Marina Silva em ato de campanha no Rio de Janeiro no fim de agosto. | Foto: Divulgação

Líder entre as eleitoras em pleito sem Lula, Marina Silva mira nas mulheres, mas segue distante do voto feminista

Candidata da Rede lidera preferência entre as mulheres com Lula fora da disputa e tenta conquistar voto de indecisas e órfãs do ex-presidente; seu eleitorado, porém, se coloca mais à direita que os eleitores de Jair Bolsonaro (PSL) no debate sobre o aborto, segundo pesquisa do Instituto Datafolha

Por Maria Martha Bruno*

Carolina de Assis

  • Sobre aborto, eleitorado de Marina está à direita de Bolsonaro

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Uma mulher negra, ex-empregada doméstica, casada e mãe de quatro filhos. Desde o início da campanha, é assim que Marina Silva, candidata da Rede à Presidência da República, tem se apresentado ao público, seja na propaganda eleitoral gratuita, nas entrevistas à imprensa ou no corpo a corpo com eleitores nas ruas. Na disputa pelo cargo pela terceira vez, ela decidiu investir neste discurso para conquistar o voto das mulheres, que são maioria no eleitorado brasileiro – 52%, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

A estratégia tem lastro no apelo da candidata junto às mulheres nas últimas eleições. Em 2014, concorrendo pelo PSB após a morte de Eduardo Campos, ela terminou a campanha com 22% de apoio entre as mulheres, depois de chegar a 35% meses antes, segundo pesquisas do Instituto Datafolha.

Em 2018, a pouco mais de um mês das eleições, Marina é a candidata preferida entre as mulheres no cenário sem Luiz Inácio Lula da Silva, conforme apontou a pesquisa do Datafolha divulgada em 22 de agosto. Uma das principais fronteiras a serem desbravadas por ela é a disputa pelas eleitoras do ex-presidente, que teve a candidatura barrada pelo TSE. Sem ele no páreo, Marina tem 19% das intenções de voto das eleitoras. Mas ela ainda perde para o bloco das indecisas ou das que pretendem anular o voto ou votar em branco, que somam 34% das mulheres (entre os homens, 21% estão nesse bloco no cenário sem Lula).

 

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“Não é surpresa que Marina Silva capture essa parcela do eleitorado. São mulheres desencantadas e desgostosas com a política, que preferem outra mulher na Presidência, em vez de um homem”, analisa Marlise Matos, cientista política e professora da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). O petista Fernando Haddad teria apenas 4% da preferência feminina, enquanto Jair Bolsonaro (PSL) cresce apenas um ponto percentual entre as mulheres, ficando com 14%. “Lula é o eleitor principal dessa campanha. Mas a transferência de votos não é automática”, ressalva Fátima Jordão, socióloga e especialista em pesquisas da opinião da Agência Patrícia Galvão.

Com Bolsonaro liderando as intenções de voto no cenário sem Lula e em busca de crescimento entre as eleitoras, Marina tem se colocado como antagonista do candidato, que acumula acusações de misoginia e é réu no STF (Supremo Tribunal Federal) por incitação ao estupro. “Você acha que pode resolver tudo no grito, na violência. Nós somos mães, educamos nossos filhos. A coisa que uma mãe mais quer é ver um filho sendo educado para ser um cidadão de bem. E você fica ensinando para os nossos jovens que têm de resolver as coisas na base do grito”, disse Marina ao candidato durante o debate da RedeTV!. Em uma de suas aparições no horário eleitoral gratuito, ela se dirigiu diretamente às eleitoras: “Eu quero falar com você, mulher. Alguma vez já te chamaram de fraca e incapaz? Eu sei como é! Eu vou trabalhar todos os dias para que ninguém diga que você não pode. Você pode sim. Essa luta é nossa”.

Para Marlise Matos, o discurso de Marina reforça estereótipos e papéis tradicionais, como a “mulher mãe”, já que esse enquadramento também é caro a parte dos apoiadores do ex-presidente: “O eleitorado do Lula é muito amplo. Há mulheres que têm vínculos religiosos e integram a base petista, mas não conseguem ver uma alternativa em Haddad”.

Sobre aborto, eleitorado de Marina está à direita de Bolsonaro

De acordo com a pesquisa mais recente do Datafolha, a maioria dos eleitores de Marina Silva (59%) se posiciona a favor da manutenção da lei que permite o aborto apenas em caso de estupro, risco de morte para a gestante e feto anencéfalo. Parcela expressiva (61%) também acredita que mulheres que interrompem a gravidez devem ser processadas e presas. Nesse último quesito, os apoiadores de Marina se colocam inclusive como mais conservadores que os de Jair Bolsonaro, já que 57% dos eleitores do candidato defendem punição para a mulher em caso de aborto. “O vínculo religioso da Marina ajuda a explicar esses números. Ela surfa bem na onda do neoconservadorismo e acena para esse eleitorado”, avalia Marlise Matos.

Há várias campanhas, Marina propõe um plebiscito para decidir sobre a questão no país. Para Fátima Pacheco Jordão, este é “o máximo que a candidata vai nessa questão. É algo que a distingue entre os demais, mas que o feminismo rejeita”.

A reportagem da Gênero e Número tentou ao longo dos últimos sete dias entrevistar Marina Silva a fim de saber mais sobre sua relação com o debate de gênero e suas propostas para as eleitoras feministas. Em evento de campanha no dia 1o de setembro no Rio de Janeiro, Marina também se recusou pessoalmente a falar com a reportagem. No ato, ao lado da candidata da Rede a deputada federal Giowana Cambrone, uma mulher trans, Marina afirmou que, “como pessoa de fé, o amor é o mais importante, qualquer que seja a circunstância”. Ela lembrou que, ainda católica, antes de ingressar para a Assembleia de Deus, apoiava Marta Suplicy, responsável por levantar discussões sobre o feminismo na política na década de 1980. “As pessoas acham que eu sou fundamentalista, mas tenho essa abertura toda”, disse ela.

Fátima Jordão avalia que Marina Silva percebeu o crescimento do debate sobre a falta de representatividade das mulheres no espaço político. A pesquisadora afirma que o “feminismo é uma pauta mais central hoje que anos atrás”, mas considera que a agenda feminista não interessa à candidata da Rede: “Ela é uma mulher que está refletindo em alguma proporção esse desequilíbrio de gênero na política. Mas nunca foi feminista, nem o feminismo a adotou. Outros segmentos, como o religioso, a adotam mais fortemente”.

Ainda assim, Marina traz propostas caras aos movimentos feministas em suas diretrizes de governo, disponíveis em seu site. A candidata se compromete a promover “ações de saúde integral das mulheres e de seus direitos reprodutivos e sexuais”, garantir a efetividade de programas de planejamento familiar e a oferta de contraceptivos pelas farmácias populares, entre outras políticas voltadas à igualdade de oportunidades para mulheres e homens. Já Bolsonaro, seu principal concorrente no cenário sem Lula, cita as mulheres apenas uma vez em seu plano de governo, ao propor uma “mudança ideológica” para o “combate ao estupro de mulheres e crianças”.

*Maria Martha Bruno é jornalista e subeditora da Gênero e Número.

Carolina de Assis

Carolina de Assis é uma jornalista e pesquisadora brasileira que vive em Juiz de Fora (MG). É mestra em Estudos da Mulher e de Gênero pelo programa GEMMA – Università di Bologna (Itália) / Universiteit Utrecht (Holanda). Trabalhou como editora na revista digital Gênero e Número e se interessa especialmente por iniciativas jornalísticas que promovam os direitos humanos e a justiça de gênero.

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