“Na política eu e meu pai seguimos caminhos distintos, e a dificuldade de se entender e respeitar isso também é fruto do machismo”

Depois de uma corrida à presidência da República, em 2014, na qual se projetou para o Brasil como mulher que disputa a política de igual para igual com homens, Luciana Genro agora tenta, pela segunda vez, se tornar a primeira prefeita de Porto Alegre. Em 2008 não saiu vitoriosa do pleito. Nas pesquisas deste ano, chegou a liderar as intenções de votos e tem chances reais de vencer. Aos 45 anos, a candidata do PSOL já acumula ampla trajetória política, que inclui a fundação de um partido. Na entrevista à Gênero e Número ela fala sobre essa trajetória com olhar para sua condição de mulher na política, avalia com entusiasmo os ganhos do “novo feminismo” e afirma que foi um marco para o Brasil ter uma presidenta.

Por Giulliana Bianconi*

GÊNERO E NÚMERO – A senhora tem chance, apontada em pesquisa, de se tornar nessas eleições a primeira prefeita de Porto Alegre. O que acha que mudou para as mulheres desde 2008 para que não seja possível mais um revés nas urnas municipais diante de um candidato homem?

De 2008 pra cá também houve um aumento expressivo da participação das mulheres na política e na luta social, assumimos protagonismo em diversos movimentos. Vimos que as meninas estiveram na liderança das ocupações de escolas em São Paulo e no Rio Grande do Sul. Também foram as mulheres que saíram às ruas para derrubar Eduardo Cunha – e conseguiram! Isso certamente vai se refletir nas urnas, onde elas vão buscar alguém que as represente da melhor forma e que tenha compromissos claros com políticas públicas direcionadas ao empoderamento e ao combate ao machismo. Nossa candidatura tem um programa de governo sério. Desde 2015 estamos realizando eventos para debater a construção de uma cidade das mulheres e das gurias.

A sua trajetória na política é ascendente, e inclui a fundação de um partido. A senhora enxerga, em toda a caminhada realizada até aqui, desafios enfrentados na política pelo único e exclusivo fato de ser mulher?

Obviamente ser mulher na política é um permanente desafio em busca de conquista de espaços e afirmação. Ainda mais quando se é mulher e filha de um político já reconhecido. Ainda hoje há pessoas que têm dificuldade de entender que uma mulher na política, filha de um político, pode seguir um caminho diferente daquele trilhado pelo pai. Tenho uma relação de carinho e amor muito grande com o meu pai, mas na política seguimos caminhos distintos. E a dificuldade de se entender e respeitar isso também é fruto do machismo.

Em relação ao PSOL, especificamente, há, na sua opinião, uma definição, desde a fundação, de ser um partido onde não há espaço para o machismo ou para sexismos? Há debates nesse sentido ou desde a fundação sequer há debates sobre esse tema por estar implícito que não há a possibilidade de ser diferente?

O PSOL é um partido onde as mulheres têm protagonismo. Sempre tiveram. Não foi à toa que a nossa primeira candidata a presidente foi a ex-senadora Heloísa Helena. É evidente que todo partido, assim como qualquer organização, empresa ou órgão público, pode ter indivíduos com comportamentos machistas. Mas no PSOL isto não é tolerado. Temos setoriais fortes, combativas e atuantes de mulheres dentro do partido. Temos cursos de formação e debate permanente com a militância. E a juventude cumpre um papel central neste processo.

No seu primeiro mandato, aos 24 anos, não existia qualquer política para preenchimento de candidaturas femininas em cotas partidárias. Era um ambiente ainda mais masculino do que vemos hoje (e as 13 candidaturas femininas daquele ano para o cargo de deputada estadual no Rio Grande do Sul, contra 189 masculinas, confirmam isso). Você poderia destacar um fato que considera emblemático e que possa ilustrar o imenso desafio de “vencer” e se eleger nessa seara tão masculina?

No meu primeiro mandato, fui a deputada mais jovem daquela legislatura na Assembeia Legislativa. Tive que lutar muito para comprovar, na prática, que não era apenas a filha de um político respeitado, que eu tinha pensamento próprio e projetos para apresentar. Foi um desafio vencer não apenas por eu ser mulher, mas por eu militar em grupo político muito pequeno naquele momento, tanto que venci por uma margem estreita de votos, mas aumentei muito a votação na eleição seguinte e depois me elegi deputada federal por duas vezes.

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Mesmo que se eleja, a senhora encontrará um legislativo majoritariamente masculino. Isso a leva a crer que precisamos de mais políticas e ações afirmativas para ampliar o número de mulheres na política ou acredita que com a Lei de Cotas e com definições como uso de parte do fundo partidário para candidaturas femininas já estamos no caminho certo?

Penso que todas iniciativas que proporcionem igualdade de condições para a disputa entre homens e mulheres são válidas. Mas o maior desafio é dar à mulher condições de que ela ingresse na política e possa militar politicamente, se organizar em um partido e lutar na esfera também institucional. Eu mesma fui mãe aos 17 anos e só pude continuar na militância porque tive uma família com condições de me apoiar, de colocar meu filho em uma escolinha, porque além disso eu já trabalhava naquele período. Mas sei que a imensa maioria das mulheres não tem essa condição. Por isso é tão importante a construção de escolas infantis e a oferta de vagas no turno da noite também.

A senhora acredita que, apesar do impeachment, a eleição de uma mulher para a presidência foi importante para se avançar na conquista de espaço da mulher na política? Ou outras trajetórias, como a sua, dariam conta de abrir esse espaço que vemos hoje, onde temos, segundo dados do TSE, mais candidaturas de mulher e mais eleições de mulheres a cada pleito?

É evidente que representatividade importa, mas não se basta por si própria. Tenho dito que não basta ser mulher, é preciso estar do lado certo. Temos exemplos de mulheres que governaram ou exerceram funções de poder atacando os direitos do povo, como Margaret Thatcher, Angela Merkel e, partindo para a esfera mais local, a ex-governadora do Rio Grande do Sul Yeda Crusius, do PSDB. Foi um marco para o Brasil ter tido uma presidente mulher, acredito que meninas do país inteiro passaram a pensar que também podem, um dia, ser presidente da República. Mas o país avançou muito pouco em termos de políticas para as mulheres em seu governo, para não dizer quase nada. A lógica política adotada pelo PT subordinou os direitos das minorias às pressões de um presidencialismo de coalizão que se tornou um verdadeiro presidencialismo de capitulação. Capitulação aos interesses e às pressões das forças mais conservadoras do país. Por isso não tivemos o kit anti-homofobia nas escolas – e as meninas lésbicas certamente foram muito prejudicadas com isso. Por isso não temos uma lei de identidade de gênero no país – e as mulheres e os homens trans sofrem todos os dias com o desrespeito e o ataque ao seu mais elementar direito de existir. Por isso é preciso ter lado na política, é preciso não titubear diante dos direitos das mulheres, dos LGBTs, dos negros e negras e de toda a classe trabalhadora, com políticas públicas de acolhimento, empoderamento e enfrentamento de todos os setores reacionários que querem restringir e retirar direitos.

Veja também: Priscila Krause (DEM-PE): “A política, mesmo do ponto de vista democrático, sempre foi pensada por homens e para homens”

Giulliana é jornalista e codiretora da Gênero e Número

Mais sobre Mulheres na Política: https://www.generonumero.media/edicao-02/

Contato: https://www.generonumero.media/fale-conosco/

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