Dos 289 casos reportados pelas vítimas em 2017 à ONG Safernet, 44% continham relatos de ameaça ou extorsão |Foto: Divulgação/Não consentida

“Não consentida”: divulgação de imagens íntimas vitimiza mulheres e meninas

No Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres, celebrado em 25 de novembro, Gênero e Número lança videorreportagem sobre o tema e mostra que elas são 69% das vítimas

Por Vitória Régia da Silva*

Vitória Régia da Silva

A jornalista Rose Leonel teve sua vida transformada há 12 anos, quando foi vítima de divulgação de imagens sem consentimento, por um ex-namorado, em Maringá (PR), ao longo de quatro anos. Além de perder o emprego, sua filha teve que mudar de escola diversas vezes e ela acabou obrigada a mandar seu filho morar com o pai no exterior. No entanto, Leonel transformou a dor em luta. Fundou, em 2013, a ONG Marias da Internet, voltada para o acolhimento, orientação e perícia digital de situações semelhantes envolvendo mulheres. 

Seu caso foi o primeiro a ganhar repercussão nacional. A disseminação não consentida de imagens íntimas, como nudez e sexo, é uma forma de violência de gênero que tem nas mulheres suas principais vítimas. A Gênero e Número discute o tema na videorreportagem “Não consentida”, lançada nesta segunda (25), Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres. Em 69% dos casos de exposição não consentida denunciados à ONG Safernet em 2017, que atua na promoção e defesa dos direitos humanos na internet, meninas e mulheres eram as vítimas. 

“A mulher que dispõe livremente do seu corpo, que exerce sua sexualidade de forma integral, acaba sendo punida. Essa exposição íntima não consentida é uma forma de penalizar essa mulher que quer exercer livremente sua sexualidade”, destaca Flávia Nascimento, defensora pública do Núcleo Especial de Direito da Mulher e de Vítimas de Violência (NUDEM) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro, uma das entrevistadas em “Não Consentida”. 

Em 289 casos reportados pelas vítimas em 2017 à Safernet, 44% continham relatos de ameaça ou extorsão, ou seja, quando o(a) agressor(a) usa a posse de imagens íntimas para chantagear a vítima e obter mais imagens (ato conhecido como “sextorsão”).  

A divulgação de imagens sem consentimento foi pauta no Congresso Nacional no ano passado, quando foram aprovadas duas leis sobre o tema. A Lei 13.718/2018 tipifica o crime de importunação sexual e de divulgação de imagens de estupro, cena de sexo ou pornografia. O artigo 218-C determina de um a cinco anos de prisão para quem “trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio”, sem o consentimento da vítima, imagens, vídeos ou outro registro audiovisual com esse caráter. A pena pode ser aumentada se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.

Desde que a lei da importunação sexual foi sancionada, houve 223 registros no estado de São Paulo, o que significa uma média três a cada dois dias. Segundo dados inéditos publicados pela Gênero e Número em parceria com a agência Fiquem Sabendo, 90% das vítimas eram mulheres.

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Já a Lei 13.772/18, conhecida como Lei Rose Leonel, altera a Lei Maria da Penha e o Código Penal, para reconhecer que a violação da intimidade da mulher configura violência doméstica e familiar, e criminaliza o registro e disseminação de imagens íntimas sem consentimento. A legislação determina detenção de seis meses a um ano, além de multa.
Em “Não Consentida”, Joana Varon, advogada e diretora da Coding Rights, organização que trabalha com direitos humanos e regulação da tecnologia, explica que, apesar de ser conhecida como “pornografia de vingança”, esse termo não deve ser utilizado.

“Eu acho pornografia de vingança um nome equivocado, porque exprime que a pessoa está se vingando de você porque está mostrando o seu corpo nu. Isso não deveria ser uma vingança. E chamam de pornografia, mas não é, porque pornografia por essência, tem consentimento”, argumenta Varon.

*Vitória Régia da Silva é repórter da Gênero e  Número

Vitória Régia da Silva

É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.

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