As ex-presidentas Cristina Kirchner e Dilma Rousseff | Foto: Roberto Stuckert Filho/ Agência Brasil

Mulheres não são nem 1/3 dos parlamentos na América Latina; Brasil só fica à frente do Haiti

Em países onde legislação obriga reserva de cadeiras para mulheres, como Argentina e Bolívia, a paridade de gênero já se mostra próxima

Por Patricia Luna*

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Com uma média de representatividade parlamentar feminina de 26,6%, a região da América Latina fica em segundo lugar no mundo neste quesito, logo abaixo do grupo dos países nórdicos, que aparecem com uma média de 41,5%, liderando a classificação global de parlamentares mulheres, segundo relatório da União Interparlamentar. Os dados indicam quanto as mulheres latino-americanas avançaram no poder e quanto ainda falta alcançar quando o debate é sobre equidade.

Uma análise mais detalhada dos números mostra, por exemplo, uma ampla brecha nos distintos países da América Latina: ao lado de exemplos como o da Bolívia, que lidera o ranking regional com um parlamento formado por 53,1% de mulheres – superado apenas por Ruanda, com 60,8% -, encontramos casos como o da Guatemala (13,9%) e do Brasil. Aqui, os 9% de cadeiras ocupadas por elas só ficam à frente do índice do Haiti, onde a representatividade feminina na câmara federal voltou à estaca zero após as eleições de 2015, que resultaram em um governo interino.

Em 2013 a América Latina concentrava uma das maiores quantidades de presidentas do mundo (Chile, Brasil, Argentina e Costa Rica) e de sua história em um continente. Seria fruto de casualidade ou de um esforço continuado por incrementar a presença das mulheres na política? Os dados refletem o avanço que se produziu no continente desde a introdução das primeiras leis de cotas, que a Argentina inaugurou em 1991, quando as mulheres representavam só 8% de todos os parlamentares do país.

Segundo a classificação realizada pelo IDEA Instituto Internacional para la Democracia y Asistencia Electoral, liderada pela pesquisadora Pilar Tello, a região apresenta três grupos distintos em termos de representatividade. O primeiro deles estaria formado pelos países que introduziram legislação e mecanismos compensatórios e que conseguiram aprimorar a incorporação efetiva das mulheres nas fileiras políticas. Integram esse grupo: Bolívia (53,1%), Cuba (48,9%), Equador (41,6%), Nicarágua (41,3%), México (42,4%), Argentina (35,8%) e Costa Rica (33,3%), além de El Salvador (32,1%), que se somou depois das eleições de 2015.

No segundo grupo se encontram aqueles cuja representatividade feminina se situa entre os 20 e 30%, índice mais próximo à média da região (26,6%). Fazem parte dele o Peru (27,7%), Honduras (25,8%), República Dominicana (26,8%) e Colômbia (19,9%). O terceiro e último grupo reúne países onde as mulheres têm menos de 20% de presença parlamentar e é composto por Panamá (18,3%), Uruguai (16,2%), Chile (15,8%), Venezuela (14,4%), Guatemala (13,9%), Brasil (9,9%) e Haiti (0%).

Nos últimos anos, Bolívia, Nicarágua, México, Ecuador e Costa Rica introduziram mecanismos destinados a buscar ativamente o aumento no número de mulheres, como medidas de paridade (listas constituídas por 50% de homens e 50% de mulheres), ou alternância (quando mulheres e homens se revezam) e apresentam listas fechadas e bloqueadas – com exceção do Equador, que tem listas abertas. Cuba ocupa o terceiro posto mundial em representatividade feminina (48,9%), com um índice que se estende também em nível estadual e municipal, em muitas das instituições e organismos do Estado.

Veja também: Cotas aumentam candidaturas, mas ainda não alavancam número de eleitas

Está na lei

Na Argentina, pioneira na introdução de leis de cotas na região, em 1991 -e com uma legislação que logo inspirou muitos dos países vizinhos- não existe alternância nem paridade, mas há uma cota de gênero de 30%. Ela obriga que, a cada três cadeiras, haja uma pessoa de gênero diferente das outras duas, sejam duas mulheres e um homem ou dois homens e uma mulher, como costuma acontecer na maioria das vezes.

Do segundo grupo de países, Peru e República Dominicana também têm uma cota de gênero de 30%, mas com listas fechadas e desbloqueadas, nas quais o eleitor pode eleger seu favorito, o que dificulta a eleição de mulheres. No Peru, onde a lei data de 1997, os nomes das mulheres costumam aparecer a partir do número 80 de uma lista com 130 nomes e, com isso, elas acabam ficando de fora, já que não há reserva de vagas, nem alternância. O debate agora se concentra no tipo de postos que elas exercem quando conseguem ser eleitas. Na República Dominicana, a lei de cotas existe também desde 1997 e teve um avanço no índice, de 25% para 33%, em 2000, o que ainda não chegou a se traduzir em melhor representatividade, apesar das sanções. El Salvador, Honduras e Colômbia apresentam listas fechadas e bloqueadas nas quais existem cotas, mas não alternância.

Segundo a análise da pesquisadora e especialista em questões de gênero Pilar Tello, do IDEA, algo comum a este segundo grupo é que “os partidos apresentam sempre listas com 30% de mulheres e o que deveria ser considerado um piso mínimo funciona, na prática, como teto máximo”. O último grupo se caracteriza pela inexistência de uma legislação que promova a igualdade de mulheres na política, por iniciativas recentes neste sentido, ou ainda por casos de exceção que muitas vezes supõem o descumprimento da norma. Isso é o que ocorre no Panamá (19,9%), onde a cota de 50% só se aplica a eleições internas do partido e a legislação ainda estabelece que, se a Secretaria da Mulher comprovar que não existem candidatas, os homens podem substitui-las.

Michelle Bachelet aprovou no Chile lei de cotas para candidatas mulheres Foto: Prensa Presidencia/Gobierno de Chile

Também na lista dos países com menor representatividade feminina, o Chile aprovou, em 2015, durante o atual mandato da presidenta Michelle Bachelet, uma lei que estabelece 40% de representatividade nas candidaturas. Já no Uruguai, a legislação de cotas foi introduzida nas últimas eleições de 2014, como exceção, com uma lei que estabelecia que a medida seria aplicada por primeira e única vez. Naquele ano, o país conseguiu aumentar a presença feminina no Senado (hoje com 30% de mulheres), mas não tanto na Câmara dos Deputados, que segue com 16,2%. O Brasil, mesmo contando com uma lei de cotas desde 1997 e duas minirreformas eleitorais que buscaram avançar na participação feminina, carrega hoje o segundo pior índice da região e uma situação legislativa sem medidas punitivas, que se assemelha à peruana.

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É preciso empoderar as mulheres, mas também capacitar os homens em matéria de equidade de gênero porque muitas vezes a diferença entre a presença de homens e mulheres na arena política não é tão visível para todos. O discurso de que as cotas não são necessárias é muito forte em diferentes espaços e grupos políticos”

— Pilar Tello, pesquisadora do IDEA -

As represálias também não são para todos

Os exemplos de sucesso no continente apontam para a necessidade de fortes mecanismos de sanção em caso de descumprimento das cotas, que possam impedir partidos de participar das eleições, já que a experiência mostra que, quando se trata de punições financeiras, eles preferem pagar do que cumprir a lei. Os países na dianteira, como a Bolívia e a Costa Rica, também se caracterizam pelo rigor nas normas e pela implementação de legislação destinada a cobrir os lapsos legais ou a falta de definição de leis. Ambos países passaram por oito mudanças na lei eleitoral em pouco mais de uma década.

Ainda assim, pesquisas coincidem em identificar uma forte pressão social que se abate sobre as mulheres latinas que decidem dedicar-se à política, espaço ainda percebido como masculino no imaginário coletivo. “Há estudos que mostram que existe gente em torno das mulheres que as desencorajam e as acusam de abandono dos filhos, do marido e da casa. Também as associam sentimentalmente a seus companheiros de campanha, coisa que pesa muito para elas, e as difamam, sobretudo em veículos locais”, explica Tello. “O desempenho do cargo é muito hostil, com companheiros, inclusive de partido, que as ignoram ou debocham de suas opiniões”.

A especialista recomenda políticas de formação e capacitação não só para mulheres. É preciso empoderar as mulheres, mas também capacitar os homens em matéria de equidade de gênero porque muitas vezes a diferença entre a presença de homens e mulheres na arena política não é tão visível para todos. O discurso de que as cotas não são necessárias é muito forte em diferentes espaços e grupos políticos”, aponta. “Fica evidente que as cotas são sim necessárias quando apresentamos dados e evidenciamos que os lugares onde não há nenhum mecanismo para promover a presença de mulheres o número delas diminui drasticamente. Ao fim e ao cabo, essa é uma questão cultural”, conclui.

Patricia Luna é jornalista e espanhola. Vive e trabalha em Santiago do Chile

Maria Lutterbach

Diretora da Filmes da Fonte, produtora de filmes de impacto com foco em temas de gênero e direitos. Roteirista do média “Verde-Esperanza”, licenciado para o Curta! Autora do romance “Baixo Araguaia”.

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