Nossa Cara é a única candidatura coletiva na disputa por uma vaga na Câmara Municipal de Fortaleza | Foto: Divulgação

Anote este nome: Nossa Cara, candidatura coletiva à vereança em Fortaleza, quer ser a primeira eleita para a Câmara Municipal

A Gênero e Número apresenta quinzenalmente uma mulher que irá disputar as eleições 2020 e que merece ficar no seu radar

Por Vitória Régia da Silva*

Vitória Régia da Silva

  • Como foi a trajetória política de vocês?

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  • Por que decidiram se candidatar de forma coletiva?

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  • Sendo a única candidatura coletiva na disputa por uma vaga na Câmara Municipal de Fortaleza, como se destacar?

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  • O Ministério Público Eleitoral (MPE) pediu a impugnação do registro da sua candidatura, porque ela está fora das previsões legais e regras do TSE. Como foi para vocês lideram com esse pedido e qual o andamento dele? 

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  • Qual a  principal proposta de campanha que os eleitores precisam conhecer?

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  • Estamos no mês da Consciência Negra e a candidatura é formada apenas por mulheres negras. Quais as lacunas vocês observam em relação às políticas públicas direcionadas às mulheres negras na cidade? 

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As candidaturas coletivas ou compartilhadas são uma forma de fazer política que vêm crescendo nos últimos anos. Nossa Cara (PSOL), candidatura coletiva de mulheres negras e periféricas à vereança, são a única candidatura coletiva da cidade e disputam o ineditismo de ser a primeira candidatura coletiva eleita em Fortaleza.  Formada pela assistente social Adriana Geronimo, a artista Lila Beserra e a professora Louise Santana, a pauta principal da candidatura é o direito à cidade com um olhar para pessoas negras e periféricas. 

Não há previsão legal para esse tipo de candidatura, no entanto, também não há nenhuma legislação que a impeça. Na prática, só uma pessoa recebe o registro, disputa a eleição, aparece na urna e é diplomada, caso eleita. Neste caso seria Adriana Geronimo. 

Se a pessoa deixa o cargo, o suplente assume e não as cocandidatas. O Ministério Público Eleitoral (MPE) do Ceará pediu a impugnação do registro da candidatura Nossa Cara, porque o nome da urna estaria fora das previsões legais e regras do Tribunal Superior Eleitoral. A candidatura conseguiu aprovar um segundo nome, mas ainda luta na justiça pelo direito de usar o nome coletivo. 

“É histórico para esses lugares institucionais negarem os nossos nomes, então, esses lugares também vão reagir aos nossos processos de ocupá-lo. Eles criaram uma lógica para que não estivéssemos lá; mas não venha forte, não, que a gente passa por cima”, afirma Santana.

Conheça a candidatura.

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Como foi a trajetória política de vocês?

Louise: Eu me organizava e militava no PSOL desde 2012. Sempre gostei muito de política, tem muito a ver com a relação familiar, porque meus avós eram militantes. Dentro da minha casa já tinha essa movimentação. Nos anos 2000, eu morava em uma comunidade que estava surgindo, em que a associação do bairro era bem organizado assim como a Igreja, e eu entrei na política por conta disso. Quando cheguei na universidade, me organizei no movimento estudantil e no partido. Em 2016 e 2018, fui candidata pelo PSOL, mas não fui eleita. 

Nos conhecemos na luta, nas manifestações de segurança públicas e feministas, construindo o 8 de março. Em Fortaleza, construimos a marcha das periferias, que é uma marcha de combate direto ao assassinato de jovens negros e periféricos, que na nossa cidade é uma cruel realidade. Foi nessas construções que nos encontramos.

Adriana: A minha construção política mais aproximada do partido é construída  a cada dia. Eu me filiei coletivamente junto com outras companheiras em outubro de 2019. A gente se filiou como ocupação do partido, para bater o martelo que não queríamos participar de nada que não fosse construído por nós. Também não estávamos dispostas a construir nenhum processo de outras pessoas ou ser instrumento para outras pessoas. Queríamos construir um caminho nosso, com a nossa cara. Fazer política no cotidiano é uma prática nossa há muitos anos. Estamos só continuando o percurso e indo para a esfera de disputa do poder institucional, que é um lugar que não foi feito para nós. Chegar nessa política partidária é uma construção política coletiva para alterar a estrutura do partido e do cenário político que não nos favorece. Eu sou do movimento de moradia, integro o movimento de segurança popular, entã,o tudo é construção coletiva.

A Louise  já tinha sua trajetória, já foi candidata e não tinha pessoa mais pronta para encarar essa construção coletiva. Ela já tem essa vivência há anos no partido, tem experiência, acúmulo e potência. Ela é multiplicidade de questões e identidades. Para mim e para Lila é uma honra construir ao lado dela, que já estava na política quando era muito mais difícil para nós, mulheres negras. Hoje, vivemos um outro cenário político. 

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Por que decidiram se candidatar de forma coletiva?

Adriana: São muitas respostas. A gente já vive experiências coletivas muito profundas, vem de uma construção nacional que é o Ocupa Política, que nos fez refletir muito sobre entrar em um espaço que é tão solitário e tão violento, sobretudo para quem não é parte dele, que é o caso das mulheres negras, sozinha. Precisávamos entrar de bonde, até para gerar uma proteção para nós. O cenário de Fortaleza é muito militarizado, estamos para viver a construção de uma mandata coletiva com ex-policiais saídas de um motim policial que teve no Estado. A gente já imagina que a construção dessa mandata vai ser bem difícil de lidar, por isso, estar lá sozinha de longe não era o melhor cenário. 

Desde o início, nunca pensamos em um nome, sempre tivemos uma perspectiva de que seria coletiva. No início, não imaginávamos que seria só de mulheres negras, tínhamos a  proposta de ser uma chapa mista, só que tudo se encaminhou para uma chapa coletiva de mulheres negras. É coletiva porque tudo entre nós é coletivo, nossas perspectivas são coletivas, nunca pensamos nada individualmente. 

Louise: Estamos nessa missão do combinado de não morrer, e não só isso, mas de gerar vida. Eu já tinha disputado em 2016 e 2018, mas não tinha pretensão de disputar em 2020. A viabilidade das política se dá em cima de processos muito marcados. Por isso, não tinha interesse em voltar a esse lugar. Mas quando veio o convite para a candidatura coletiva, não pude negar. A candidatura não se encerra em nós três, mas se ampliou. A proposta inicial eram com outras três mulheres, que tiveram que se ausentar oficialmente devido à pandemia e a urgência de outras questões, mas que continuam construindo com a gente. Hoje, mais do que nunca, é a coletiva Nossa Cara, só estamos representando toda essa perspectiva e a Adriana vai representar nas urnas. 

A Lila, outra integrante da candidatura, milita há muitos anos, em coletivos e movimentos que debatem a vida das pessoas negras a partir da cultura e da arte. É uma artista que canta rap e faz parte do grupo Tambores de Safo, de mulheres lésbicas e bissexuais. Fomos nos encontrando na luta. Lutar para nós não é um direito, somos obrigadas a lutar. Apesar de virmos de lugares diferentes, tínhamos defesas muito parecidas. Quando olhava para o lado nesses processos, estávamos nós lá.

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Desde o início, nunca pensamos em um nome, sempre tivemos uma perspectiva de que seria coletiva. No início, não imaginávamos que seria só de mulheres negras, tínhamos a  proposta de ser uma chapa mista, só que tudo se encaminhou para uma chapa coletiva de mulheres negras. É coletiva porque tudo entre nós é coletivo, nossas perspectivas são coletivas, nunca pensamos nada individualmente.  - Adriana Gerônimo, cocandidata da Nossa Cara (PSOL/CE)

Sendo a única candidatura coletiva na disputa por uma vaga na Câmara Municipal de Fortaleza, como se destacar?

Adriana: Foi difícil. Porque ainda estamos enfrentando um pedido de impugnação do nosso nome, que é coletivo, não é uma impugnação da candidatura, mas do nome na urna. Tem um processo anterior que nos fortaleceu muito, que é a construção e a união das nossas trajetórias. Isso despertou uma esperança muito grande na bolha da qual fazemos parte, que é de esquerda e progressista. Fomos surpreendidas com a adesão das pessoas. E tem a pegada da candidatura coletiva, que por ser um tipo de candidatura nova no país, que ainda está em construção, chama a atenção das pessoas. Quando as pessoas veem no nosso material três mulheres pedindo voto de uma cadeira, ficam interessadas e querem entender como funciona. Naturalmente, gera uma curiosidade que nos serviu muito. Usamos muito a estratégia da internet, estamos desde o começo do ano atuando na internet e falando sobre a importância das candidaturas coletivas.

Louise: Historicamente, esse tipo de candidatura que é inovadora e que traz a perspectiva de mulheres negras, principalmente depois do assassinato de Marielle Franco, gera uma comoção social e emocional muito grande em determinadas áreas da cidade, como a juventude e universitários. Porém, nós também temos muito interesse em ganhar o voto do nosso povo, temos tido a preocupação de fazer muitos espaços de discussão e encontros  nas periferias e favelas da cidade, explicando para as pessoas como para nós é interessante construir a perspectiva coletiva para discutir a lógica unitária e nominal da ocupação desse espaço. Tem sido importante fazer esse diálogo, e a resposta tem sido muito positiva. Não estamos fazendo isso por ser uma moda, mas porque para nós é o jeito que o processo tem sentido. Hoje, eu me pergunto porque eu vivi dois processos anteriores sozinha. Ainda bem que, em 2018, as mulheres negras tramaram essa possibilidade para seguirmos nesse caminho.

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O Ministério Público Eleitoral (MPE) pediu a impugnação do registro da sua candidatura, porque ela está fora das previsões legais e regras do TSE. Como foi para vocês lideram com esse pedido e qual o andamento dele? 

Adriana: No primeiro momento, foi uma surpresa porque soubemos por companheiras de Pernambuco que viram o pedido de impugnação, não fazíamos ideia do que estava acontecendo. Começamos a receber uma onda de apoio do país inteiro, com pessoas se disponibilizando a fazer a nossa defesa e nos ajudar. Foi um tiro no pé que eles deram. Porque isso reverberou para outras pessoas que não nos conheciam e passaram a conhecer devido às diversas matérias que saíram sobre o caso. Atualmente, pelas regras jurídicas, precisamos ofertar um plano B de nome para não cair na armadilha do juiz decretar o meu nome completo na urna, porque seria pior. O plano B que criamos foi Adriana Nossa Cara, para a última instância. A juíza da primeira instância liberou este nome, mas o Ministério Público recorreu da sentença e não aceitam esse segundo nome. Aproveitamos para recorrer novamente pelo nome Nossa Cara, que é o nome que queremos.

Temos jurisprudência no país, a Juntas e uma outra candidatura coletiva do interior do Ceará chamada Sementes da Luta que também teve o nome liberado. Queremos usar um nome coletivo e abrir esses caminhos, inclusive da jurisprudência. Estamos aguardando há quinze dias um julgamento. O mais importante é que a candidatura não está impugnada e poderemos ir para as urnas. O processo em si já é muito vitorioso, porque esperamos que na próxima eleição haja uma chuva de candidaturas coletivas, muito resultado dos nossos dois primeiros anos de futuro mandato. 

Louise: É histórico para esses lugares institucionais negarem os nossos nomes, então, esses lugares também vão reagir aos nossos processos de ocupá-lo. Eles criaram uma lógica para que não estivéssemos lá; mas não venha forte, não, que a gente passa por cima. 

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Da esquerda para a direita, as cocandidatas  Louise Santana, Adriana Gerônimo e Lola Beserra | Foto: Divulgação

Qual a  principal proposta de campanha que os eleitores precisam conhecer?

Louise: Temos três eixos de campanha. A principal seria o direito à cidade por pessoas como nós, mulheres, negros e negras e periféricos. Esse direito de forma coletiva, não um direito só no horário de trabalho ou de morada. Ter na representação da Câmara pessoas como nós, porque não temos direito a todas às áreas da cidade. A área de poder, por exemplo, é negada para nós, e temos dificuldade de acessá-la de maneira representativa e até presencial. A Câmara Municipal é bem longe da periferia, são duas horas e meia para chegar de ônibus. 

Adriana: Os outros eixos são educação e cultura. O direito à cidade é um direito amplo, nele acoplamos o direito à saúde e assistência. Escolhemos também a cultura, porque em Fortaleza ela é apenas destinada às elites, e a educação, porque acreditamos na valorização dos professores, na necessidade de ampliar a prioridade absoluta da infância na educação e ter escolas mais inclusivas e mais acessíveis. Temos uma questão enorme de ausência de crianças na creche, são mais de 7.000 crianças fora da creche em Fortaleza. E essas crianças têm mães negras e periféricas. É um ciclo de pobreza e aprisionamento de mulheres negras que tem se mantido e perpetuado em Fortaleza, que vai além das creches, é um cenário político que as prefeituras não têm dado conta de sanar. As mulheres negras vivem uma multiplicidade de opressões, e estamos tentando garantir que esses sejam eixos centrais para nós.

Estamos no mês da Consciência Negra e a candidatura é formada apenas por mulheres negras. Quais as lacunas vocês observam em relação às políticas públicas direcionadas às mulheres negras na cidade? 

Louise: As mulheres têm que esperar de de 8 a 12 meses para fazer um exame de prevenção. Mais de 72% das unidades básicas de saúde não contam com exames de prevenção e ginecológicos, o que significa que as mulheres da periferia, que em sua maioria são negras, não estão tendo acesso. Além disso, temos a questão da falta do tratamento odontológico nas unidades de saúde. A ausência de um um programa de saúde mental para as mulheres periféricas, a partir do fortalecimento de programas no SUS e fortalecimento dos CRAS. É uma conta que não bate. Já falamos da falta da creche, e sabemos a cor dessas mães. Se não temos creche, isso leva à sobrecarga das mulheres, que não podem deixar de trabalhar no atual contexto para cuidar dos seus filhos. Viver sem trabalhar, para as mulheres negras nunca foi uma realidade. São muitas as lacunas, na área de saúde, educação, transporte público. 

Adriana: Tem também a questão da segurança pública; na cidade, a guarda municipal quer ser a polícia e violenta muito a juventude negra e periférica. Temos um extermínio por parte da polícia e da guarda municipal também. Estamos no Ceará, onde acontece um extermínio das meninas negras e de mulheres trans. O cenário para as mulheres é muito cruel.

*Vitória Régia da Silva é repórter da Gênero e Número

Vitória Régia da Silva

É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.

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