Apenas 2,7% dos gestores de clubes de futebol são mulheres

Na CBF, que vive um escândalo de assédio moral e sexual contra o presidente, nunca houve uma mulher na diretoria desde que foi criada, em 1979

Por Sanny Bertoldo*

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Afastado após uma grave denúncia de assédio sexual e moral a uma funcionária da CBF, revelada pelo site ge, Rogério Caboclo será substituído na presidência pelo vice mais velho, Antônio Carlos Nunes, de 82 anos, enquanto o Comitê de Ética da entidade analisa o caso. Se pudesse haver uma votação entre todos que compõem a diretoria, seriam 24 nomes à disposição, todos homens. Esse domínio masculino não é exclusivo da maior entidade do futebol brasileiro. Entre os 255 nomes que aparecem em destaque (considerando presidente, vice-presidentes, secretários, superintendentes e diretores) nos sites oficiais de 25 clubes (os 20 da Série A do Campeonato Brasileiro e 5 da Série B), apenas 7 são de mulheres, isto é, 2,7%: duas no Cruzeiro, duas no Internacional, uma no Flamengo, uma no Sport e uma no Avaí.

Desde que a CBF foi criada, em setembro de 1979, nunca houve uma única mulher em cargo de gestão – apenas em 2020, foi criado um departamento exclusivo para o desenvolvimento do futebol feminino. A ex-capitã da seleção feminina Aline Pellegrino foi contratada como coordenadora de competições femininas, e Eduarda Luizelli, como   coordenadora das seleções brasileiras femininas. Em 42 anos, a entidade se fortaleceu e, ao mesmo tempo em que ganhou muito dinheiro — terminou o ano passado com R$ 873 milhões —, se viu envolvida em uma série de escândalos de seus mandatários: dos últimos quatro presidentes, Caboclo pode ser o terceiro a não completar o mandato, seguindo Ricardo Teixeira e Marco Polo Del Nero. José Maria Marin, que ficou no cargo até o fim, chegou a ser preso em uma operação da polícia federal dos Estados Unidos, juntamente com o FBI e autoridades suíças.

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Em um momento em que não mais se discute se é possível ter mulheres exercendo esta ou aquela função, mas sim como fazer para que haja cada vez mais mulheres em cargos de decisão, a CBF se mostra como uma organização anacrônica, assim como a maioria dos clubes de futebol.

“A gente tem dois mundos aí: o mundo do futebol e o mundo dos negócios. É a estrutura do machismo funcionando nestas duas vertentes: em um esporte que foi naturalizado no masculino, com os ideais de virilidade, de força, e no mundo dos negócios, em que até hoje — e basta observar os dados do IBGE em relação a cargos de gestão, cargos de direção, de decisão de forma geral — as mulheres são uma diminuta parcela”, diz Soraya Barreto Januário, professora e pesquisadora da Universidade Federal de Pernambuco e autora do livro “Mulheres no campo: o ethos da torcedora pernambucana”.

Apenas 5 entre 25 clubes de futebol têm mulher como gestora

Na CBF, os 24 membros da diretoria sempre foram homens

 

homem

mulher

Cada círculo representa um posto de gestão:

Secretaria/

Superintendência

Vice-

presidência

Diretorias

Presidência

cbf

sudeste

flamengo

cruzeiro*

corinthians

diretora

dos conselhos

vasco*

Gerente de marketing e

Gerente de projetos incentivados

atlético-mg

fluminense

américa-mg

santos

são paulo

palmeiras

botafogo*

bragantino

nordeste

sport

ceará

vice-presidente cultural

fortaleza

bahia

vitória*

sul

diretora Feminina e de Inclusão e gerente de marketing

inter

juventude

avaí*

chapecoense

diretora de Ação Social,

Comunitária e de Filantropia

grêmio

athletico-pr

centro-oeste

atlético-go

cuiabá

*times da série b

fonte levantamento da gênero e número

Apenas 5 entre 25 clubes de futebol têm mulher como gestora

Na CBF, os 24 membros da diretoria sempre foram homens

homem

mulher

Cada círculo representa um posto de gestão:

vice-

presidência

secretaria/

superintendência

presidência

diretorias

cbf

sudeste

flamengo

cruzeiro*

diretora

dos conselhos

corinthians

vasco*

gerente de marketing e

gerente de projetos incentivados

atlético-mg

fluminense

américa-mg

santos

são paulo

palmeiras

botafogo*

bragantino

nordeste

sport

ceará

vice-presidente cultural

fortaleza

bahia

vitória*

sul

inter

diretora Feminina e de Inclusão e gerente de marketing

juventude

avaí*

diretora de ação social,

comunitária e de filantropia

chapecoense

grêmio

athletico-pr

centro-oeste

atlético-go

cuiabá

*times da série b

fonte levantamento da gênero e número

[+] Leia também: O mundo quer saber sobre elas: 5 jogadoras estrelas na Copa e líderes de audiência

 

As tentativas de afastar as mulheres de alguns esportes, como o futebol, já foi até política de Estado. Em 1941, o então presidente Getúlio Vargas assinou um decreto-lei  que, entre outras coisas, as proibia de participar de “desportos incompatíveis com as condições de sua natureza”. A determinação durou 42 anos, embora muitas mulheres tenham conseguido burlá-la ao longo dos anos. “A mulher foi apagada e afastada da história do futebol durante muito tempo, enquanto os homens já eram tricampeões mundiais com a seleção brasileira. E quando a gente observa esses dois mundos funcionando de forma unificada, a gestão e  o futebol, vemos várias estruturas de machismo”, completa a pesquisadora. 

Na falta de mulheres em cargos executivos nos clubes brasileiros, o exemplo da russa Marina Granovskaia é inspirador. Diretora-executiva do Chelsea, que conquistou no mês passado seu segundo título da Champions League, é ela quem comanda as negociações do clube.

aspa

Outro dia eu estava olhando o Campeonato Gaúcho e vi umas moças, que não trabalham no clube, medindo a temperatura das pessoas, oferecendo álcool em gel. Todas mulheres loiras, de corpo bonito. Isso é tratar a mulher como objeto, diz Foresti

Por aqui, as conquistas são em menor escala, mas significativas, como atesta Rosa Foresti, conselheira do Grêmio desde 2004. No ano passado, ela conseguiu uma das oito disputadíssimas vagas na Comissão para Assuntos Relativos ao Futebol. “Hoje, no conselho do Grêmio, temos em torno de 400 pessoas, entre conselheiros consultivos, jubilados (mais de 25 anos na função) e suplentes. E são apenas 8 mulheres. Quando resolvi tentar a vaga na comissão, falei para as minhas amigas do ‘Núcleo de mulheres gremistas’ que já estava na hora de o futebol ter uma visão feminina também. Para minha surpresa, o presidente do conselho acatou minha inscrição na hora. A comissão de futebol é muito disputada, os homens chegam a fazer eleições dentro de seus grupos para decidir quem indicar à comissão”, conta.

Rosa Foresti, uma das oito mulheres a integrar o Conselho do Grêmio, a única na Comissão de Futebol / Foto: Arquivo Pessoal

Segundo Foresti, os homens acham que o futebol “é o campinho fechado deles”, por isso, ainda resistem tanto a abrir espaço para as mulheres ocuparem cargos de gestão. Quando o fazem, não é por muito tempo. Um exemplo é a arquiteta Diana Oliveira, que foi diretora de patrimônio do Internacional e, no fim de 2012, se tornou a primeira mulher vice-presidente no clube. Coordenou a reforma do Beira-Rio para a Copa do Mundo e deixou o cargo no fim de 2014. “Na época da Copa do Mundo, o Inter nomeou uma mulher para um cargo de gestão. Tem a rivalidade, né, eu até pensei ‘puxa, eles nos ganharam, nomearam uma mulher diretora’. Ela foi vice-presidente, foi a primeira vez que vi uma mulher neste cargo. Fiquei pasma. Ela atuou na reforma do Beira-Rio, mas quando chega na briga por cargo, eles não abrem mão”, diz Foresti

Representatividade

Na reportagem que revelou a denúncia de assédio do presidente afastado da CBF Rogério Caboclo à funcionária, um aspecto chama atenção: os abusos eram de conhecimento dos diretores da entidade. Embora a denúncia tenha sido oficializada na última sexta-feira (4), todos os vice-presidentes e diretores já sabiam do que acontecia há pelo menos um mês e meio. Para Rosa Foresti, se houvesse mulheres nesta diretoria, dificilmente o roteiro seria este. A presença feminina, mesmo que imposta, vai minando comportamentos machistas e sexistas.  

“As mulheres precisam ocupar mais espaços. Outro dia eu estava olhando o Campeonato Gaúcho e vi umas moças, que não trabalham no clube, medindo a temperatura das pessoas, oferecendo álcool em gel. Todas mulheres loiras, de corpo bonito. Isso é tratar a mulher como objeto. E ainda acontece aos montes. Para mudar, vai demorar. Mas, por exemplo, a presença feminina diminuiu muito o assédio na arquibancada. Houve um tempo em que você não podia se levantar e ir comprar uma pipoca sozinha. Há 30 anos, era inimaginável uma mulher ir sozinha ao estádio. Hoje minhas amigas vão.”

Para a pesquisadora Soraya Barreto, a cultura que se cria nesses ambientes dominados por homens reforça a estrutura patriarcal, reitera comportamentos que não são bem vistos socialmente mas, internamente, são enraizados e ainda muito tolerados. O resultado é a naturalização do assédio. Ela acredita que a  presença de mulheres na gestão do futebol não vai impedir que ele aconteça, mas a resposta pode ser mais rápida, assim como a punição. No entanto, alerta, não basta ter apenas representatividade: “Essa mulher precisa ter claro o que significa assédio para perceber as nuances desse tipo de violência, as estruturas do machismo. E não digo que a mulher precise se dizer feminista, não, ela precisa ter a compreensão desses elementos”.

No Grêmio, Rosa Foresti acredita que está fazendo sua parte. Nas diversas reuniões que participa no clube, já não vê mais as “brincadeiras” machistas comuns do passado. Embora os conselheiros mais velhos ainda sejam resistentes, os mais novos entendem que a ideia de um futebol “feito de homem para homem” já não faz mais sentido. “Tenho muito orgulho da minha representatividade. Hoje, se o presidente fizer uma reunião com os grupos políticos do clube, o nosso estará lá, com uma, duas, três mulheres, dependendo do tipo de convocação. Então, perante à instituição, conseguimos um lugar ao sol. Não é fácil, mas  estamos caminhando”.

*Sanny Bertoldo é editora da Gênero e Número

Acesse os dados da reportagem

Vitória Régia da Silva

É jornalista formada pela ECO/UFRJ e pós graduanda em Escrita Criativa, Roteiro e Multiplataforma pela Novoeste. Além de jornalista, também atua na área de pesquisa e roteiro para podcast e documentário. É Presidente e Diretora de Conteúdo da Associação Gênero e Número, onde trabalha há mais de sete anos. Já escreveu reportagens e artigos em diversos veículos no Brasil e no exterior, como o HuffPost Brasil, I hate flash, SPEX (Alemanha) e Gucci Equilibrium. É uma das autoras do livro "Capitolina: o mundo é das garotas" [ed. Seguinte] e colaborou com o livro "Explosão Feminista" [Ed. Companhia das Letras] de Heloisa Buarque de Holanda.

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