O que esperar de Rosa Weber, primeira mulher a comandar uma eleição presidencial
Ministra do STF ocupará até 2020 cargo de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE); a Gênero e Número ouviu amigos e colegas de Weber, que apontaram discrição e rigor técnico como características marcantes da ministra
O perfil de Rosa Weber não está na moda entre os principais membros da mais alta corte do país. Ela não vai a premiações empresariais, nem aparece nos telejornais cercada de microfones emitindo opiniões sobre os rumos do Brasil. Empossada há pouco mais de duas semanas na presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) será a primeira mulher a comandar a corte durante eleições presidenciais. Antes dela, apenas a atual presidente do STF, Cármen Lúcia, havia ocupado o posto, mas durante as eleições municipais de 2012.
Notícias fraudulentas (as chamadas “fake news”),descumprimento da cota de gênero e novas formas de caixa dois são alguns dos assuntos que Rosa Weber terá de gerenciar durante seu período na presidência, que termina em 2020. “O importante é que chegamos lá. Vamos presidir uma eleição”, disse à Gênero e Número Maria Berenice Dias, colega de turma de Weber na Faculdade de Direito da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Ambas ingressaram em 1967 e se formaram em 1971. Desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Estado, ela afirma que a posição da colega é um divisor de águas, pelas especificidades das eleições de 2018. “É muito bom ver uma mulher presidindo o TSE em uma eleição com tantos candidatos machistas e preconceituosos”, comemora. A advogada ainda se encontra com Weber em eventuais audiências no STF e tem sentido a ministra mais desenvolta desde a posse de Cármen Lúcia na presidência do Supremo, como se houvesse uma parceria implícita entre ambas. “Ela tem sido muito incisiva e corajosa em suas sustentações”, observa.
Silvana Batini, procuradora Regional da República e ex-procuradora eleitoral no Rio de Janeiro, torce para que o simbolismo trazido pela presença de Weber no comando da Justiça Eleitoral ajude a derrubar barreiras para as mulheres na disputa política, como a tentativa dos partidos de burlar a cota de 30% de candidaturas femininas. “Essa questão simbólica deveria no mínimo criar um constrangimento para algumas legendas que tentam desafiar a autoridade de uma mulher para ferir direitos de outras mulheres na política”, acredita Batini.
À frente do TSE, Rosa Weber também vai ditar o andamento dos trâmites que vão decidir sobre a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. Batini avalia que “a ministra já demonstrou em diversos votos que está disposta a colocar individualidades em segundo plano”. “O apreço pela colegialidade faz a gente imaginar que seu comando será voltado para algo mais harmônico e menos conflituoso, evitando inseguranças jurídicas”, opina a procuradora. O processo pode ser definido até a segunda semana de setembro, já que dia 17 é a data limite para que os partidos substituam seus candidatos, dependendo da avaliação do Tribunal sobre o registro das candidaturas. Se Lula for barrado pela Justiça Eleitoral, Rosa Weber pode se deparar com o caso novamente, dessa vez no Supremo, se a defesa do ex-presidente tentar um último recurso antes das eleições.
Na faculdade, distância da efervescência política
Nascida em Porto Alegre em 1948, filha de uma pecuarista e um médico, Rosa Maria Weber Candiota da Rosa cursou o Ensino Médio em um colégio católico e passou em primeiro lugar no vestibular para a Faculdade de Direito da UFRGS. As notas boas se mantiveram até o fim do curso e ela concluiu a faculdade “em 1º lugar e como aluna laureada”, segundo seu currículo no site do STF. “A inteligência já saltava aos olhos”, disse a ex-colega Maria Berenice Dias. A advogada afirma que já naquela época a ministra era reservada e tímida, mas que as notas indicavam seu potencial. Em tempos de repressão política, Dias lembra que era mais envolvida com o Centro Acadêmico, enquanto Weber não era ativa no movimento estudantil.
A ministra iniciou sua carreira no Judiciário em 1976, como juíza substituta do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, na capital gaúcha, e lá ficou até 2006. Naquele ano, já desembargadora, subiu mais um degrau e chegou ao TST (Tribunal Superior do Trabalho), nomeada por Lula. Em 2011, ela foi indicada ao Supremo pela presidenta Dilma Rousseff. Weber substituiria Ellen Gracie, a primeira mulher a se tornar ministra e, posteriormente, a ocupar a presidência do STF.
A indicação teve DNA gaúcho. Embora tenha nascido em Minas, Rousseff fez sua carreira política no Rio Grande do Sul e considerou a opinião de dois gaúchos de sua confiança, que assinaram uma carta indicando a então desembargadora do TST: Tarso Genro, à época governador do Estado, e Carlos Araújo, que morreu em 2017 e, advogado trabalhista e ex-deputado estadual, era um dos principais conselheiros políticos de Rousseff, sua ex-esposa.
Tarso conheceu Weber no início da década de 1980, em audiências trabalhistas, no começo de sua carreira também como advogado. “Sempre achei o trabalho dela consistente. Ela é séria e tinha muita sensibilidade em relação a princípios fundamentais do direito do trabalho. Havia uma identidade de cultura jurídica comigo”, disse o ex-ministro à Gênero e Número. “Ela foi quase unanimidade entre colegas trabalhistas do Rio Grande do Sul.” O ex-governador petista prefere não se manifestar sobre as posições da ministra no Supremo, mas elogia sua postura pública, sobretudo se comparada à de seus colegas no STF. “Hoje, os ministros disputam posições políticas. Esse perfil da Rosa praticamente não existe mais”, avalia.
Protagonista na agenda feminista e eleitoral
Desde que chegou ao Supremo, Rosa Weber participou de diversas decisões relevantes sobre os direitos das mulheres. Em 2012, votou a favor do direito ao aborto em caso de feto anencéfalo, mas em novembro do ano passado negou o pedido de interrupção da gravidez feito pela estudante Rebeca Mendes da Silva Leite, que acabou realizando o procedimento na Colômbia. A solicitação foi realizada com base na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Como a arguição ainda não tramitou no Supremo, Weber desconsiderou o pedido de Rebeca, alegando que não teria amparo jurídico. A ministra é a relatora da ADPF 442 e foi quem convocou a audiência pública sobre a ação, realizada no início de agosto.
No âmbito eleitoral, também foi protagonista de temas importantes. Em 2012, votou pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura de condenados em segunda instância. Naquele mesmo ano, ela convocou o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, para ser seu assessor na corte. Em 2018, um voto de Weber abriria as portas para a prisão do ex-presidente Lula, em sentença determinada pelo próprio Moro. Foi dela a decisão final que não concedeu o pedido de liberdade impetrado pela defesa do líder do PT. Ao proferir o voto, Weber negou sua convicção contrária à prisão de condenados antes do trânsito em julgado (ou seja, depois de esgotados todos os recursos), e optou por seguir o entendimento da maioria do STF, que desde 2016 admite a prisão de condenados em segunda instância.
No mês seguinte, no TSE, Weber foi protagonista de outra decisão importante para a disputa eleitoral de 2018: em consulta formulada por parlamentares, a ministra determinou que pelo menos 30% dos recursos do Fundo Eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral gratuita devem ser destinados a campanhas de candidatas. “A participação das mulheres nos espaços políticos é um imperativo do Estado”, disse Weber na ocasião. Ex-presidenta do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e colega da ministra no TSE entre 2012 e 2014, Laurita Vaz reforça o coro sobre o temperamento calmo e a precisão das sentenças de Weber: “Ela toma decisões difíceis e rigorosamente técnicas sem jamais perder a serenidade e a gentileza no trato com as pessoas”. Rosa Weber deve deixar o Supremo em seis anos, de acordo com a regra que determina a aposentadoria compulsória dos ministros da corte aos 75.
*Maria Martha Bruno é jornalista e subeditora da Gênero e Número.
Carolina de Assis é uma jornalista e pesquisadora brasileira que vive em Juiz de Fora (MG). É mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda). Trabalhou como editora na revista digital Gênero e Número e se interessa especialmente por iniciativas jornalísticas que promovam os direitos humanos e a justiça de gênero.
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