LGBT+s formam o grupo mais ignorado por prefeitos eleitos | Foto: Paulo Pinto/FotosPublicas

Maioria de prefeitos de capitais ignora mulheres, negros ou LGBT+ em seus planos de governo

Fortaleza, Curitiba e Porto Alegre são as únicas capitais que não citam nenhuma política relacionada a esses grupos; políticas mal estruturadas e “escolha” de um ou outro grupo dominam programas 

Por Lola Ferreira e Vitória Régia da Silva

  • Acima da diferença ideológica

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  • Ausência total

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  • Identitarismo ou plena democracia?

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  • Bons exemplos

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Assim como em 2012 e 2016, em 2020 apenas uma mulher foi eleita para comandar uma capital brasileira. E o destaque não é só em relação a gênero: a prefeita eleita em Palmas (TO), Cinthia Ribeiro (PSDB), também apresentou o plano de governo mais completo de propostas para mulheres, pessoas negras e população LGBT+. Além da capital tocantinense, apenas outras oito (de 25) olharam para esses três grupos simultaneamente em suas propostas de governo.

O levantamento foi feito pela Gênero e Número a partir das propostas de governo registradas no Tribunal Superior Eleitoral pelos eleitos, na ocasião da candidatura. Prefeitos de três capitais citam políticas para mulheres e negros, mas sem olhar para a população LGBT+. Porto Velho (RO) é a única prefeitura que só tem política para negros, sem citar mulheres e LGBT+s, e nove (entre elas, Rio de Janeiro e São Paulo) citam apenas políticas para mulheres.Três capitais brasileiras terão prefeitos que não contemplaram em seus planos de governo mulheres, negros e LGBT+s ao mesmo tempo. Macapá (AP) não consta no levantamento, pois ainda decidirá seu prefeito no segundo turno, que ocorre no próximo dia 20.

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“Ser mulher não é suficiente para garantir que exista preocupação com esses temas, mas as chances de que quando seja uma mulher, pessoa negra ou LGBT+ haja mais políticas relacionadas são muito maiores”, diz Hannah Maruci, doutoranda em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora de gênero e eleições. Ela também avalia que, no caso de Cinthia Ribeiro, estar num lugar de minoria em relação a seus pares e ser mulher já aumentam a percepção da necessidade de se dedicar a esses temas.

A prefeita de Palmas propõe, entre outros, um programa para incentivar e melhorar a assistência pré-natal, além de estratégias para reduzir a mortalidade materna e infantil. Ela também promete construir um Centro Especializado em Saúde da Mulher e ampliar os serviços de atendimento especializados em saúde da mulher já existentes. 

Em seu mandato, Cinthia Ribeiro pretende regulamentar a Política Municipal para as Mulheres e criar o Centro de Formação e Produção das Mulheres Empreendedoras de Palmas. Ela ainda propõe ampliar o ensino da cultura afro nas escolas e promover ações educativas e culturais para difundir o debate e prevenção da violência contra negros. Por fim, a prefeita promete montar um Centro de Cidadania LGBT+ e criar mecanismos de qualificação e inclusão no mercado de trabalho para essa parcela da população.

 

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Acima da diferença ideológica

A análise feita pela Gênero e Número também revela que não há distinção partidária na ausência de propostas. Ainda que seja próximo da esquerda, o prefeito eleito em Fortaleza (CE), José Sarto, do PDT, não apresentou nenhuma política direcionada a esses grupos nas cinco páginas de seu plano de governo. E há partidos de direita que fizeram o oposto: Gean Loureiro (DEM), em Florianópolis (SC), contemplou os três grupos analisados nas suas 17 páginas de propostas.

Maruci avalia que os partidos de esquerda não se furtam de reproduzir estruturas preconceituosas que estão vigentes na sociedade e, por isso, não é automático que considerem políticas específicas para gênero e raça.

“A esquerda tem um compromisso com a igualdade social, mas isso não significa que dê conta da desigualdade de gênero e racial e LGBTfobia. Quando se elege um homem branco, a chance de incluir esses temas como prioridade é muito menor. Tem ainda um problema muito grande na distância entre o discurso e a prática da esquerda com essas pautas”, afirma  a pesquisadora.

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Ausência total

Assim como Fortaleza, Curitiba (PR), com Rafael Greca (DEM), e Porto Alegre (RS), com Sebastião Melo (MDB), também ignoraram esses grupos em seus planos. Ambas as capitais, depois de Florianópolis, são as que terão menos negros nas câmaras municipais, no comparativo com todas as outras: 11%. 

Carol Dartora, primeira mulher negra eleita para a Câmara Municipal de Curitiba e única da próxima legislatura, ressalta que essa desigualdade e invisibilidade da questão racial são históricas na cidade. 

“É uma cidade muito conservadora e extremamente racializada, que sofre com essa segregação do espaço urbano, que tem cor. Tem uma desigualdade gigantesca”, disse Dartora à Gênero e Número logo depois do primeiro turno das eleições.

Além de 11% de negros, a Câmara de Curitiba terá 21% de mulheres. O Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostra que houve aumento de 19% nos registros de lesão corporal no âmbito da violência doméstica na capital entre 2018 e 2019, mas as 13 páginas que Rafael Greca registrou no TSE não têm nenhuma menção a mulheres ou políticas direcionadas a elas.

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Já Porto Alegre (RS) será a capital com maior proporção de mulheres na Câmara Municipal a partir de 2021 (31%). Um dado que pode significar maior discussão de pautas de proteção e acolhimento para as mulheres da cidade, já que entre 2018 e 2019 os registros de estupro aumentaram 12,5% na capital do Rio Grande do Sul. No entanto, esses números não parecem sensibilizar Sebastião Melo, que derrotou Manuela D’ávila (PC do B) no segundo turno das eleições. Ele não tem nenhuma política para mulheres, negros ou LGBT+ em suas 17 páginas de propostas.

Eleito para a Câmara Municipal de Porto Alegre, Matheus Gomes (PSOL) é um dos poucos vereadores negros da legislatura que começa em 2021 e avalia que a ausência desses temas no programa de governo é uma reprodução da estrutura observada no cotidiano: “A cultura no Rio Grande do Sul é muito heteronormativa. A não existência de nenhuma política no programa de governo da chapa vencedora reforça essa lógica de um processo que vivenciamos de exclusão, de opressão intensa e muita violência contra os nossos corpos.”

Identitarismo ou plena democracia?

Em Fortaleza, o mandato coletivo Nossa Cara (PSOL) reúne nas suas três eleitas uma variedade de orientação sexual, além de ser formado por mulheres negras. Elas representam os grupos ignorados totalmente pelo prefeito eleito no seu plano de governo. 

Em entrevista à Gênero e Número, Louise Santana adianta que a estratégia do mandato será apresentar projetos relacionados aos eixos definidos como prioritários na campanha, que são educação e direito à cidade e à cultura, e a partir deles discutir as especificidades de negros, mulheres e LGBT+s, por exemplo: 

“Avaliamos que é uma metodologia mais estratégica, porque temos uma bancada extremamente conservadora, de extrema-direita, e isso gera um tensionamento dentro da Câmara.” 

A estratégia do Nossa Cara encontra eco na avaliação de Hannah Maruci sobre como essas pautas de grupos de minoria social ainda são vistas como excludentes: “Quando se fala dessas identidades, não se defende somente os direitos dessas pessoas, mas se diz que uma parcela da população é negligenciada. As pautas identitárias não podem ser vistas como segregacionistas, mas como estruturantes da democracia”, avalia a pesquisadora.

Política para LGBT+s foi a mais ignorada entre os prefeitos eleitos: 16 deles sequer citam qualquer ideia relacionada ao tema. Para Maruci, isso acontece por alguns fatores, como a percepção social de que essa população é pequena, enquanto a grande quantidade de mulheres e pessoas negras é vista nos dados e a olho nu nas grandes cidades: “Existe também uma resistência em relação aos costumes. É mais entendido como uma pauta identitária, e não de justiça.”

Bons exemplos

Além de Palmas (TO), as seguintes capitais terão prefeitos que citaram políticas para mulheres, negros e LGBT+s em seus planos: Salvador (BA), Belo Horizonte (MG), Belém (PA), João Pessoa (PB), Natal (RN), Florianópolis (SC), Aracaju (SE) e Recife (PE). E alguns se destacam com a solidez das propostas.

Em Belo Horizonte, Alexandre Kalil (PSD) foi o único prefeito de capital que prometeu assumir os compromissos para uma Cidade 50-50 em relação à equidade de gênero, propostos pela ONU Mulheres. Em relação à questão racial, o prefeito reeleito promete, a partir do já existente Plano Municipal de Promoção de Igualdade Racial, criar um Plano Municipal de Prevenção à Letalidade Juvenil. Para a população LGBT+, ele aponta lacunas e reconhece a necessidade de aumentar a discussão sobre proteção como, por exemplo, “acolhimento provisório para a população LGBT que vivencia situação de violência ou rompimento de vínculos familiares”.

Cícero Lucena (PP), eleito em João Pessoa, também apresentou propostas robustas. Destacam-se equipamentos como creches e lavanderias comunitárias com horários alternativos ou integrais para atender mulheres que trabalham à noite e criação de centros de atendimento social, psicológico, orientação e encaminhamento jurídico à mulher em situação de violência doméstica. Em relação à raça, há a promessa de um Programa Municipal de Enfrentamento aos Homicídios da Juventude Negra. Para a população LGBT+, o destaque é a proposta de criação do ambulatório municipal para a hormonioterapia da população trans e travesti e uma casa de acolhida para a população LGBT+ em terceira idade e/ou em situação de rua.

Em Natal, Álvaro Dias (PSDB) apresentou seis propostas que, se executadas, podem dar suporte às mulheres vítimas de violência doméstica. Destacam-se também as ações que podem melhorar a relação da mulher com os sistemas de saúde e também a geração e divulgação de dados sobre índices da qualidade da assistência prestada no processo da gestação. O prefeito eleito ainda promete implementar o Centro Municipal de Cidadania LGBT+.

Por outro lado, João Campos (PSB), em Recife, só cita em seu programa que “estão definidas políticas públicas, programas, projetos e ações para as mulheres, população idosa, juventude, pessoa com deficiência, igualdade racial, LGBTQI+”.

Ainda que poucos tenham se dedicado a pensar para essas parcelas da população, Hannah Maruci acredita que cidades comandadas por prefeitos que deram pouca atenção a esses temas podem ter políticas públicas satisfatórias nesses campos, às custas de muito trabalho:

“Os planos já mostram uma menor inclinação e abertura para essas pautas, mas existe uma construção possível: os Conselhos Municipais, a Câmara dos Vereadores e a sociedade civil podem pressionar e pautar essas questões. Tendo no Legislativo pessoas que se preocupem com isso facilita que essa pressão seja exercida e que não passe batido no Executivo”.

*Lola Ferreira e Vitória Régia da Silva são repórteres da Gênero e Número

Maria Martha Bruno

Jornalista multimídia, com experiência na cobertura de política e cultura, integra a equipe da Gênero e Número desde 2018. Durante três anos, foi produtora da NBC News, onde trabalhou majoritariamente para o principal noticiário da emissora, o “NBC Nightly News”. Entre 2016 e 2020, colaborou com a Al Jazeera English, como produtora de TV. Foi repórter e editora da Rádio CBN e correspondente do UOL em Buenos Aires. Jornalista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é mestre em Comunicação e Cultura pela mesma instituição, e atualmente cursa o programa de Doutorado em Comunicação na Texas A&M University, nos EUA.

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