Cresce o número de campanhas dedicadas a criar fundos emergenciais e redes de apoio para as mulheres |Foto: Elza Fiuza/Agência Brasil

Redes geram apoio para mães durante a pandemia

Iniciativas oferecem suporte emocional e financeiro a mulheres afetadas pelo isolamento social

Vitória Régia da Silva

  • Campanhas de ajuda emergencial

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Em um Dia das Mães marcado por incertezas e distância devido à pandemia de coronavírus, as redes de apoio, que se fortaleceram neste período para ajudar financeira e psicologicamente mulheres mais vulneráveis, são também um exemplo de solidariedade.

 Empreendedora e mãe, Gabriela Mori faz parte de uma dessas redes há 5 anos, a Maternativa, e diz que o grupo tem sido um apoio fundamental durante esse período de isolamento social: “É importante para perceber que não sou só eu que estou surtando, é uma situação sem precedentes para todo mundo. Mãe já nasce com culpa e, nessa rede, conseguimos perceber que não temos controle sobre o que está acontecendo”. 

Mori lembra a história de uma grávida, prestes a ter o filho, que estava passando por dificuldades econômicas e desabafou na rede. Rapidamente, o grupo de mobilizou para levar apoio psicológico e financeiro a ela. Algumas mulheres, inclusive, ofereceram a própria casa. “Foi uma grande demonstração de solidariedade e empatia entre mães. Em um momento como esse, isso me dá mais esperança”, conta ela, que é dona de uma empresa de venda de canecas artesanais

A microempresária paulista reconhece que seu negócio seria totalmente diferente se ela não estivesse envolvida em um grupo como a Rede Maternativa. Criado em 2015 por duas amigas que viram as portas do mercado de trabalho se fecharem quando ainda estavam grávidas, o grupo nasceu no Facebook para discutir maternidade e trabalho, mas viralizou e, em apenas um mês, já agregava 600 mães. Hoje, mais de 25 mil mães em todas as capitais e em mais de 150 cidades do Brasil fazem parte da rede. Com a atual situação da pandemia de coronavírus, a existência do grupo tem sido cada vez mais essencial para fortalecer uma rede de apoio às mães, além de visibilizar seus trabalhos.

"Mãe já nasce com culpa e, nessa rede, conseguimos perceber que não temos controle sobre o que está acontecendo”, disse a empreendedora e mãe Gabriela Mori |Foto: Arquivo Pessoal

“As mães não podem esperar. Estamos recebendo na nossa comunidade relatos de mães, muitas destas responsáveis financeiramente por suas casas, desesperadas vendo suas vendas despencarem, seus eventos serem cancelados, e a possibilidade de atendimento nos próximos dias ser eliminada pela situação de saúde pública que estamos vivendo. Essas mulheres coordenam pequenos negócios e não têm fluxo de caixa para se manter operando com quedas tão drásticas na suas vendas”, comenta Vivian Abukater, sócia da Maternativa.

Por isso, a rede Maternativa decidiu abrir a plataforma “Compre das Mães”, que é uma vitrine virtual de produtos e serviços de mães do Brasil. Nela, é possível encontrar uma mãe que produz ou entrega o produto e serviços que a pessoa precisa, e ficará disponível gratuitamente até esta segunda-feira (11). 

Também ligada à Maternativa, a empresária Patricia Borbolla teve sua rotina completamente impactada pela pandemia. Mãe de dois filhos, a publicitária paulistana é responsável por duas empresas de consultoria publicitária e se viu sobrecarregada. 

“Minha família está em quarentena desde 12 de março e foi muito desafiador cuidar de duas empresas, auxiliar na educação da minha filha que estava fazendo aulas online e cuidar da casa. Foi muita sobrecarga, muito difícil”, conta Borbolla, reconhecendo a importância do apoio emocional, psicológico e afetivo que recebe na Maternativa. A publicitária também divulga seus serviços na plataforma Compre de Mães e destaca que a rede foi a responsável por continuar empreendendo, mesmo em momentos de dificuldade. 

“A minha demanda de trabalho nessa época triplicou, porque como trabalho com consultoria, muitas empresas estão investindo nisso em um momento que as vendas caíram, mas devido a cuidados com a casa e a maternidade, eu tive que falar não a trabalhos, porque não dava conta de atender toda essa demanda. Apesar de ser casada, meu marido sofre com questões de saúde mental, como depressão, e não pode me ajudar muito nesse momento”, disse Borbolla.

A empresária e mãe Patricia Borbolla se viu sobrecarregada com as demandas do trabalho, da casa e da família durante esse período de isolamento social |Foto: Arquivo Pessoal

Campanhas de ajuda emergencial

O número de famílias que têm a mulher como responsável por filhos de até 14 anos supera 11 milhões no Brasil, segundo dados do IBGE de 2018. Para as mais vulneráveis aos efeitos da pandemia, o Governo Federal criou a Renda Emergencial Básica, que destina R$ 600 a trabalhadores informais e R$1.200 para mulheres chefes de família por três meses, mas muitas estão com dificuldades para receber.

Neste período, cresceu o número de campanhas dedicadas a criar fundos emergenciais e redes de apoio para as mulheres. Uma pesquisa realizada pelo Data Favela e pelo Instituto Locomotiva aponta que as favelas do Brasil têm 5,2 milhões de mães. Destas, 72% afirmam que a alimentação de sua família ficará prejudicada pela ausência de renda durante o isolamento social, 73% dizem que não têm nenhuma poupança que permita manter os gastos sem trabalhar por um dia que seja, e 92% dizem que terão dificuldade para comprar comida após um mês sem renda.

Diante deste cenário, a Central Única das Favelas (Cufa) idealizou a campanha Mães da Favela, que tem como objetivo criar um fundo solidário para milhares de mães moradoras de comunidades de todo o país afetadas pela pandemia. Já foram mais de 477 mil cestas básicas doadas e 38.800 vale mães entregues. A organização transfere o valor do benefício, de R$ 120, para todas as mães cadastradas durante dois meses.

“Os números mostraram que as mulheres, mães, com mais de 1 filho e na sua maioria negras seriam um dos grupos mais afetados. Alocar um valor emergencial para elas seria importante porque elas são a válvula motriz dentro desses territórios”, disse Márcio Love, coordenador de esportes da Cufa em entrevista à Gênero e Número. “As favelas têm problemas pré-covid, a pandemia só veio para deixar latente uma fratura exposta desses territórios”.

 

visu familias monoparentais

 

No Brasil, 63% das casas chefiadas por mulheres negras estão abaixo da linha da pobreza, segundo a Síntese dos Indicadores Sociais, do IBGE. Essa população, que já era vulnerável, nesse momento de pandemia está ainda mais à margem. Por isso, o Movimento Black Money criou a campanha de caráter emergencial Impactando Vidas Pretas, para atender famílias negras lideradas por mães solos e afroempreendedores. O foco é colaborar com a transferência de renda e fomento para dezenas de famílias em estado de vulnerabilidade.

Já a campanha “Segura a curva das mães”, idealizada pelo Instituto Casa Mãe e o Coletivo Massa, foi criada para identificar e localizar mães em situação de vulnerabilidade causada ou agravada pela pandemia do novo coronavírus e garantir apoio emergencial para este grupo. Foram mapeadas mais de 700 mães em todo o país nesse contexto e mais de 500 projetos que podem atendê-las.

Para Thais Ferreira, do Coletivo Massa, em entrevista à Gênero e Número publicada em 02/04, existe uma dificuldade de acesso a iniciativas governamentais. “Até a renda emergencial chegar a essas pessoas que não têm internet, não têm celular, às mulheres que têm vários filhos, sem informação nenhuma, os trabalhos de base vão ter que continuar. No fim das contas, esse trabalho de enfrentamento à vulnerabilidade tinha que ter sido feito antes da emergência”, afirma.

* Vitória Régia da Silva é repórter da Gênero e Número

Vitória Régia da Silva

É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.

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