventos culturais, como a FLIP e o Festival do Rio e perguntando a Linzmeyer se ela tem percebido mudanças na representação e visibilidade das mulheres nos campos em que transita: a televisão, o teatro e o cinema brasileiros. “Estamos caminhando a passos de formiga, mas caminhamos”, disse Linzmeyer.

Bruna Linzmeyer falou sobre mudanças no audiovisual: 'abertura do diálogo e uma escuta para mulheres falando'

Para a atriz, a edição desse ano da mostra internacional de cinema da capital carioca já refletiu algum avanço: sete dos nove longa-metragens da principal mostra competitiva tinham mulheres na direção, e o grande vencedor do festival, o longa de ficção “As boas maneiras”, era um destes.

“A principal diferença que eu vejo no audiovisual é a abertura do diálogo e uma escuta para mulheres falando. Essa é uma abertura que começou há pouco tempo. Hoje em dia, no mercado, em uma reunião com um homem branco e heterossexual, percebo que ele consegue ‘engolir’ a palavra feminismo e machismo. Há cinco anos isso não seria possível. Isso parece muito pequeno, mas é muito grande”, disse a atriz.

Transformando dados em arte

Algarra comentou sobre a concepção da exposição “Data ART – Arte baseada em dados”, que circulou por países como Honduras, Costa Rica e El Salvador com obras inspiradas em reportagens e chegou pela primeira vez no Brasil como parte do 1º Diálogos Gênero e Número.

“Entendemos que jornalistas e artistas poderiam se ajudar mutuamente para transmitir uma realidade”, contou. “A intenção era atingir um público maior e passar as informações e os dados através de outras expressões. E consideramos que outra forma de comunicar informação, principalmente uma que pode ser difícil de ser entendida como o jornalismo de dados, é a arte.”

A primeira peça artística desenvolvida e que motivou a criação da exposição foi baseada nos dados da investigação jornalística “Mujeres que subsidian la economía nacional”, publicada no site guatemalteco Plaza Pública em junho de 2014. A peça evidencia a desigualdade entre o tempo que os homens e as mulheres, indígenas e não indígenas, dedicam ao trabalho formal, assalariado, e ao trabalho de cuidado e reprodutivo, não pago, na Guatemala.

Cristina Algarra: jornalismo e arte unidos para levar informação e dados a novos públicos

“Gosto muito de ouvir as pessoas que vão à exposição, seja um turista ou um residente do país, que ao passar pela peça artística se atenta à obra e se intera de uma realidade que não conhecia”, disse Algarra.

A coordenadora da exposição pontuou também a importância dos dados para entender as assimetrias de gênero, e comentou que em El Salvador os dados e o debate sobre o tema têm recebido mais atenção do público. “Quando olhamos os números, vemos que homens e mulheres ocupam condições diferentes na sociedade”, afirmou a jornalista, lembrando os recorrentes casos de feminicídio na região, marcada pelo machismo e pela visão de que as mulheres são propriedades dos homens.

Arte como um meio, não um fim

A artista plástica e grafiteira Panmela Castro compartilhou sua experiência ao tentar se integrar a uma comunidade ainda majoritariamente ocupada por homens como o grafite. “Para conseguir estar nesse espaço que, na época, não tinha tantas mulheres, eu tive que falar, andar e agir como os meninos”, contou. Mas essa estratégia não funcionou, também pelo machismo que permeia a cena grafiteira. “Por mais que eu tentasse me masculinizar, o fato de ter um corpo feminino fazia com que eu não fosse aceita”, disse Castro.

Panmela Castro e o grafite como meio de conscientização sobre violência contra mulheres

Conhecida por suas performances e fundadora da Rede NAMI – artes urbanas para promover os direitos das mulheres, Castro falou sobre sua motivação para criar a ONG. “Meu trabalho é subjetivo, poético, uma reflexão de quem eu sou. Para uma mudança estrutural e efetiva, eu criei a rede NAMI.” Alguns dos projetos mais conhecidos da organização são o “Grafite pelo fim da violência contra as mulheres”, que promove oficinas em comunidades e escolas que une grafite e informação sobre a lei Maria da Penha, e a oficina Afrografiteiras, voltada para o empoderamento de mulheres negras. “Grafite é um meio de comunicação. A arte não é o fim, mas o meio”, disse a artista plástica.

A artista também apresentou o vídeo que registrou sua performance Por quê?, em que trata do fardo dos estereótipos de gênero sobre as mulheres e da negação social do direito delas sobre seus corpos. “A performance do feminino que, enquanto mulheres, somos ensinadas a ter desde pequenas é uma prisão”, afirmou.

Diversidade sexual e de gênero no audiovisual

Na TV norte-americana em 2016, somente 4,8% dos personagens eram LGBTQ, segundo a GLAAD (sigla em inglês para Aliança Gay e Lésbica contra a difamação), que há 20 anos realiza este monitoramento. A partir deste dado, Lutterbach perguntou como Linzmeyer avalia a representação da diversidade sexual e de gênero na dramaturgia brasileira, nas telas e nos palcos.

Para a atriz, as poucas mulheres lésbicas retratadas costumam ser sexualizadas e objetificadas na ficção audiovisual no país – e não só elas. “São raros os roteiros em que a mulher, principalmente a lésbica, não é objetificada”, disse Linzmeyer. “A mulher no audiovisual geralmente é puta ou diva. E a mulher humana está no meio do caminho, ela erra, não sabe, tem dúvidas. Mas quase não conseguimos encontrar isso no cinema”, comentou.

Maria Lutterbach, codiretora da Gênero e Número, mediou o sexto e último diálogo do dia

Mas há avanços a serem celebrados. “Uma curva que estamos fazendo é ver atores e atrizes se assumindo LGBTs, quando até algum tempo atrás essas pessoas teriam que parar de trabalhar devido ao preconceito contra sua sexualidade ou gênero”, disse Linzmeyer. “Estamos nessa curva bonita de aceitação, exposição e liberdade.  Eu tenho feito isso e tem sido muito bom para mim e para as pessoas à minha volta”.

O evento “Diálogos Gênero e Número – Dados, Jornalismo e Arte para falar sobre Direitos” foi produzido pela Gênero e Número, com apoio da Artigo 19, Fundação Ford, Fundo Elas, Instituto Patrícia Galvão e ONU Mulheres. Foram seis mesas de diálogos ao longo do dia, e os textos de cobertura de cada debate podem ler lidos neste link.

Carolina de Assis

Carolina de Assis é uma jornalista e pesquisadora brasileira que vive em Juiz de Fora (MG). É mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda). Trabalhou como editora na revista digital Gênero e Número e se interessa especialmente por iniciativas jornalísticas que promovam os direitos humanos e a justiça de gênero.

Se você chegou até aqui, apoie nosso trabalho.

Você é fundamental para seguirmos com o nosso trabalho, produzindo o jornalismo urgente que fazemos, que revela, com análises, dados e contexto, as questões críticas das desigualdades de raça e de gênero no país.

Somos jornalistas, designers, cientistas de dados e pesquisadoras que produzem informação de qualidade para embasar discursos de mudança. São muitos padrões e estereótipos que precisam ser desnaturalizados.

A Gênero e Número é uma empresa social sem fins lucrativos que não coleta seus dados, não vende anúncio para garantir independência editorial e não atende a interesses de grandes empresas de mídia.

Quero apoiar ver mais