Rosa Weber: 'A participação das mulheres nos espaços políticos é um imperativo do Estado.' | Foto: Roberto Jayme/Ascom/TSE

O que esperar de Rosa Weber, primeira mulher a comandar uma eleição presidencial

Ministra do STF ocupará até 2020 cargo de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE); a Gênero e Número ouviu amigos e colegas de Weber, que apontaram discrição e rigor técnico como características marcantes da ministra

Por Maria Martha Bruno*

Carolina de Assis

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O perfil de Rosa Weber não está na moda entre os principais membros da mais alta corte do país. Ela não vai a premiações empresariais, nem aparece nos telejornais cercada de microfones emitindo opiniões sobre os rumos do Brasil. Empossada há pouco mais de duas semanas na presidência do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), a ministra do STF (Supremo Tribunal Federal) será a primeira mulher a comandar a corte durante eleições presidenciais. Antes dela, apenas a atual presidente do STF, Cármen Lúcia, havia ocupado o posto, mas durante as eleições municipais de 2012.

Notícias fraudulentas (as chamadas “fake news”), descumprimento da cota de gênero e novas formas de caixa dois são alguns dos assuntos que Rosa Weber terá de gerenciar durante seu período na presidência, que termina em 2020. “O importante é que chegamos lá. Vamos presidir uma eleição”, disse à Gênero e Número Maria Berenice Dias, colega de turma de Weber na Faculdade de Direito da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul). Ambas ingressaram em 1967 e se formaram em 1971. Desembargadora aposentada do Tribunal de Justiça do Estado, ela afirma que a posição da colega é um divisor de águas, pelas especificidades das eleições de 2018. “É muito bom ver uma mulher presidindo o TSE em uma eleição com tantos candidatos machistas e preconceituosos”, comemora. A advogada ainda se encontra com Weber em eventuais audiências no STF e tem sentido a ministra mais desenvolta desde a posse de Cármen Lúcia na presidência do Supremo, como se houvesse uma parceria implícita entre ambas. “Ela tem sido muito incisiva e corajosa em suas sustentações”, observa.

Silvana Batini, procuradora Regional da República e ex-procuradora eleitoral no Rio de Janeiro, torce para que o simbolismo trazido pela presença de Weber no comando da Justiça Eleitoral ajude a derrubar barreiras para as mulheres na disputa política, como a tentativa dos partidos de burlar a cota de 30% de candidaturas femininas. “Essa questão simbólica deveria no mínimo criar um constrangimento para algumas legendas que tentam desafiar a autoridade de uma mulher para ferir direitos de outras mulheres na política”, acredita Batini.

À frente do TSE, Rosa Weber também vai ditar o andamento dos trâmites que vão decidir sobre a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva à Presidência da República. Batini avalia que “a ministra já demonstrou em diversos votos que está disposta a colocar individualidades em segundo plano”. “O apreço pela colegialidade faz a gente imaginar que seu comando será voltado para algo mais harmônico e menos conflituoso, evitando inseguranças jurídicas”, opina a procuradora. O processo pode ser definido até a segunda semana de setembro, já que dia 17 é a data limite para que os partidos substituam seus candidatos, dependendo da avaliação do Tribunal sobre o registro das candidaturas. Se Lula for barrado pela Justiça Eleitoral, Rosa Weber pode se deparar com o caso novamente, dessa vez no Supremo, se a defesa do ex-presidente tentar um último recurso antes das eleições.

A presidente do STF, Cármen Lúcia, e a nova presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Rosa Weber, durante solenidade de posse, na sede do TSE.

Na faculdade, distância da efervescência política

Nascida em Porto Alegre em 1948, filha de uma pecuarista e um médico, Rosa Maria Weber Candiota da Rosa cursou o Ensino Médio em um colégio católico e passou em primeiro lugar no vestibular para a Faculdade de Direito da UFRGS. As notas boas se mantiveram até o fim do curso e ela concluiu a faculdade “em 1º lugar e como aluna laureada”, segundo seu currículo no site do STF. “A inteligência já saltava aos olhos”, disse a ex-colega Maria Berenice Dias. A advogada afirma que já naquela época a ministra era reservada e tímida, mas que as notas indicavam seu potencial. Em tempos de repressão política, Dias lembra que era mais envolvida com o Centro Acadêmico, enquanto Weber não era ativa no movimento estudantil.

A ministra iniciou sua carreira no Judiciário em 1976, como juíza substituta do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região, na capital gaúcha, e lá ficou até 2006. Naquele ano, já desembargadora, subiu mais um degrau e chegou ao TST (Tribunal Superior do Trabalho), nomeada por Lula. Em 2011, ela foi indicada ao Supremo pela presidenta Dilma Rousseff. Weber substituiria Ellen Gracie, a primeira mulher a se tornar ministra e, posteriormente, a ocupar a presidência do STF.

Com os filhos na posse como presidente do TSE. |Foto: Roberto Jayme/TSE

A indicação teve DNA gaúcho. Embora tenha nascido em Minas, Rousseff fez sua carreira política no Rio Grande do Sul e considerou a opinião de dois gaúchos de sua confiança, que assinaram uma carta indicando a então desembargadora do TST: Tarso Genro, à época governador do Estado, e Carlos Araújo, que morreu em 2017 e, advogado trabalhista e ex-deputado estadual, era um dos principais conselheiros políticos de Rousseff, sua ex-esposa.

Tarso conheceu Weber no início da década de 1980, em audiências trabalhistas, no começo de sua carreira também como advogado. “Sempre achei o trabalho dela consistente. Ela é séria e tinha muita sensibilidade em relação a princípios fundamentais do direito do trabalho. Havia uma identidade de cultura jurídica comigo”, disse o ex-ministro à Gênero e Número. “Ela foi quase unanimidade entre colegas trabalhistas do Rio Grande do Sul.” O ex-governador petista prefere não se manifestar sobre as posições da ministra no Supremo, mas elogia sua postura pública, sobretudo se comparada à de seus colegas no STF. “Hoje, os ministros disputam posições políticas. Esse perfil da Rosa praticamente não existe mais”, avalia.

Protagonista na agenda feminista e eleitoral

Desde que chegou ao Supremo, Rosa Weber participou de diversas decisões relevantes sobre os direitos das mulheres. Em 2012, votou a favor do direito ao aborto em caso de feto anencéfalo, mas em novembro do ano passado negou o pedido de interrupção da gravidez feito pela estudante Rebeca Mendes da Silva Leite, que acabou realizando o procedimento na Colômbia. A solicitação foi realizada com base na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 442, que pede a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação. Como a arguição ainda não tramitou no Supremo, Weber desconsiderou o pedido de Rebeca, alegando que não teria amparo jurídico. A ministra é a relatora da ADPF 442 e foi quem convocou a audiência pública sobre a ação, realizada no início de agosto.

Com Raquel Dodge, da PGR, a ministra do STF Carmen Lúcia e Laurita Vaz, ex-presidenta do STJ. | Foto: Roberto Jayme/TSE

No âmbito eleitoral, também foi protagonista de temas importantes. Em 2012, votou pela constitucionalidade da Lei da Ficha Limpa, que proíbe a candidatura de condenados em segunda instância. Naquele mesmo ano, ela convocou o juiz Sérgio Moro, da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, para ser seu assessor na corte. Em 2018, um voto de Weber abriria as portas para a prisão do ex-presidente Lula, em sentença determinada pelo próprio Moro. Foi dela a decisão final que não concedeu o pedido de liberdade impetrado pela defesa do líder do PT. Ao proferir o voto, Weber negou sua convicção contrária à prisão de condenados antes do trânsito em julgado (ou seja, depois de esgotados todos os recursos), e optou por seguir o entendimento da maioria do STF, que desde 2016 admite a prisão de condenados em segunda instância.

No mês seguinte, no TSE, Weber foi protagonista de outra decisão importante para a disputa eleitoral de 2018: em consulta formulada por parlamentares, a ministra determinou que pelo menos 30% dos recursos do Fundo Eleitoral e do tempo de propaganda eleitoral gratuita devem ser destinados a campanhas de candidatas. “A participação das mulheres nos espaços políticos é um imperativo do Estado”, disse Weber na ocasião. Ex-presidenta do STJ (Superior Tribunal de Justiça) e colega da ministra no TSE entre 2012 e 2014, Laurita Vaz reforça o coro sobre o temperamento calmo e a precisão das sentenças de Weber: “Ela toma decisões difíceis e rigorosamente técnicas sem jamais perder a serenidade e a gentileza no trato com as pessoas”. Rosa Weber deve deixar o Supremo em seis anos, de acordo com a regra que determina a aposentadoria compulsória dos ministros da corte aos 75.

*Maria Martha Bruno é jornalista e subeditora da Gênero e Número.

Carolina de Assis

Carolina de Assis é uma jornalista e pesquisadora brasileira que vive em Juiz de Fora (MG). É mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda). Trabalhou como editora na revista digital Gênero e Número e se interessa especialmente por iniciativas jornalísticas que promovam os direitos humanos e a justiça de gênero.

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