Uma mulher negra, ex-empregada doméstica, casada e mãe de quatro filhos. Desde o início da campanha, é assim que Marina Silva, candidata da Rede à Presidência da República, tem se apresentado ao público, seja na propaganda eleitoral gratuita, nas entrevistas à imprensa ou no corpo a corpo com eleitores nas ruas. Na disputa pelo cargo pela terceira vez, ela decidiu investir neste discurso para conquistar o voto das mulheres, que são maioria no eleitorado brasileiro – 52%, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
A estratégia tem lastro no apelo da candidata junto às mulheres nas últimas eleições. Em 2014, concorrendo pelo PSB após a morte de Eduardo Campos, ela terminou a campanha com 22% de apoio entre as mulheres, depois de chegar a 35% meses antes, segundo pesquisas do Instituto Datafolha.
Em 2018, a pouco mais de um mês das eleições, Marina é a candidata preferida entre as mulheres no cenário sem Luiz Inácio Lula da Silva, conforme apontou a pesquisa do Datafolha divulgada em 22 de agosto. Uma das principais fronteiras a serem desbravadas por ela é a disputa pelas eleitoras do ex-presidente, que teve a candidatura barrada pelo TSE. Sem ele no páreo, Marina tem 19% das intenções de voto das eleitoras. Mas ela ainda perde para o bloco das indecisas ou das que pretendem anular o voto ou votar em branco, que somam 34% das mulheres (entre os homens, 21% estão nesse bloco no cenário sem Lula).
“Não é surpresa que Marina Silva capture essa parcela do eleitorado. São mulheres desencantadas e desgostosas com a política, que preferem outra mulher na Presidência, em vez de um homem”, analisa Marlise Matos, cientista política e professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). O petista Fernando Haddad teria apenas 4% da preferência feminina, enquanto Jair Bolsonaro (PSL) cresce apenas um ponto percentual entre as mulheres, ficando com 14%. “Lula é o eleitor principal dessa campanha. Mas a transferência de votos não é automática”, ressalva Fátima Jordão, socióloga e especialista em pesquisas da opinião da Agência Patrícia Galvão.
Com Bolsonaro liderando as intenções de voto no cenário sem Lula e em busca de crescimento entre as eleitoras, Marina tem se colocado como antagonista do candidato, que acumula acusações de misoginia e é réu no STF (Supremo Tribunal Federal) por incitação ao estupro. “Você acha que pode resolver tudo no grito, na violência. Nós somos mães, educamos nossos filhos. A coisa que uma mãe mais quer é ver um filho sendo educado para ser um cidadão de bem. E você fica ensinando para os nossos jovens que têm de resolver as coisas na base do grito”, disse Marina ao candidato durante o debate da RedeTV!. Em uma de suas aparições no horário eleitoral gratuito, ela se dirigiu diretamente às eleitoras: “Eu quero falar com você, mulher. Alguma vez já te chamaram de fraca e incapaz? Eu sei como é! Eu vou trabalhar todos os dias para que ninguém diga que você não pode. Você pode sim. Essa luta é nossa”.
Para Marlise Matos, o discurso de Marina reforça estereótipos e papéis tradicionais, como a “mulher mãe”, já que esse enquadramento também é caro a parte dos apoiadores do ex-presidente: “O eleitorado do Lula é muito amplo. Há mulheres que têm vínculos religiosos e integram a base petista, mas não conseguem ver uma alternativa em Haddad”.