Primeira sessão da atual legislatura da Assembleia Legislativa da Bahia: sem pretas | Foto: Deputado Rosemberg

Estado “mais preto” do Brasil, Bahia não elegeu nenhuma deputada estadual preta em 20 anos

Desde o pleito de 1998, as pretas da Bahia, que são 20,2% das mulheres, não se veem representadas na Assembleia Legislativa; situação é a mesma de Santa Catarina, Estado “mais branco” do país, com apenas 2,4% de mulheres pretas

Por Lola Ferreira*

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Nos últimos 20 anos, a Alba (Assembleia Legislativa do Estado da Bahia) não teve nenhuma cadeira ocupada por uma mulher preta. Entre 1998 e 2014, foram 23 mulheres eleitas deputadas no Estado: 14 brancas e cinco pardas. Quatro deputadas não voltaram a concorrer a partir de 2014, ano que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) tornou obrigatório o preenchimento do quesito cor, e por isso não têm registro de sua autodeclaração na base de dados do órgão, fonte utilizada para o levantamento inédito feito pela Gênero e Número.

Uma assembleia legislativa ocupada majoritariamente por mulheres brancas não reflete a população da Bahia, o Estado “mais preto” do Brasil. De acordo com a Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a Bahia que tem a maior distribuição percentual de pretos entre todas as unidades da federação. O levantamento mais recente da pesquisa foi divulgado em novembro de 2017 e aponta que 20% da população baiana se autodeclarou preta. Atrás da Bahia, o Rio de Janeiro tem 14,3% da população preta. No universo só de mulheres, o ranking se mantém: 20,2% delas são pretas na Bahia, e 14,4% se autodeclaram pretas no Rio de Janeiro.

O histórico do legislativo estadual da Bahia em relação às mulheres pretas é o mesmo da Assembleia Legislativa de Santa Catarina, o Estado “mais branco” do Brasil, em que apenas 2,5% da população e 2,4% das mulheres se autodeclaram pretas. Quando analisadas as capitais dos Estados, que concentram a maior parte da população, Salvador também é a capital com mais pessoas pretas: 33,8%. A segunda colocada, Belo Horizonte, tem 12,7% da população preta.

No último pleito, em 2014, 51 mulheres brancas e 46 mulheres pretas se candidataram ao cargo de deputada estadual. A paridade no número de candidaturas não se refletiu nos resultados das urnas: conseguiram uma cadeira na Alba cinco deputadas brancas e duas pardas, cor autodeclarada por 108 candidatas ao mesmo cargo. Os partidos que elegeram mulheres foram o PT (Partido dos Trabalhadores), o PSD (Partido Social Democrático) e o PSB (Partido Socialista Brasileiro).

Dinheiro na mão de quem?

Os três partidos que elegeram mulheres brancas e pardas também tinham candidatas pretas em 2014, sete no total. Três delas não tiveram qualquer receita para financiar a campanha, uma esteve inapta a concorrer e somente uma recebeu dinheiro do partido.

Das quatro candidatas pretas do PT, duas não declararam qualquer receita para a campanha de 2014: Amelia Patrícia, que teve 284 votos, e Georgina Alves, que conseguiu 22 eleitores. Erlita de Freitas declarou ao Tribunal Superior Eleitoral receita total de R$389.350 para realizar a campanha e teve 14.912 votos, mas não se elegeu. Professora Edenice Santana foi a única candidata preta que recebeu recurso de partido político: R$ 11.320,00, e teve 1.830 votos. Entre as brancas, somente Maria Del Carmen, nascida na Espanha e naturalizada brasileira, recebeu dinheiro da mesma fonte: R$ 28.500. Eleita, ela teve um financiamento total de R$ 502.035 para sua campanha, a mais cara entre as mulheres eleitas.

No PSD, a única candidata preta, Suzy Dantas, não declarou receita e obteve quatro votos. A única mulher eleita da legenda, com 60.899 votos, foi Ivana Bastos, branca. Ela também foi a única mulher que recebeu recursos do partido: R$ 34 mil. Outra candidata branca, Mirela, arrecadou R$ 820 mil para a sua campanha, obteve 37.010 votos, mas não se elegeu. Entretanto, em janeiro de 2017 assumiu uma cadeira na casa como suplente do deputado estadual Rogério Andrade.

O PSB também não destinou nenhuma verba para candidaturas de mulheres pretas. A candidata Elaine estava inapta para concorrer ao cargo e a candidata Franci declarou R$ 5.385. Ela recebeu 374 votos.

Projeções para 2019

No total, 31 das 58 candidatas pretas da Bahia ainda não receberam nenhum valor de receita para fazer campanha em 2018, de acordo com dados coletados no TSE em 25 de setembro. Os partidos que têm no mínimo 50% de candidatas pretas entre as mulheres são PCdoB, PODE, PPS, PROS, PSOL, PTB e PTC. O único partido com 100% de candidaturas pretas femininas é o PPS, que já destinou, respectivamente, R$ 90 mil e R$56.016 para as duas candidatas. A única candidata preta do PP recebeu R$ 412.368 do partido até a data. A quantia faz com que a legenda seja a que mais investiu em mulheres pretas até então. Os únicos deste grupo que não direcionaram verbas para pretas ainda são PTB e PROS.

 

 

PT e MDB são os partidos que têm ao menos uma candidata preta e estão no fim do ranking. Na proporção, 11% das candidatas destes partidos à Alba são pretas. A candidata do PT recebeu, até a data da última prestação de contas do TSE, R$ 5 mil, enquanto a candidata preta do MDB havia recebido, na mesma data, R$ 20 mil. Este ano, o limite de gastos para campanhas rumo à assembleia legislativa estadual é de R$ 1 milhão. 

Os outros partidos que já direcionaram alguma verba para candidaturas de mulheres pretas são PRB, PSB, PSDB e Solidariedade.  Os partidos PMN, PR, PMB, PSD, PDT, DC, REDE, PRTB e PV não lançaram nenhuma candidatura de mulher preta para a Alba neste ano.

*Lola Ferreira é jornalista e colaboradora da Gênero e Número.

Lola Ferreira

Formada pela PUC-Rio, foi fellow 2021 do programa Dart Center for Journalism & Trauma, da Escola de Jornalismo da Universidade de Columbia. Escreveu o manual de "Boas Práticas na Cobertura da Violência Contra a Mulher", publicado em Universa. Já passou por Gênero e Número, HuffPost Brasil, Record TV e Portal R7.

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