Maíra Fischer é secretária de Finanças da capital pernambucana |Foto: Divulgação

Recife é a primeira capital a ter metade do secretariado composto por mulheres

A paridade racial, por outro lado, é inexistente; apenas um secretário entre os 18 da nova gestão municipal recifense é uma pessoa negra

Por Vitória Régia da Silva e Natália Leão*

Vitória Régia da Silva

  • Super-representação de secretários brancos

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  • Paridade de gênero no interior do país

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Promessa de campanha de João Campos (PSB), que derrotou a petista Marília Arraes na disputa mais acirrada das eleições de 2020, a paridade de gênero será uma das características da Prefeitura de Recife pelos próximos quatro anos. Campos, prefeito mais novo da história da cidade, com 27 anos, tomou posse nesta sexta-feira anunciando um secretariado composto por 9 mulheres e 9 homens, que serão empossados neste sábado. 

Os prefeitos eleitos ainda estão anunciando suas equipes, e é possível que outra capital também tenha um secretariado que preze pela igualdade de gênero – por enquanto, a que mais se aproxima é Salvador (BA), que terá 9 secretarias comandadas por mulheres e 12 por homens.

Para a professora da Fundação Getúlio Vargas Direito, de São Paulo, Luciana Ramos, esta é uma iniciativa louvável porque coloca mulheres em postos que podem definir o desenho de políticas municipais que afetam diretamente a vida das mulheres. “A paridade de gênero nos cargos de alto escalão na gestão municipal (estadual e federal) é um passo decisivo para avançarmos na efetivação da igualdade de gênero. E esse passo está em consonância com a Agenda 2030 da ONU, que almeja um Planeta 50-50. E, tendo uma mulher nessas posições, é muito provável que as experiências, demandas e necessidades das mulheres sejam levadas em consideração na definição de uma política pública municipal”, pontua.

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assine gifJoão Campos afirma que implementará uma agenda de igualdade de gênero na prefeitura de Recife, com políticas públicas e projetos de qualificação profissional feminina e um programa de crédito popular para priorizar as mulheres empreendedoras da cidade, além de um programa para que a escritura de casas seja colocada em nomes de mulheres. “Recife é a primeira capital do Brasil a garantir a paridade de gênero no secretariado. Quando fazemos isso, garantimos que esse exemplo inspire outras pessoas na cidade. Mas também teremos várias ações para priorizar a participação da mulher em áreas como educação, assistência, economia e segurança,” disse ele em entrevista à CNN.

Em comparação com 2016, quando mulheres estavam à frente de 5 secretarias (Cultura, Desenvolvimento Social e Juventude, Política sobre Drogas e Direitos Humanos, Habitação e  Turismo, Esporte e Lazer e Secretaria da Mulher), houve um crescimento de 44% da participação feminina na gestão que comandará Recife pelos próximos quatro anos. Elas também ocuparão secretarias mais estratégicas, como Saúde, Saneamento, Infraestrutura, Turismo e Lazer, Finanças e a recém-criada Secretaria de Trabalho e Qualificação.

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Luciana Ramos diz que a ocupação das secretarias por mulheres é uma ótima notícia porque elas têm muito a dizer sobre áreas de extrema relevância para a boa gestão de uma cidade, como infraestrutura, finanças, saúde e trabalho. Segundo a pesquisadora, já foi demonstrado em muitos estudos que as mulheres costumam gerir de forma mais saudável as finanças de uma empresa, por exemplo, e tendem a se envolver menos em corrupção.

“Além disso, é importante lembrar que há mulheres competentes em todas as áreas, especialmente considerando que as mulheres têm maior grau de escolaridade que os homens. Então, por que elas não são indicadas para assumir essas pastas? Sem dúvida alguma, o machismo e o patriarcado explicam essa ausência. E em razão deste machismo e da visão assistencialista das mulheres, muitas vezes elas são vistas como protetoras, mães, sensíveis e caridosas e, por isso, acabam assumindo pastas envolvendo direitos humanos, moradia, entre outras, que têm um cunho mais social”, explica.

A presença de mulheres no governo de João Campos começa com Isabelle de Roldão, primeira mulher a ocupar o cargo de vice-prefeita da cidade, o que exemplifica o abismo de representação política e de gestão na capital de Pernambuco. Logo depois da sua vitória nas urnas ao lado de Campos, ela reafirmou a importância da representatividade feminina no poder. “É uma chance de tirar pautas femininas da invisibilidade, dar poder de decisão e representação às mulheres. Às vezes, as mulheres não são pensadas nas políticas públicas, porque elas não estão ali, porque se normatizou que política é lugar de homens”, disse em uma entrevista ao G1.

Super-representação de secretários brancos

Apesar da paridade de gênero no secretariado estar presente na gestão de João Campos, o mesmo não acontece com a paridade racial. Na cidade em que 57% da população é formada por pretos e pardos (que formam o grupo negros), segundo o IBGE, apenas um secretário da gestão municipal recifense é uma pessoa negra. O levantamento foi feito com base em heteroclassificação realizada pela Gênero e Número a partir de fotos do secretariado divulgadas nas redes sociais.

“Se a paridade de gênero é um objetivo difícil de ser concretizado, a paridade racial é ainda mais complicada de se alcançar num país tão racista como o nosso. Em geral, pessoas negras são vistas pela sociedade em geral como aquelas que assumem posições subalternos e não posições de poder. Por isso, o racismo estrutural explica a quase completa ausência de negros e negras em postos chave da administração municipal. E não é preciso dizer o quanto isso pode ser prejudicial a esse grupo social”, disse a professora da FGV.

O administrador de empresas e inovador social Murilo Cavalcanti, que está à frente da Secretaria de Segurança Cidadã, é a única pessoa não branca da atual gestão. E Cavalcanti não é uma figura nova nesse espaço, já que foi secretário de segurança urbana na gestão anterior e também era a única pessoa negra do quadro de secretariado. Tanto na gestão anterior quanto na atual, nenhuma mulher negra faz parte dos cargos de gestão municipal, o que mostra que a paridade racial ainda é um desafio.

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Gestora pública, secretária da Mulher do Rio de Janeiro e articuladora política do Mulheres Negras Decidem, Joyce Trindade destaca como a interseccionalidade é importante nos cargos públicos, já que as mulheres não são um ser universal, mas trazem diferentes recortes sociais. Mulher negra e ativista, ela diz que não tem como pensar política pública efetiva se não tivermos como eixo central a transversalidade. “Para mim, é um desafio enquanto gestora pública, mulher negra e ativista deixar esse legado institucional para a prefeitura  O que vejo é que muitos secretários e gestores públicos não entendem a importância de pautarmos raça, gênero e classe em todas as políticas públicas para termos políticas públicas efetivas.”

Trindade será uma das seis mulheres à frente de secretarias municipais no Rio, que elegeu Eduardo Paes prefeito. As outras 17 secretarias serão comandadas por homens. 

Paridade de gênero no interior do país

Não é apenas nas capitais que esse movimento de paridade de gênero no secretariado está acontecendo. Primeira mulher eleita para a prefeitura de Juiz de Fora, em Minas Gerais, Margarida Salomão (PT) também anunciou que as mulheres vão ocupar metade das vagas das secretarias municipais: 9. 

As mulheres que ocuparão o cargo este ano estão distribuídas nas seguintes pastas: Fazenda, Governo, Tecnologia da Informação, Saúde, Educação, Sustentabilidade em Meio Ambiente e Atividades Urbanas, Assistência Social, Planejamento do Território e Agropecuária.

“Espera-se que a paridade nos gabinetes das prefeituras possa servir de inspiração para outros municípios, tendo em vista a representatividade de mulheres na população em geral e a necessidade de que a voz das mulheres pretas, brancas, amarelas, indígenas, pardas seja ouvida no âmbito da administração municipal”, conclui Ramos.

*Vitória Régia da Silva é repórter e Natália Leão é coordenadora de dados da Gênero e Número

Vitória Régia da Silva

É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.

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